“Certo dia um estudante chegou uma hora atrasado a uma das concorridas aulas de Scott Galloway na Universidade de Nova Iorque. O professor mandou-o imediatamente embora, a sua tolerância era de 15 minutos. O aluno não gostou e queixou-se num e-mail indignado. Numa época em que o politicamente correto aconselharia ao silêncio, o autor deste livro respondeu-lhe com um épico raspanete – que se tornou viral”. As frases anteriores retiramo-las da sinopse ao livro A Álgebra da Riqueza (edição Lua de Papel), obra assinada pelo economista Scott Galloway, protagonista do episódio aqui retratado.
O professor, de origens humildes, mas hoje milionário graças às empresas que fundou, continua a dar aulas na Universidade de Nova Iorque. E a sua resposta não espanta quem o conhece. Afinal, o seu mantra para a riqueza implica apostar na nobreza de caráter – coisa incompatível com a interrupção grosseira de uma aula.
A Álgebra da Riqueza não apresenta folhas de Excel para preencher, nem conselhos para poupar na conta da luz. Defende uma filosofia de vida, dirigida a quem já tem um rendimento fixo, mas pretende ficar independente das amarras do emprego (e da ansiedade económica).
É preciso pois viver as virtudes estoicas da temperança, paciência e resiliência, aproveitar o tempo de forma produtiva (sendo as redes sociais o maior inimigo, de acordo com o autor) e diversificar os investimentos. E tudo isto começa com a escolha da carreira. Neste caminho, Scott Galloway aconselha a que nos esqueçamos da paixão e que apostemos antes naquilo em que for bom. O autor disserta sobre a escolha da pessoa com quem vamos viver, ou daqueles que nos rodeiam e, por fim, dos diferentes “cestos” onde colocamos o nosso dinheiro.
Do livro, publicamos o excerto abaixo:
Se o objetivo é dinheiro, nunca vai ter o suficiente
Na década de 1970, os psicólogos Donald Campbell e Philip Brickman estavam a estudar a felicidade e depararam‑se com um facto persistente: as mudanças nas circunstâncias da vida têm pouco impacto mensurável na felicidade à medida que nos adaptamos à nova realidade. Um dos estudos que realizaram comparou pessoas que tinham ganhado grandes prémios na lotaria com pessoas que tinham ficado paraplégicas. Ao contrário do que seria de esperar, os vencedores da lotaria não eram mais felizes do que os indivíduos do grupo de controlo, e os paraplégicos eram apenas moderadamente menos felizes, além de expressarem o nível mais alto de otimismo em relação ao futuro. Estudos subsequentes que incidiram sobre diferentes grupos de vencedores da lotaria e prémios de valores diferentes revelaram por vezes aumentos mensuráveis na felicidade, mas nada que se assemelhasse ao género de salto quântico que se poderia esperar de uma riqueza súbita.
Campbell e Brickman cunharam o termo “passadeira hedónica” para descrever o que estavam a observar nos dados: por mais progressos aparentes que façamos para atingirmos o nosso objetivo, continuamos no mesmo lugar, a fazer a passadeira andar mais depressa. O historiador Yuval Noah Harari, autor de Sapiens: História Breve da Humanidade, escreveu: “Uma das poucas leis de ferro da história é que os luxos tendem a tornar‑se necessidades e a gerar novas obrigações”. A mudança no estilo de vida é inevitável e é uma competição feroz. Desde roupas velhas que o fazem sentir‑se malvestido ao pé das roupas de marca do seu colega de trabalho (talvez o teletrabalho nos poupe essa despesa), até à contratação de um explicador para o seu filho que anda no primeiro ano porque ele está a competir contra miúdos que têm dois explicadores (não há praticamente nenhum nível de rendimentos que os seus filhos não consumam).
Por mais progressos aparentes que façamos para atingirmos o nosso objetivo, continuamos no mesmo lugar, a fazer a passadeira andar mais depressa.
Cada melhoria gradual que operar no seu estilo de vida fará com que todos os outros aspetos da sua vida pareçam estar em mau estado e a precisar de uma transformação profunda. E cada melhoria vai deixá‑lo mais próximo da atualização seguinte, que não lhe parecerá ser algo tão inalcançável ou pouco razoável. Não são meras atualizações frívolas. Irá provavelmente casar‑se e possivelmente ter filhos, o que o deixará naturalmente mais preocupado em conseguir os melhores cuidados de saúde, fazer uma alimentação mais saudável e conduzir um carro mais seguro. Vai querer garantir os seus rendimentos e as coisas boas que adquiriu. Aumentar o seu rendimento mais depressa do que a capacidade da sua mente de normalizar o novo nível é algo raro e improvável.
Eu sou membro de uma coisa que se chama Barton & Gray, que é, no essencial, a propriedade partilhada de um barco. Eu nunca compraria um barco, já que não adoro andar de barco e toda a gente que conheço que tem barcos está sempre a queixar‑se dos custos e das chatices que dá. Mas pronto, a Barton permite reservar um barco e aparece um tipo com um QE elevado, num barco excelente, bem abastecido de Zacapa, gelo e cajus. Leva‑nos a passear com a família durante a tarde, e depois (esta é a parte genial), deixa‑nos na doca e vai‑se embora.
Há dias, ao sair do porto de Palm Beach num barco da Barton & Gray, vi um iate incrível. Apesar da minha aversão geral por embarcações marítimas, nesse momento, pensei que gostava de ser dono daquele barco. Um dos meus amigos que ia no nosso barco (que me parecia agora barato) disse que o dono daquele iate era Eric Schmidt (ex‑CEO da Google). Nada mau. Mas depois, quando passámos pelo barco de Schmidt, vimos, mesmo atrás dele, o iate encomendado por Steve Jobs (que morreu um dia antes de estar acabado). O barco de Eric é maior, mais o de Steve tem mais estilo. O meu primeiro pensamento foi: Há uma probabilidade diferente de zero de o Eric estar neste momento no outro lado do barco dele a contemplar o navio desenhado por Jobs e a pensar: “Gostava mesmo de ter aquele barco”.
Há sempre um barco melhor, um carro mais rápido, uma casa mais bonita. Mas há, ao menos, potencial para ficarmos saciados ou, pelo menos, limites práticos. Acabamos por ficar sem direitos de docagem. O que é verdadeiramente pernicioso são as recompensas abstratas. Há um episódio ótimo da série de comédia Frasier (um programa genial) em que Frasier e o irmão, Niles, conseguem ter acesso a um spaexclusivo, mas acabam a descobrir que há sempre mais um nível VIP a seguir ao outro. Finalmente satisfeitos com o que acham ser o último nível, descobrem uma porta de platina para mais outro nível, e a experiência deles é imediatamente desvalorizada. “Isto é só um paraíso para as pessoas que não conseguem entrar no paraíso verdadeiro”, exclama Niles.
E quem é o rei das recompensas abstratas? O próprio dinheiro. Porque o dinheiro é apenas um número, e os números são infinitos. E, como tal, nunca temos o suficiente. Luke Skywalker prometeu a Han Solo que a recompensa por salvar a Princesa Leia seria “mais riqueza do que a que consegues imaginar”. A resposta de Han foi: “Não sei, consigo imaginar bastante”. E é esse o problema de uma sociedade movida pelo dinheiro: todos conseguimos imaginar mais.
Não só vai haver sempre mais dinheiro, como este tem a característica infeliz de, quanto mais temos, menos valer. Os economistas referem‑se a isto como a “utilidade marginal decrescente”. Se tiver 100 dólares na sua conta bancária, cada dólar extra é importante, e mil dólares podem salvar‑lhe a vida. Se tiver dez milhões de dólares na conta bancária, mais mil dólares são irrelevantes. Os estudos sobre a felicidade e os níveis de rendimentos confirmam isso mesmo. Ao contrário do que estudos anteriores revelaram, a investigação mais recente (pelo menos, à data de 2023) mostra que maiores rendimentos estão associados a maior felicidade, mas o aumento da felicidade não acompanha o aumento de rendimentos e, para algumas pessoas, não há correlação com rendimentos mais elevados. O aumento na felicidade associado ao salto de rendimento de 60 mil dólares para 120 mil dólares é igual ao que está associado ao salto de rendimento de 120 mil dólares para 240 mil dólares, e depois é preciso chegar aos 480 mil dólares para voltar a registar o mesmo salto na felicidade. Estes dados são consistentes com o conceito bem estabelecido da utilidade marginal decrescente.
Quanto mais temos de uma determinada coisa, menos benefícios retiramos dela por unidade. Quanto mais ganhamos, menos ganhamos. O dinheiro é a tinta que está na sua caneta, mas não é a sua história. Ele pode escrever novos capítulos e tornar alguns mais alegres, mas o arco narrativo é da sua autoria.
Quanto mais temos de uma determinada coisa, menos benefícios retiramos dela por unidade. Quanto mais ganhamos, menos ganhamos.
Suficiente
A passadeira não tem de ser uma armadilha. Não pode sair dela, mas quando percebe como funciona, pode deixar de ser escravo dela. Os estudos sugerem que a genética predetermina até 50% do nosso nível de felicidade, o que é consistente com a nossa experiência de vida: todos conhecemos pessoas que estão sempre animadas e alegres e outras que parecem estar sempre deprimidas. Uma nota: ambas são muito irritantes.
Mas 50% de predisposição genética deixam 50% sob o seu controlo. Não são produto das circunstâncias, da sorte ou de outra coisa qualquer. O desejo que move a passadeira é inato, e é também… útil. A chave é direcionar as recompensas externas para ter o luxo de se focar na realização interior. Os jovens devem ter a motivação do dinheiro, mas como meio para atingir um fim, e estar muito focados em conseguir um determinado nível de segurança económica. Para além desse objetivo, trata‑se de uma questão pessoal: mais dinheiro pode proporcionar‑lhe mais felicidade e oferecer novas oportunidades, mas os retornos podem ser negativos num dado momento. A obsessão com a carreira e o dinheiro (muito para lá do que alguma vez conseguiria gastar) começa a diminuir aquela que é a fonte da verdadeira satisfação: as relações. Séneca, o grande estoico romano, escreveu: “Não há prazer na posse de algo de valor, a menos que tenhamos alguém com quem o partilhar.” Muitas pessoas de sucesso só percebem isto quando já só têm coisas de valor.
Mais dinheiro pode proporcionar‑lhe mais felicidade e oferecer novas oportunidades, mas os retornos podem ser negativos num dado momento.
Sorte
Quando olho para o meu sucesso, ele resume‑se, acima de tudo, a duas coisas: ter nascido americano nos anos de 1960 e ter tido alguém na minha vida que tinha uma paixão irracional pelo meu sucesso (a minha mãe). Apesar de ter sido criada num lar onde havia pouco afeto, a minha mãe não se conseguia controlar em relação ao filho. Para mim, o afeto era a diferença entre esperar que alguém me achasse maravilhoso ou digno e saber disso.
O indicador mais fiável do seu sucesso é o local e a data do seu nascimento. No entanto, a cultura ocidental prega a independência e a autossuficiência, e a mensagem implícita é que os resultados – bons ou maus – são exclusivamente fruto dos nossos esforços. Quando não reconhecemos o enorme papel que a sorte (e, de um modo mais geral, forças que estão fora do nosso controlo) desempenha nos resultados, retiramos deles lições erradas e reduzimos as nossas hipóteses de sucesso futuro.
As pessoas de sucesso tendem a subestimar o contributo da sorte para o seu sucesso, e isso traz‑lhes problemas. Podem sobrevalorizar as suas capacidades e desperdiçar riqueza em empreendimentos em que não deviam participar, e isto pode acontecer em qualquer nível de sucesso, desde um comercial júnior que ganha 100 mil dólares por ano e perde tudo no day trading, até um multimilionário que compra uma equipa de futebol. O momento em que está mais vulnerável a um grande erro é a seguir a uma grande conquista, quando começa a acreditar na falsidade de que o seu sucesso depende apenas de si. Sim, é uma pessoa brilhante e trabalhadora, mas a grandeza está na atuação dos outros, e o timing (e outras características da sorte) é tudo.
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.
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