Letícia Pinheiro, locutora de publicidade e voz-off em dobragens e documentários, é a voz feminina portuguesa que se ouve no Museu do Louvre, em Paris, em França. Entrou para a Rádio Jornal para realizar um sonho de infância. Um casting catapultou-a para a Mega FM e, depois, para a Mega Hits, obrigando-a a trocar o Porto por Lisboa. Hoje, ouve-se nos audioguias daquele que é um dos maiores museus do mundo.
"Um estúdio estava à procura de uma voz para um projeto de grande envergadura para um cliente estrangeiro e lançou um casting. Convidaram-me a participar e parece que gostaram, porque fui a voz feminina portuguesa selecionada", recorda. Só quando o primeiro guião lhe chegou às mãos antes da primeira gravação é que percebeu para quem é que ia trabalhar. "É só o maior museu do mundo", regozija-se.
Apesar de viver em Lisboa, as gravações são feitas no Porto. "Sempre acompanhadas em direto na internet pelos representantes do Louvre", revela. Sempre que há uma nova exposição ou alterações nas salas, os seus serviços são requisitados. Apesar de serem muitos os portugueses que visitam o museu, que saiba, ainda ninguém lhe reconheceu a voz. "Na verdade, é um trabalho ainda recente", desabafa Letícia Pinheiro.
A carreira que abraçou não anda muito longe daquela que idealizou na infância. "Desde criança que me lembro de tudo aquilo que eu alguma vez quis ser, cantora, atriz, locutora de rádio, envolver a voz. Lembro-me de ser criança e imaginar que era uma das locutoras de continuidade da RTP. E tive a sorte de ter passado por todas estas áreas. Só faltou a continuidade mas, quem sabe, um dia", refere, esperançosa.
Letícia Pinheiro tinha 17 anos quando começou a fazer rádio na Rádio Jornal, em Paredes, ainda antes de entrar para a universidade para tirar o curso de comunicação social. "Fui atrás do sonho", confidencia. Pela paixão, abdicou de muito. "À sexta-feira à noite, quando os meus amigos iam para a discoteca, eu ia deitar-me porque no dia seguinte, às 07h00, tinha de estar no centro do Porto para apanhar uma camioneta tortuosa em direção a Paredes para fazer um programa de rádio, numa rádio local, que foi a minha grande escola", recorda.
Daí, saltou, mais tarde para a Mega FM. "Estive seis anos a fazer emissão no Porto e, depois, convidaram-me para vir para Lisboa, onde fiz emissão durante mais sete anos", conta. Quando chegou a Lisboa, começou também a fazer teatro. "É outra das minhas grandes paixões e também requer um uso da voz diferente e mais diversificado, mas igualmente importante", sublinha. No entretanto, também começou a contar histórias.
"Não me lembro de viver sem usar a voz. É onde me encontro. É o que melhor eu sei fazer", admite Letícia Pinheiro. Foi por isso que quando, de um momento para o outro, a tiraram de antena na rádio sentiu o chão fugir-lhe. "Os primeiros anos foram muito dolorosos. Perdi muita coisa à volta com essa dor a consumir-me mas, hoje em dia, estou completamente em paz. Encontrei o meu caminho. Aliás, vários caminhos", diz.
Além de ser a voz que se ouve nos audioguias do Museu do Louvre, é também a voz oficial da marca de gelatinas Royal. Numa viagem de regresso a Lisboa com um grupo de amigos depois de mais uma ida em trabalho ao Porto, foi abordada por um rapaz que nunca a tinha visto mas que lhe reconheceu, de imediato, o timbre. Nesse dia, o ego inchou. "É uma sensação incrível!", assume Letícia Pinheiro. "E, curiosamente, acontece mais agora do que quando estava no ar na rádio", confidencia a locutora portuense.
"Ser reconhecida só pelo meu instrumento vocal é algo absurdamente mágico", acrescenta ainda. "A palavra e a voz continuam a ser a matéria base do meu trabalho mas o bichinho da rádio continua a existir e não se vai embora assim", refere. No entanto, são as novas paixões que entretanto descobriu que lhe alimentam a alma. Até porque, ao contrário de muitos dos que trabalham com a voz, gosta de se ouvir.
"Lembro-me de, na Rádio Jornal, me terem colocado uns auscultadores pela primeira vez e de eu não ter estranhado ouvir a minha voz. Normalmente, toda a gente estranha. Era algo que estava predestinado ou, então, era muita inconsciência", afirma, divertida, entre risos. "Às vezes, não gosto tanto do que fiz. Acho que, naquele contexto, poderia ter feito outra entoação ou sublinhado uma outra frase", assume, contudo.
Num mundo repleto de timbres fantásticos, são muitas as que encantam os ouvidos de Letícia Pinheiro. "Há vozes incríveis na rádio, mas prefiro destacar aqui as que estão na rádio de outra forma, a fazer voz de estação, como a Elizabete Caixeiro, que é uma das vozes de estação da Rádio Renascença, assim como a Sofia Morais, com a sua dicção exímia, que já foi voz de estação da Smooth FM", elogia a loucutora.
"Em antena, a Lauren Laverne da BBC Radio 6 é uma das minhas referências", acrescenta ainda. No canto, as vozes que mais a seduzem são as de Salvador Sobral, Frank Sinatra, Amy Winehouse, Billie Holiday, Freddy Mercury, Patrick Watson e Cesária Évora. Paula Oliveira, "que é uma extraordinária cantora de jazz portuguesa", também integra a lista, tal como Anohni dos Antony and the Johnsons.
Fernando Ribeiro dos Moonspell e Simone de Oliveira, o Chico Buarque também não ficam de fora. "Gosto muito do uso da voz que a Catarina Salinas faz nos Best Youth", confessa ainda. No teatro e na televisão, elogia Júlio Isidro, João Lagarto e Maria João Luís. "Tem uma voz incrível", considera.
"O Diogo Infante, com a sua dicção brilhante", também não lhe é indiferente, à semelhança de Miguel Guilherme. "Tem um dos timbres mais peculiares", justifica.
De Pedro Lamares elogia "a sua incrível declamação de poemas". Don Morrow, "a voz-off dos trailers dos filmes de Hollywood" também não fica de fora e Carol Ann Susi, que fazia a voz da mãe de Howard na série televisiva "A teoria do Big Bang", também não. "É um excelente exemplo de como se pode construir uma personagem incrivelmente rica, num formato de imagem, apenas com a voz", sublinha ainda Letícia Pinheiro.
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