“Mais do que uma ilha do tesouro, a vida assemelha-se a um caminho. Um caminho cheio de árvores e planícies. Há dias secos e dias de chuva. Dias frios e dias quentes. Há dias em que o caminho é duro porque é a subir e dias em que se viaja bem porque é a descer”. Álvaro Bilbao, neuropsicólogo espanhol, dirige-se aos mais jovens no seu mais recente livro. Em discurso direto, o autor de Prepara-te para a Vida (edição Planeta), anuncia “sete chaves para orientar jovens e adolescentes”. Num discurso de fácil apreensão, o doutorado em Psicologia da Saúde propõe aos mais novos uma viagem de autoconhecimento, também de autoestima; uma jornada para discernir emoções, saber interpretá-las e usá-las como ferramenta de valorização. Especialista em plasticidade cerebral, Bilbao traz para o seu livro as respostas a questões que lança diretamente aos mais jovens: “Como construir uma vida feliz? Como lidar com o álcool e com as drogas? Como deves gerir o teu primeiro amor ou a tua primeira rejeição? Porque é tão importante desligares os ecrãs? O autor, pai de três filhos, oferece aos jovens um guia para deslindarem o seu cérebro. Uma obra também dirigida aos pais que procuram as palavras e os argumentos certos para guiarem os filhos para uma vida adulta com mais calma e confiança.

“Se fizéssemos um referendo global, possivelmente a maioria das pessoas votaria para que as redes sociais desaparecessem” – Álvaro Bilbao, neuropsicólogo
“Se fizéssemos um referendo global, possivelmente a maioria das pessoas votaria para que as redes sociais desaparecessem” – Álvaro Bilbao, neuropsicólogo Divulgação

No início do seu livro, apresenta uma ilustração de uma cordilheira de montanhas que representa a vida e o caminho que devemos percorrer. Os jovens estão no início da subida. Posiciona-se como um guia nesse caminho? De que forma?

Bem, como psicoterapeuta e também como pai, o meu trabalho não é o de guia, mas sim de assistente em diferentes momentos do percurso. A viagem e as decisões têm de ser dos próprios jovens ou adolescentes, e os pais e psicólogos podem assisti-los no caminho, mas não podem ser guias, porque não conhecem esse caminho. Apenas eles irão descobrir o seu próprio percurso. No entanto, o livro pretende ser uma ajuda, uma espécie de guia, porque gosto de pensar que um século inteiro de descobertas científicas no campo da psicologia e da neurociência pode servir como um bom guia para nos conhecermos melhor. Cada pessoa tem de fazer o seu próprio trajeto, mas um conhecimento, uma ideia no momento certo ou uma metáfora bem escolhida pode fazer toda a diferença.

O vocabulário emocional dos jovens é bastante limitado, mas talvez o dos adultos o seja ainda mais.

Defende que o autoconhecimento é “o melhor comprimido que podemos tomar”. Atualmente, os jovens não são incentivados a conhecerem-se a si próprios? Porquê?

No meu trabalho, recebo muitos pais que procuram tratamento farmacológico para os filhos quando estes têm dificuldades de atenção, tristeza por não conseguirem encontrar um grupo de amigos ou ansiedade perante os exames. Mas explico-lhes sempre que o melhor "comprimido" é um pouco de trabalho pessoal; que desenvolvam competências e fortalezas que os ajudem a enfrentar esses mesmos problemas num futuro próximo.

“Os castigos não são positivos no desenvolvimento da criança” – Álvaro Bilbao, neuropsicólogo
“Os castigos não são positivos no desenvolvimento da criança” – Álvaro Bilbao, neuropsicólogo
Ver artigo

Creio que hoje, mais do que nunca, os jovens estão rodeados de estímulos que os empurram a olhar para fora: redes sociais, validação externa, comparações constantes... Mas raramente são convidados a parar e a perguntar-se quem são, o que querem realmente ou como se sentem. O autoconhecimento é fundamental para tomar boas decisões, construir relações saudáveis e viver com coerência. Não é algo ensinado nas escolas, e muitas vezes nem em casa. Mas deveria ser uma disciplina fundamental.

No livro, desafia os jovens a ampliar o seu vocabulário emocional. Isso significa que ele é limitado? Qual considera ser a razão dessa limitação?

O vocabulário emocional dos jovens é bastante limitado, mas talvez o dos adultos o seja ainda mais. De qualquer forma, ampliar o vocabulário emocional ajuda muito os adolescentes. Eles utilizam um vocabulário muito básico para descrever o que sentem: “bem”, “mal”, “stressado”, “triste”. Mas as nossas emoções são muito mais ricas e complexas. Ampliar esse vocabulário significa aprender a conhecer-se melhor, a expressar-se com mais clareza e a compreender os outros. Se o meu carro avariar, mas eu não conseguir perceber se foi um furo, uma falha elétrica ou um problema na vela de ignição, dificilmente conseguirei resolver o problema. Porque é que o vocabulário emocional é limitado? Em parte, porque as emoções estão dentro de nós, não são coisas que podemos ver ou tocar, e isso torna tudo mais difícil. Mas também porque nunca foi trabalhado. A inteligência emocional não foi uma prioridade na educação nem na maioria das famílias, mas felizmente isso está a começar a mudar.

Diz que os jovens devem guiar-se pelas suas emoções. Mas elas são sempre boas conselheiras? Ou é necessário canalizá-las de uma forma mais positiva?

As emoções são uma arma de dois gumes. Quando trabalho com adultos na clínica, as emoções costumam ser as protagonistas e devem ser ouvidas sem reservas. Mas os adolescentes têm um cérebro em desenvolvimento, e as suas emoções tendem a ser mais intensas, com uma capacidade de controlar impulsos muito reduzida. Por isso, com os adolescentes trabalhamos muito o autocontrolo. Mas isso não significa que as emoções deixem de ser bússolas; elas indicam-nos coisas importantes sobre nós próprios e o mundo à nossa volta. No entanto, isso não quer dizer que devamos agir sempre de acordo com o primeiro impulso. Sentir raiva é natural, mas isso não significa que devemos gritar ou partir algo. A chave está em aprender a escutar as emoções, compreender o que nos estão a dizer e, depois, decidir como agir de forma construtiva. Isso é maturidade emocional.

“Se fizéssemos um referendo global, possivelmente a maioria das pessoas votaria para que as redes sociais desaparecessem” – Álvaro Bilbao, neuropsicólogo
“Se fizéssemos um referendo global, possivelmente a maioria das pessoas votaria para que as redes sociais desaparecessem” – Álvaro Bilbao, neuropsicólogo Divulgação

A palavra “disciplina” parece ser mal compreendida nos dias de hoje. Na sua opinião, é uma limitação ou uma força estruturante para a juventude?

Para mim, a disciplina é uma força interior que nos permite alcançar objetivos, cuidar de nós próprios e respeitar os outros. É a capacidade de fazer aquilo que é melhor para nós, mesmo quando não nos apetece fazê-lo. Não tem a ver com rigidez ou castigos, mas sim com compromisso, persistência e autocontrolo. Num mundo que oferece recompensas imediatas, a disciplina ajuda a manter o esforço a longo prazo. É uma aliada na construção de uma vida com significado e satisfação, algo de que muitos adolescentes e jovens precisam urgentemente.

A forma como os jovens lidam com as emoções e a disciplina varia consoante a cultura. Observa diferenças significativas entre países nesse aspeto?

Sim, sem dúvida. Em culturas mais coletivistas, como algumas asiáticas, a disciplina e o autocontrolo estão mais interiorizados, mas muitas vezes à custa da repressão excessiva das emoções. Muitas vezes citamos a Coreia do Sul como o país com o nível académico mais elevado [de acordo com o relatório PISA], mas também com a maior taxa de suicídio entre adolescentes. Em culturas mais individualistas, como a Suíça ou a Áustria, é difícil imaginar adolescentes a gritar ou a vandalizar espaços públicos.

Álvaro Bilbao é doutorado em Psicologia da Saúde e formado em Neuropsicologia pelo Hospital  Johns Hopkins e pelo Kennedy Krieger Institute, nos EUA, e pelo Royal Hospital for Neurodisability, no Reino Unido. Colaborou com a Organização Mundial da Saúde e já recebeu diversos prémios pelas suas investigações no âmbito da psicologia e da neurociência.
Especialista em plasticidade cerebral, é professor universitário na área da reabilitação da memória e psicoterapeuta. É pai de três crianças.

Nos liceus franceses, os jovens mantêm um tom de voz calmo nas mudanças de aula. Já em culturas mais expressivas, como as de Espanha e Portugal, a expressão emocional é incentivada, mas nem sempre há ferramentas para canalizá-la adequadamente. Cada cultura tem pontos fortes e fracos, e os jovens são influenciados por isso. Pela minha experiência, a resposta está sempre no equilíbrio entre emoção e razão e na proteção da saúde mental. Felizmente, Espanha, Itália e Portugal têm uma cultura relativamente equilibrada nesse sentido, o que é benéfico para o bem-estar mental.

Encoraja os jovens a resolverem os seus próprios problemas. Estamos a protegê-los demasiado? Como é que isso os afeta?

Sim, creio que muitas vezes caímos na armadilha da superproteção. Com a melhor das intenções, evitamos que sofram, se frustrem ou cometam erros. Mas isso priva-os de oportunidades para aprenderem a superar dificuldades, a confiar em si próprios e a desenvolver resiliência – algo que vários estudos científicos já demonstraram. A superproteção é uma tendência clara nas sociedades desenvolvidas e tem consequências negativas para o desenvolvimento cerebral. Resolver problemas é uma competência que se treina, e se os jovens não praticarem, terão muito mais dificuldades quando enfrentarem desafios reais.

A superproteção tem consequências negativas para o desenvolvimento cerebral.

No seu livro, fala sobre a liberdade, especialmente a de dizer “não” às adições. Qual é o melhor argumento para afastar os jovens das drogas, dado que os danos à saúde nem sempre os convencem?

É um problema sério, pois o consumo de haxixe e marijuana tem aumentado, e preocupa-me a possibilidade de o fentanil chegar à Europa. Para mim, o melhor argumento é o da verdadeira autonomia. As drogas não representam liberdade, mas sim dependência. Quando alguém precisa de algo externo para se sentir bem ou para ser aceite, está a perder o controlo da sua vida. A verdadeira liberdade é poder escolher, e não precisar. Para isso, é preciso autoconhecimento, aceitação e coragem. Os argumentos positivos convencem sempre mais do que os negativos.

álvaro bilbao
álvaro bilbao Divulgação

Usa a expressão “descontaminar a mente”. O que significa exatamente?

Significa libertar-se dos constantes estímulos e mensagens que nos enchem de insegurança, pressão ou ansiedade: comparações, exigências irreais, consumismo emocional... Descontaminar-se é criar espaço mental, voltar ao essencial e cuidar dos pensamentos que cultivamos. Assim como protegemos o nosso corpo de alimentos processados e açúcares em excesso, também devemos proteger a nossa mente de conteúdos tóxicos. É uma forma de higiene mental.

Alguns conselhos parecem basear-se no senso comum, como “Escolhe a pessoa que seja mais bonita por dentro do que por fora”. Perdemos essa noção? Porquê?

Bem, a adolescência e os primeiros anos da juventude são uma fase em que o aspeto físico tem uma atração biológica, muitas vezes irresistível. Além disso, se tivermos crescido num ambiente familiar frio ou com carência de afeto, podemos acabar por escolher um parceiro que nos faz mal, apenas pelo seu atrativo físico. Vivemos também numa sociedade muito focada na imagem, na superficialidade e no imediato. No entanto, as relações verdadeiras, aquelas que nos fazem crescer e que nos acompanham nos momentos difíceis, não se baseiam no físico nem na aparência. Esse tipo de conselhos pode parecer simples, mas são os que fazem a diferença a longo prazo. Às vezes, o que mais precisamos é de relembrar o essencial.

Os conteúdos que mais se destacam nas redes são um dos maiores perigos da cultura digital atual.

O seu livro valoriza o esforço e o desenvolvimento de competências. Acha que as redes sociais e os influenciadores transmitem a mensagem contrária, dando a ilusão de um sucesso fácil?

Aqui há dois aspetos importantes. O primeiro é o das próprias redes sociais. Se fizéssemos um referendo global, possivelmente a maioria das pessoas votaria para que as redes sociais desaparecessem, pois geram stresse, ansiedade, promovem comparações constantes e fazem-nos desperdiçar imenso tempo. Não fomos nós que escolhemos viver com elas, mas sim as grandes fortunas que hoje governam o mundo a partir de Silicon Valley. Por outro lado, os conteúdos que mais se destacam nas redes são um dos maiores perigos da cultura digital atual. Muitos jovens acreditam que podem ter sucesso com um golpe de sorte, sem esforço, sem preparação. Mas isso é uma ilusão. O sucesso verdadeiro, aquele que perdura e tem sentido, exige trabalho, dedicação e aprendizagem. No livro, tento devolver valor ao esforço, não como algo pesado, mas como um caminho para o crescimento e a superação pessoal.

prepara-te para a vida
prepara-te para a vida créditos: Planeta

Dirige o seu mais recente livro aos jovens e fala-lhes diretamente. Faz isso do ponto de vista de psicólogo ou também assume o papel de pai e mãe na forma como devem comunicar com os filhos?

Faço-o de ambos os papéis. Como psicólogo, trabalhei muitos anos com famílias e adolescentes e conheço os desafios que enfrentam. Mas também sou pai de três filhos que estão a entrar na adolescência, e isso dá-me uma perspetiva mais próxima e emocional. Este livro é uma síntese de descobertas científicas, conversas com adolescentes a partir da minha experiência como psicólogo e os meus melhores desejos como pai. Mas é também um convite para os pais falarem com os filhos de uma forma diferente, com mais confiança, profundidade e conexão.