“No caso das embalagens de alimentos e bebidas, o nível e a qualidade da reciclagem são inibidos pelos revestimentos e compósitos, que dificultam os processos de reciclagem”, referem os autores do relatório do Gabinete Europeu do Ambiente (EEB, na sigla inglesa) sobre os riscos de “embalagens alimentares descartáveis à base de papel: a falsa solução para a crise dos resíduos”.
Os autores salientam que, “em 74% das amostras testadas, os plásticos eram mais recicláveis do que as alternativas compostas de papel”, uma situação que é agravada pela falta de fiscalização do setor.
“Em geral, pouco mais de metade do papel e do cartão produzidos utilizam fibras recuperadas. Teoricamente, o papel e o cartão podem ser reciclados cerca de oito vezes, mas, em média, as fibras de papel europeias são recicladas apenas 3,5 vezes”, pode ler-se no relatório, que indica Portugal como o quarto maior fornecedor de pasta de papel para o setor na UE, a seguir ao Brasil, Suécia e Finlândia.
O caso brasileiro é destacado no relatório. Com 3,6 milhões de toneladas anuais de pasta de papel e 20% do comércio total na UE, o Brasil triplicou, nas últimas duas décadas, a sua produção, cobrindo atualmente o dobro da superfície da Bélgica em hectares.
“As plantações de eucaliptos e pinheiros no Brasil estão a agravar a escassez de água, os incêndios florestais e a perda de biodiversidade", alertam os autores, que defendem soluções alternativas ao papel, como materiais reutilizáveis, ou, pelo contrário, uma maior exigência de reciclagem do ciclo de vida dos materiais.
“O papel e o cartão são o grupo de materiais de embalagem que regista o crescimento mais rápido na Europa. As embalagens à base de papel continuam a ser a maior fonte de resíduos de embalagens na União Europeia”, com 41,1%, num total de 32,7 milhões de toneladas em 2020, mais do dobro que os dois outros materiais seguintes combinados (plástico, com 19,4%, e vidro, 19,1%).
Perante os “impactos ambientais e socioeconómicos associados ao plástico”, as “embalagens em papel são cada vez mais comercializadas como alternativa sustentável”, mas os autores do relatório apontam que este material tem riscos adicionais, porque o material “é quase sempre combinado com plásticos e revestimentos químicos”.
“As embalagens à base de papel no setor dos alimentos e bebidas apresentam múltiplos desafios ao longo do seu ciclo de vida, incluindo o impacto das indústrias da pasta de papel e das embalagens nas alterações climáticas, na perda de biodiversidade, no ‘stress’ hídrico e na desflorestação”, entre outros fatores, como a “utilização extensiva de produtos químicos perigosos - muitos dos quais podem migrar para os alimentos e acabar nos nossos corpos”, pode ler-se no estudo.
De acordo com o documento, "a produção de papel é responsável por cerca de 35% de todas as árvores abatidas” no mundo e, na Europa, já há impactos concretos desta pressão da procura.
“As florestas finlandesas tornaram-se um emissor líquido de dióxido de carbono devido ao excesso de cobertura florestal e 76% dos habitats florestais finlandeses estão classificados como ameaçados”, enquanto na Suécia, a capacidade das árvores de capturarem CO2 “foi reduzida em cinco milhões de toneladas devido à exploração excessiva”, refere o relatório.
Além disso, o “papel continua a ser o segundo maior fluxo de resíduos transferido para países terceiros, a seguir aos metais ferrosos”, com “12,4% do papel recolhido para reciclagem na UE (representando 4,4 milhões de toneladas) exportado, a maior parte do qual para a Ásia (principalmente Índia, Indonésia e Turquia)”.
No caso dos químicos utilizados em embalagens alimentares de papel, os autores identificam vários que podem causar “cancro e perturbar o sistema reprodutivo e hormonal humano”.
“A análise das embalagens de papel para 'take-away' e dos utensílios de mesa na Europa revelou que 32 dos 42 artigos testados tinham sido deliberadamente tratados com produtos químicos perfluoroalquilados (PFAS), [com um ciclo de vida muito longo e riscos para a saúde], incluindo muitos rotulados como biodegradáveis ou compostáveis”.
Por isso, o EEB insiste que este problema deve ser abordado nas discussões no Parlamento Europeu sobre o regulamento da UE relativo a embalagens e resíduos de embalagens.
“A comercialização de produtos de utilização única à base de papel como alternativas sustentáveis ao plástico está a induzir em erro os cidadãos e os decisores políticos” e “os legisladores têm de aproveitar a oportunidade para travar os níveis crescentes de resíduos de embalagens provocados pela dependência excessiva de aplicações descartáveis”, consideram os autores do estudo.
O EEB é a maior rede de organizações ambientais da Europa, constituída por mais de 180 entidades em 40 países.
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