Acredito que vivemos tempos de profundo desafio psicológico: a par de uma sociedade altamente focada no desempenho e no sucesso – estado pré-morbido – começamos a emergir de uma pandemia que nos deixou, (praticamente) a todos, a mãos com questões de controlo.

Todos nós precisamos de sentir que temos algum controlo sobre o que nos rodeia e cada um precisará de graus diferentes desse controlo para se sentir confortável e conseguir desenvolver-se no sentido pleno. Apesar de ser significativamente mais fácil visualizar esta ideia do controlo quando a colocamos como algo externo – como, por exemplo, atravessar a estrada apenas quando o semáforo indica, para reduzir a possibilidade de ser atropelada – ela ganha características mais complexas quando a analisamos como fenómeno interno – como, por exemplo, quando eu tento controlar a possibilidade de errar para não sentir que perco valor com o erro.

A grande exigência que existe relativamente ao desempenho (escolar, profissional, social) é algo que acontece e se desenvolve bidireccionalmente: é, não só, uma exigência que “os outros” colocam em mim, mas também uma exigência que me coloco a mim própria. As médias, as métricas. Fazer mais, fazer rápido, responder a todas as solicitações, não errar, não hesitar. Ser perfeita. Ser melhor. Não desiludir ninguém, apesar de, até a sabedoria popular nos apontar que, “não se pode agradar a gregos e a troianos”. Mas parece que, no mínimo, há que tentar.

Depois, veio a pandemia. A pandemia que nos roubou seguranças, nos confrontou com um risco difícil de medir e nos isolou das pessoas reais. Na verdade, durante estes longos meses relacionamo-nos mais frequentemente com a versão digital das pessoas que nos rodeavam: as que estão sempre com um ar airoso nas reuniões, quando já não suportamos os chinelos de andar em casa; as que publicam fotos a fazer exercício físico ou refeições saudáveis, nos dias em que até pedir uma entrega de comida parece um esforço sobre-humano. Afinal, será que faço alguma coisa bem?

Parece uma ideia muito extremada, não parece? Apesar disso, é uma ideia que caminha de mão dada com o perfeccionismo, uma manifestação de controlo, muitas vezes interpretada de forma positiva por cada um de nós. Dizer de alguém “é extremamente perfeccionista” soa a elogio que faz ganhar a semana. Mas o perfeccionismo, quando dissecado internamente, é um fenómeno que corrói, que se impulsiona na insegurança e que condiciona a liberdade de se ser quem é. É um funcionamento que nos retira da nossa condição humana (imperfeita e não omnipotente) e nos conduz à frustração de tentar (reiteradamente) atingir um estado (perfeição) que não é alcançável. Até porque, para além de assentarmos na nossa condição de humanos, continuam e continuarão sempre a existir gregos e troianos. A perfeição nem sequer é um conceito que provoque consenso universal. No entanto, parece que todos os dias as sereias do controlo cantam encantadoramente para cada um de nós, prometendo maravilhas que o perfeccionista nunca irá encontrar. Entrará, certamente, num mundo de tortura e asfixia.

Tentar superar-se não é ser perfeito. Tentar ser perfeito magoa. Superar-se anda a par com a tranquilidade da realização pessoal. O perfeccionismo traz prejuízo no balanço da vida. Que não seja, por isso, um elogio.

Catarina Janeiro - Psicóloga Clínica