O nosso recurso mais precioso não é o dinheiro. É o tempo. Temos apenas 24 horas por dia e vivemos numa sociedade que nos faz sentir permanentemente “pobres de tempo”. Uma vez que não podemos somar mais horas ao dia, como podemos viver a vida de maneira mais rica e plena? No livro Happier Hour (edição Clube do Autor), a psicóloga social Cassie Holmes procura uma resposta. Fá-lo com vários objetivos: que vivamos bem as horas e com confiança nas escolhas; evitemos distrações, organizemos a agenda com sentido e propósito, olhemos para o passado sem arrependimentos.
A autora sublinha que pequenas mudanças têm enorme impacto. Para Cassie Holmes, “tudo começa com a simples transformação de uma hora numa hora mais feliz”.
De Happier Hour publicamos o excerto abaixo:
O trabalho pode ser divertido
As horas passadas a trabalhar contam‑se, de um modo geral, entre as menos felizes do dia. Apenas metade dos trabalhadores americanos se sente satisfeita com o trabalho e apenas um terço se sente comprometido com o seu trabalho. Muitas pessoas não gostam do seu emprego e passam os dias de trabalho a olhar para o relógio, à espera de poderem ir para casa. Mas, quando passamos a trabalhar mais de metade das horas que estamos acordados, é demasiado tempo da nossa vida para ficarmos à espera. E, por muito que tentemos compartimentar as coisas, a nossa infelicidade no trabalho não fica no trabalho. Os estudos demonstram que a satisfação com o trabalho se estende para lá do local de trabalho e é uma determinante substancial da satisfação com a vida em geral.
Dado que as horas de trabalho constituem uma parte significativa das nossas vidas, é imperativo melhorarmos estas horas. Mas como? Deixem‑me contar o caso de Candice Billups. Quando foi entrevistada pelos investigadores acerca do seu trabalho, respondeu:
“Adoro os pacientes. Adoro as pessoas que estão doentes. Tenho muito para oferecer aos enfermos. Porque, quando não me sentia bem ou quando tive de passar por cirurgias, a única coisa que me fez aguentar foi o trabalho… gracejos, apenas ser agradável, mostrar‑me otimista e ter uma atitude fantástica. E é disso que eu mais gosto quando estou aqui. É tudo tão otimista aqui. De facto, considero este lugar como uma ‘casa da esperança’”.
Conseguem adivinhar qual é o trabalho de Candice, qual o trabalho que ela desenvolve e que a faz ansiar por regressar todos os dias? Conseguem imaginar onde é que ela encontra a positividade que a ajuda a ultrapassar as suas próprias fraquezas emocionais e problemas de saúde?
Candice é auxiliar num centro oncológico. O que ela descreve como a “casa da esperança”, um local de trabalho “otimista”, é na realidade um lugar onde pacientes que sofrem de uma doença fatal vão receber tratamentos de quimioterapia. Candice passa os seus dias de trabalho rodeada de pessoas que estão muito, muito doentes e dos seus familiares preocupados e assustados. E, ao contrário dos médicos com quem trabalha, não tem um título profissional de luxo. Oficialmente, é responsável pela limpeza dos quartos e das casas de banho no rés‑do‑chão do hospital e, devido aos efeitos secundários dos tratamentos, é frequente ter de limpar o vomitado dos doentes. Perante isto, o trabalho de Candice é tudo menos positivo.
No entanto, por alguma razão, Candice gosta das horas que passa a trabalhar. Há mais de uma década num posto de trabalho onde geralmente as pessoas não ficam sequer um ano, ela adora o que faz. Isto porque sabe por que motivo o faz. Candice tem um propósito no seu trabalho e sabe que propósito é esse: ajudar as pessoas, tornando‑lhes os dias mais luminosos.
O sentido de propósito que Candice definiu para si mesma no seu trabalho não fazia parte das tarefas que lhe foram atribuídas. De facto, o que ela faz enquanto está no trabalho estende‑se bastante para além da descrição oficial das suas tarefas. Além de manter limpo o chão do hospital, ela mantém‑no a brilhar. Graceja com os pacientes e com os seus familiares. Fá‑los sentirem‑se confortáveis, levando‑lhes gelado, lenços de papel ou um copo de sumo. Preocupa‑se sinceramente com eles, bem como com os médicos e enfermeiros responsáveis pelos tratamentos. Gosta de ajudar estas pessoas. E, além disso, é boa naquilo que faz. O seu humor, cordialidade e personalidade dinâmica ajudam a iluminar o lugar. O objetivo último que Candice definiu para si mesma está em conformidade com os seus próprios valores e pontos fortes.
Embora este exemplo seja extremo e Candice uma pessoa cheia de virtudes, os benefícios de definir um propósito para o nosso trabalho são muitos e de longo alcance. Um número crescente de evidências demonstra que, ainda que não tenhamos o emprego perfeito (e, sejamos realistas, nenhum emprego é perfeito), alinhar o nosso trabalho com os nossos valores (aquilo com que nos importamos), com os nossos pontos fortes (aquilo em que somos bons) e com as nossas paixões (aquilo que gostamos de fazer) deixa‑nos mais motivados e melhores no trabalho – e também mais satisfeitos no emprego e com a nossa vida em geral.
Idealmente, poderíamos ter um emprego com um propósito expresso que seja algo com que nos importamos e que sabemos fazer bem. No entanto, pode não ser esse o caso. A história de Candice é particularmente útil porque demonstra que, independentemente do emprego, saber porque fazemos o que estamos a fazer – e focando‑nos nisso – pode ajudar a ter dias de trabalho mais agradáveis. Além disso, identificar o propósito do nosso trabalho pode até ajudar‑nos na reconfiguração e no ajustamento dos nossos dias profissionais de modo a torná‑los mais felizes.
Os investigadores na área do comportamento organizacional Justin Berg, Jane Dutton e Amy Wrzesniewski desenvolveram uma ferramenta que nos orienta através deste processo, que eles designaram de “reconfiguração do emprego”. Consiste em encarar de modo diferente o seu emprego e as tarefas profissionais e mudar a maneira como passamos as horas de trabalho, para que mais dessas horas contribuam para o propósito último do trabalho (propósito este identificado por cada um de nós). Atribuo este exercício de reconfiguração do emprego aos meus estudantes – a fim de os ajudar a tornar mais felizes as suas horas de trabalho e mais compensadora esta significativa quantidade de tempo. Tendo já ajudado centenas de estudantes neste processo (e tendo eu feito o mesmo para o meu próprio emprego), cheguei à conclusão de que há dois elementos que efetivamente geram benefícios: encontrar um propósito e aumentar a conexão. Vamos analisar cada um deles.
Identificar o Propósito
Porque é que faz o trabalho que faz? Não pergunto no caso de algum dos seus colegas de trabalho ou da pessoa típica da sua profissão, mas pergunto‑lhe a si, leitor ou leitora? E, refiro‑me a trabalho no sentido mais amplo – o domínio a que dedica o seu tempo, esforço e talento. Pode ser o seu emprego atual, mas pode ser a sua profissão e não tem de ser remunerado. Ficar em casa a criar os filhos é definitivamente um trabalho.
Se a sua resposta imediata para o “porquê?” for simplesmente para ganhar dinheiro, então convido‑o a encontrar outro propósito, mais elevado – uma razão que torne o seu porquê mais consistente. Isto em nome do seu bem‑estar imediato e a longo prazo. Um estudo abrangendo profissionais com diferentes ocupações, e níveis diferentes dentro de cada ocupação e rendimentos diversos demonstrou que aqueles que referiram o dinheiro como objetivo principal para o seu trabalho estavam significativamente menos satisfeitos – tanto com o trabalho como na sua vida em geral.
Conhecer o seu propósito no trabalho (além de receber o cheque ao fim do mês) permitir‑lhe‑á persistir durante mais tempo e manter‑se motivado, apesar dos inevitáveis aspetos aborrecidos do trabalho. Veja‑se o exemplo de Candice: alguns dias no trabalho são francamente duros. Debate‑se quando um paciente perde a batalha contra o cancro. Mas Candice é capaz de seguir em frente e sente‑se ainda mais segura no seu trabalho ao saber que tornou mais positiva a experiência do paciente e da família no hospital.
Numa profissão muito diferente, Riley é mais um bom exemplo. É treinadora pessoal e tem como trabalho planear e implementar um regime de exercício físico para os seus clientes. Mas Riley vê o seu propósito como indo muito além disso. O seu objetivo é ajudar as pessoas a sentirem‑se bem consigo mesmas – a sentirem‑se mais fortes e mais confiantes nas suas vidas. Quando os clientes a contactam explicando‑lhe todas as coisas que não podem fazer, ela leva‑os a compreender tudo o que podem fazer. Para ela, isto é gratificante. No entanto, não gosta de todos os aspetos do seu trabalho. Detesta ter de se “vender” e passar tempo em frente às câmaras a gravar os vídeos de ginástica que depois coloca na Internet. Mas promover o seu trabalho e gravar os vídeos é necessário para alimentar o seu negócio. Por isso, Riley motiva‑se a fazer estas tarefas desconfortáveis recordando a si mesma que elas lhe permitem chegar junto de mais pessoas – ajudar mais pessoas a tornarem‑se mais fortes e mais confiantes. Vale a pena.
Tal como vimos antes, significado e felicidade estão relacionados. Conhecer o propósito do seu trabalho – a razão última para as horas que investe e as tarefas que executa (incluindo as desagradáveis) – mantê‑lo‑á motivado, empenhado, realizado e satisfeito. O seu propósito não necessita de envolver outras pessoas, como acontece nos casos de Candice e Riley. Ajudar outras pessoas é uma fonte frequente de significado, mas existem outras buscas extremamente valiosas.
Por exemplo, no seu trabalho de fotógrafo profissional, Matt é motivado pelo desejo de criar. Destacou que, noutros empregos, “qualquer pessoa podia entrar. Não havia neles nada que fosse único para mim. Mas o trabalho que eu criava era meu e algo que só eu tinha colocado neste mundo”. Matt sentia intensamente que, enquanto jovem negro, isto definia o seu lugar na sociedade – o seu contributo. Explicou: “quando eu perspetivava alguma coisa, não podia desenhá‑la nem pintá‑la, mas podia tirar‑lhe uma fotografia. Era assim que eu podia dar vida a essa coisa”.
Agora que está instalado, Matt é movido também por um desejo de justiça social. Descreve assim o propósito do seu trabalho: “Criar imagens que reflitam histórias de pessoas ou aspetos da vida que não são contados, ou que não estão a ser devidamente contados. São histórias que não estão a ser contadas com equidade ou de forma Inclusiva”. O seu objetivo é claro. Ao fazer o seu trabalho, Matt “permite que mais pessoas se vejam a si mesmas como obras de arte – mais pessoas a verem‑se bonitas, valiosas, observadas” – e que toda a gente as veja também da mesma maneira. O propósito de Matt no seu trabalho estende‑se claramente para lá do que é a descrição desse trabalho como alguém que ganha a vida a tirar fotografias, no seu caso de celebridades e de modelos para publicação em revistas e materiais de promoção para cinema. Ao fotografar celebridades, que são pessoas de cor e modelos de tamanho grande, Matt sente‑se realizado ao apresentar a sua visão de equidade e inclusão na vida.
Cria uma realidade melhor através da sua arte. Portanto, quando identificarem o propósito do vosso trabalho, pensem para lá da descrição oficial do cargo. Pensem também para lá do modo como as pessoas caraterizam a vossa ocupação. Vejamos o caso de Alex, que trabalha na área das finanças e é proprietário de uma empresa de gestão de património: a descrição do seu trabalho é o investimento de dinheiro em nome de indivíduos com um património líquido muito elevado e a gestão das suas carteiras de poupanças de modo a que os seus clientes fiquem ainda com mais dinheiro. Mas, quando se pergunta a Alex o que é que o motiva no seu trabalho, ele fala no bem‑estar emocional dos seus clientes, não do seu dinheiro. É particularmente apaixonado pela sua especialidade de prestação de aconselhamento financeiro durante os processos de divórcio. Explica que, à parte a perda de um filho, o divórcio é um dos acontecimentos mais devastadores por que uma pessoa pode passar na sua vida. Alex define o seu propósito como o de dar apoio a pessoas através dos seus momentos de crise, assegurando que fiquem bem.
Enquanto professora universitária, a descrição do meu trabalho é investigar, dar aulas e fazer serviços administrativos para a escola. O exercício da reconfiguração do emprego levou‑me a questionar a razão por que eu fazia este trabalho. A minha resposta inicial (roubada a uma colega) foi a de que o meu propósito é o de criar e difundir o conhecimento. Eu encarava as minhas tarefas administrativas, tais como o integrar comissões ou ser a presidente da área de Marketing, como periféricas. Depois de ficar sentada a olhar para a minha resposta durante uns instantes, no entanto, compreendi que este objetivo geral da vida académica não é o que verdadeiramente me motiva. Por isso, obriguei‑me a encontrar outro nível de resposta. O que é que me motiva a criar conhecimento e a partilhá‑lo com os estudantes? Sim, quero ajudar os meus estudantes a serem mais inteligentes. Mas, mais sinceramente (e talvez já tenham adivinhado), aquilo que realmente me importa é a felicidade deles. Quero que os meus estudantes sejam mais inteligentes na tomada de decisões que afetarão a felicidade que sentem nos seus dias e a satisfação que sentem com as suas vidas. Os projetos de investigação que me mantêm a pé durante a noite e as aulas que me sinto entusiasmada por dar envolvem, mais especificamente, o conhecimento para eles se sentirem mais felizes.
Este terceiro nível da pergunta sobre o motivo por que faço o trabalho que escolhi levou‑me a identificar o meu propósito. Em vez de 1) investigação, 2) ensino e 3) serviço administrativo, reconheci que os meus objetivos últimos são 1) criar conhecimento acerca da felicidade, 2) difundir conhecimento acerca da felicidade e 3) cultivar felicidade na UCLA. Sem querer exagerar, este exercício levou‑me a compreender que tinha encontrado a minha vocação. Revelou‑me que estou a fazer um trabalho de profunda importância para mim e, ao identificar este facto, a minha profissão tornou‑se mais gratificante e muito mais divertida. A identificação do propósito também se mostrou útil ao determinar a maneira como gasto as minhas horas de trabalho – os projetos e comissões que aceito e aqueles que declino. Se um estudante de doutoramento me apresentar uma ideia para investigação que eu acredite que possa produzir um maior conhecimento acerca do que torna as pessoas felizes, então é possível que eu aceite orientar o projeto. Quando houve pedidos no sentido de abrir mais uma secção do meu curso sobre felicidade, concordei imediatamente em lecioná‑la. Contudo, quando fui convidada para um painel de uma conferência de estudantes acerca das campanhas eficazes nas redes sociais (convite bastante razoável, uma vez que sou professora de Marketing), declinei com confiança.
Outro benefício de ter identificado o meu propósito global foi o de ter reformulado a maneira como encarava certas tarefas em particular. Reconhecer em que medida esses trabalhos contribuem para a minha missão aumentou a minha motivação para os executar, tornando o meu tempo mais agradável. Por exemplo, não me delicio a responder a mensagens de e‑mail. No entanto, ao reenquadrar os e‑mails que troco com os meus colaboradores de investigação como sendo “criadores de conhecimento sobre a felicidade”, e os que troco com os meus estudantes como “difusores do conhecimento acerca da felicidade”, senti subitamente que escrever estes e‑mails era mais valioso e satisfatório.
Agora chegou a sua vez, leitor. Qual é o seu propósito? Compreendo que é uma pergunta assustadora, pelo que sugiro que inspire profundamente, sirva‑se de uma bebida forte ou de uma chávena de chá, e reflita sobre as razões por que faz o trabalho que faz. Quando chegar a uma resposta razoavelmente convincente, pergunte uma vez mais a si próprio – porque é que isso é importante para si?
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