
O futuro da licença parental em Portugal: o que esperar?
O alerta para a questão da licença parental surgiu a 1 de agosto de 2023, com a admissão do Projeto de Lei n.º 855/XV/1.ª, subscrito por 24 mil cidadãos, que propunha o alargamento da licença parental e alterações ao regime jurídico de proteção social na parentalidade. Aprovado na generalidade em setembro de 2024, o projeto acabou por não ser debatido na especialidade devido ao cenário de crise política nacional, o que fez com que a proposta "morresse". Não obstante, o grupo responsável já anunciou a intenção de relançar a iniciativa.
Mas qual é, afinal, o regime atual da licença parental em Portugal? E na Europa?
Atualmente, a licença parental inicial pode ser de 120 dias (com 100% da remuneração de referência (RR)) ou de 150 dias (com 80% da RR). Nos casos em que cada um dos progenitores goze pelo menos 30 dias consecutivos, ou dois períodos de 15 dias igualmente consecutivos, a licença referida é acrescida de 30 dias, sendo numa licença de 150 dias, auferida 100% da RR; e numa de 180 dias, 83% da RR. Uma última hipótese é a de fruição de uma licença de 180 dias, em que o pai goze pelo menos 60 dias seguidos ou dois períodos de 30 dias consecutivos, para além da licença parental exclusiva do pai, sendo o subsídio de 90% da RR.
Na Europa, países como a Suécia lideram o “ranking”, com uma licença parental de 480 dias, distribuídos livremente pelos dois progenitores, dos quais 390 dias são pagos de acordo com o salário, sendo que nos restantes 90, auferem 180 SEK por dia. A partir de 1 de julho de 2024, podem ser transferidos até 45 dias da licença para outras pessoas, como avós, irmãos ou amigos.
Em Espanha, a licença é de 16 semanas, pagas a 100%, das quais 6 são de gozo obrigatório e as restantes 10 podem ser usufruídas dentro do período de 1 ano desde o nascimento do filho. Recentemente, o Governo propôs um alargamento da licença para 20 semanas, medida que poderá entrar em vigor brevemente, segundo a imprensa espanhola.
Em França, a mãe tem direito a uma licença de 16 semanas, que se inicia 6 semanas antes da data prevista para o parto e termina 10 semanas após esta data. O pai tem direito a uma licença por nascimento obrigatória de 3 dias e a uma licença de paternidade de 25 dias. O subsídio a que os pais têm direito é calculado com base na média da remuneração dos últimos 3 meses, dividindo esse valor por 91,25 (dias), existindo, contudo, um “teto” definido anualmente.
Percebe-se, com base nesta análise, que a legislação portuguesa apresenta margem para melhoria, não só quanto à duração da licença, como também no que respeita à sua flexibilidade.
O que propunha o Projeto de Lei? Será que este apresenta as soluções mais adequadas?
O Projeto de Lei mencionado visava as seguintes alterações: previsão de uma licença parental inicial de 180 ou 210 dias consecutivos, podendo ser usufruída em simultâneo pelos progenitores entre os 180 e os 210 dias, sendo a mesma duração aplicável em caso de adoção de menor de 15 anos. Relativamente ao subsídio parental inicial, sugeriam os proponentes que as referências aos 120 dias fossem substituídas por 180, aos 150 dias por 210, e aos 180 dias por 240, excluindo, todavia, a possibilidade de ser auferido um subsídio de 90% da RR.
A Exposição de Motivos destacava a necessidade de adoção de políticas que incentivem a natalidade, reforcem a conciliação trabalho-família e respondam às recomendações da OMS, que aconselham a amamentação exclusiva até aos 6 meses, realçando os múltiplos benefícios que daí resultam.
A favor da proposta apresentada, surgem argumentos como o tempo acrescido para a adaptação à parentalidade, o impacto positivo no desenvolvimento infantil, a promoção de uma amamentação mais prolongada (o que se traduzirá em ganhos de saúde e orçamentais a médio e longo prazo- menos ausências dos trabalhadores e menos despesas médicas para os pais) e a potencial poupança atinente à medida Creche Feliz.
Por outro lado, critica-se o investimento significativo que acarretaria por parte do Estado, o risco de aumento do desemprego dos pais com vínculos precários, e o impacto negativo para pequenas empresas. A Senhora Ministra do Trabalho alertou também que a extensão da licença teria o potencial de aumentar a desigualdade de género e prejudicar as mães no mercado de trabalho, devendo ser consideradas medidas alternativas que incentivem a partilha da licença de forma mais equitativa entre os progenitores.
Concluindo, apesar de compreendermos os receios e os desafios associados a uma alteração legislativa, somos da opinião que esta se afigura necessária. A proposta em análise é, sem dúvida, positiva, mas cremos que seria interessante considerar outras possibilidades que poderiam trazer benefícios e mitigar as críticas expostas, como, por exemplo, estipulando-se mais vantagens no caso de os pais decidirem partilhar um maior período da licença. Sem defender, porém, um regime que obrigasse a uma divisão fixa ou mesmo igualitária do tempo entre ambos os progenitores, entendendo-se que deve caber às famílias a liberdade de o decidir.
Para finalizar, não devemos descurar a importância de discutir as medidas a implementar em sede de Concertação Social, pela sua complexidade, e de forma a garantir um equilíbrio justo entre aqueles que são os direitos dos trabalhadores e as necessidades e capacidade das empresas e do Estado.
Carolina Medeiros Cerqueira, Dower Law Firm
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik
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