A poucas dezenas de quilómetros da Cova da Iria, em Colmeias, no concelho de Leiria, Gracinda Reis, de 62 anos, integra um grupo de peregrinos de Paredes e esta “é a 26.ª ou 27.ª vez” que vai a Fátima a pé.
Com o irmão António, de 59 anos, partilha as dificuldades do caminho e também, de alguma forma, as razões para o palmilhar de quilómetros. Tudo radica na dificuldade “em ter filhos”. No seu caso, dela própria, no caso de António, de uma filha sua.
Crentes de que Nossa Senhora atendeu as suas preces, não se cansam de, ano após ano, calcorrearem as estradas que, desde o distrito do Porto, conduzem a Fátima. Dificuldades, “só no primeiro ou segundo dia”, assegura Gracinda, que não faz preparação especial para a peregrinação, a não ser trabalhar “dia a dia”.
Depois de terem saído de casa no dia 05 de maio, os irmãos Reis chegaram no final da tarde de segunda-feira ao Santuário e regressaram ao Norte de imediato, não esperando pelo dia 13. A promessa estava cumprida, a obrigação satisfeita.
A meio da manhã de segunda-feira, pelo posto de atendimento do Movimento da Mensagem de Fátima (MMF), em Colmeias, iam passando muitas dezenas de peregrinos, a maioria apresentando boas condições físicas, mas a procurarem essencialmente instalações sanitárias.
No local, o padre Daniel Mendes, de 42 anos, assistente nacional do MMF desde há cerca de seis meses, não esconde que a sua expectativa é a de que a peregrinação “corra em segurança e com espírito cristão e que as pessoas possam fazer uma peregrinação com os pés e uma peregrinação com o coração”.
Quanto ao afluxo de peregrinos a pé neste regresso de fiéis pelas estradas de Portugal depois de dois anos de pandemia, o padre Daniel Mendes admite que, pelas informações que tem recolhido nos postos de assistência, “não é tanto como antigamente, ou seja, antes dos dois anos em que aconteceu a pandemia”.
Não indicando previsões de números, mantém-se otimista quanto a registar-se uma “grande peregrinação” e aponta para algum receio que as pessoas ainda mantêm, nomeadamente quanto à “transmissão da infeção”, para uma participação de fiéis mais reduzida que nos anos pré-pandemia.
“Mesmo nos grupos organizados, dizem-me que a participação é mais reduzida também por causa desse aspeto”, diz o sacerdote da diocese de Coimbra à agência Lusa, adiantando já ter visitado postos de assistência da Cruz Vermelha, da Ordem de Malta ou de outras instituições que estão a apoiar os peregrinos de Fátima, como corporações de bombeiros.
Quanto às razões que, 105 anos depois das “aparições”, levam tantos milhares de peregrinos a meterem pés ao caminho, principalmente em maio, agosto e outubro — meses das maiores peregrinações anuais ao Santuário de Fátima -, o padre Daniel Mendes aponta as de sempre, a devoção e o agradecimento, mas acrescenta mais uma este ano.
“Ao longo deste caminho tenho celebrado eucaristia com os peregrinos e a oração pela paz” está sempre presente, afirma, acrescentando que muitos peregrinos já lhe disseram diretamente: “Venho peregrinar por causa desta situação que se vive no mundo neste momento, mais propriamente a guerra na Ucrânia”.
Muitas pessoas “vêm cá [a Fátima] pedir a Nossa Senhora que a guerra termine”, admite o sacerdote, acrescentando que o conflito “é uma dor, é algo que leva os peregrinos a Fátima também”.
Uns quilómetros mais adiante, já na freguesia da Caranguejeira, em Saramago, junto a uma imagem de Nossa Senhora que esteve destinada a Cahora Bassa, Moçambique, mas que a revolução de 25 de Abril de 1974 reteve em Portugal, um grupo de peregrinos de Valadares, Vila Nova de Gaia, vai-se abastecendo de pequenos bocados de bola de carne, enquanto tira fotos aos cachecóis, camisolas e coletes refletores colocados nas grades daquele monumento religioso.
Rosa Inácio, que coordena o grupo de mais de 60 peregrinos, explica que tudo está bem organizado, com duas carrinhas de apoio, uma enfermeira, uma médica, duas podologistas. A organização é uma marca deste grupo que há décadas desce até Fátima.
E as razões para o fazerem são similares às de milhares de outros crentes anónimos: “É vida! O que estamos a viver. Uns vêm para pedir, outros vêm pagar, agradecer, outros vêm pela experiência”, diz Rosa Inácio, explicando que o seu grupo faz as caminhadas essencialmente durante as madrugadas e as manhãs.
“Acordamos por volta da uma e meia da manhã, tomamos o pequeno-almoço nos hotéis e por volta das duas e meia da manhã saímos e fazemos o nosso destino até à próxima etapa. Chegamos lá por volta da 13:00”, adianta.
Enquanto o grupo de Rosa ainda tinha algumas dezenas de quilómetros para cumprir, milhares já na terça-feira haviam completado a totalidade do caminho e chegado à Cova da Iria. Ali, era visível a emoção com que muitos se dirigiam de imediato para a Capelinha das Aparições.
O cansaço, o sentimento de dever cumprido e a devoção impediam muitos de relatar a sua experiência. “Estamos a chegar. Agora quero é ir à Capelinha”, diz um elemento de um grupo de Braga que, de t-shirts brancas, forma um círculo em frente à Capelinha das Aparições, completando um capítulo e dando corpo a um sentimento comum a muitos: maio volta a ser maio em Fátima.
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