Na conta de Instagram, assim como no site, onde partilha o seu dia a dia e percurso literário, a norte-americana Ashley Poston dá-nos conta da sua paixão pela escrita. Também nos fala da sua “pequena casa cinzenta, onde vive com três gatos mimados”. Antes de enveredar por uma carreira dedicada à escrita a tempo inteiro, a autora de livros como O Amor não Morreu, contou com um percurdo no mundo editorial. Aí, ajudou a conceber e implementar estratégias de marketing. Também foi designer de capas. Também nos relata Ashley Poston que quando não está a escrever, passa os dias entre o estado da Carolina do Sul e a cidade de Nova Iorque a visitar livrarias, e continua a acreditar em finais felizes.
A Portugal, Ashley chega este mês de janeiro com um novo título com a chancela da Singular: Sete Anos Entre Nós oferece-nos a personagem de Clementine West num momento de encruzilhada. Ainda não tem 30 anos, está à beira de ser promovida no emprego que adora e mudou-se recentemente para um apartamento mágico no Upper East Side. No entanto, há seis meses teve o pior dia da sua vida. Para sobreviver, optou por ignorar os conselhos da sua formidável tia: guardou o passaporte cheio de carimbos na gaveta, passou a ir a jantares de trabalho em vez de a encontros amorosos, fechou o coração a sete chaves e parou de perseguir a Lua.
Por enquanto, o plano tem corrido sobre rodas. Quase sempre.
Até que, após um dia particularmente difícil, lhe aparece em casa um estranho, Iwan – um homem com olhos bondosos, um sorriso torto e um gosto particular por tartes de limão. Alguém pelo qual, outrora, ela se teria apaixonado logo. Ou pelo qual pode vir ainda a apaixonar-se. Com um senão.
A tia de Clementine sempre lhe disse que o apartamento era um lugar onde o passado e o presente se misturavam, como aguarelas: num momento, aqui e agora, no instante seguinte, há sete anos. Que é onde Iwan está. Ao passo que Clementine existe sete anos no futuro.
É então que, perante a oportunidade de recuperar o passado, ela escolhe arriscar novamente o seu coração. E Clementine não tem a certeza de que, desta vez, consiga sobreviver à dor.
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Almoço de editores
A minha tia costumava dizer: “Se não te encaixas em determinado sítio, engana toda a gente até que acreditem que pertences ali.”
Disse-me também para ter o passaporte renovado, para combinar vinho tinto com carne e vinho branco com tudo o resto, para encontrar um trabalho que satisfaça tanto o coração como a cabeça, para nunca me esquecer de me apaixonar sempre que surgisse a oportunidade, porque o amor não é senão uma questão de sentido de oportunidade, e para perseguir a lua.
Para ir sempre, sempre, atrás da lua.
Deve ter resultado com ela, pois não importava em que parte do mundo se encontrava, estava sempre em casa. Valsou pela vida como se pertencesse a todas as festas para as quais nunca foi convidada, apaixonou-se por todos os corações solitários com quem se cruzou, e teve sorte em todas as aventuras. Tinha aquela forma de ser – os turistas pediam-lhe direções quando viajava para o estrangeiro, os empregados de mesa pediam-lhe a opinião acerca de vinhos e de uísques caros e as celebridades perguntavam-lhe como ia a vida.
Certa vez, quando estávamos na Torre de Londres, eu e a minha tia, sem querer, demos por nós numa festa privada na Capela Real de São Pedro ad Vincula e conseguimos manter-nos por lá graças a um elogio elaborado usando as palavras certas e a um elegante colar de imitação. Ali, conhecemos o príncipe de Gales, ou da Noruega, ou de outro lado qualquer, a fazer um biscate como DJ. Não tenho memória de muito mais, uma vez que subestimei a minha tolerância ao uísque escocês demasiado caro.
Mas todas as aventuras com a minha tia eram assim. Ela era a rainha da integração.
Se não se tem a certeza de qual o garfo a usar num jantar chique, imita-se a pessoa que está ao lado. Se se está perdido na cidade onde se viveu a vida toda, finge-se que se é turista. Se se está a ouvir uma ópera pela primeira vez, acena-se e comenta-se como o vibrato foi arrepiante. Se se está sentado à mesa de um restaurante com estrela Michelin a beber uma garrafa de vinho tinto mais cara do que a renda do apartamento onde se vive, comenta-se as características e age-se como se nunca se tivesse bebido nada tão bom.
E eu, por acaso, já tinha bebido vinhos melhores.
A garrafa de vinho do Trader Joe que custa dois euros sabia melhor do que aquele vinho caro, mas os aperitivos deliciosos compensavam. Tâmaras enroladas em bacon, queijo de cabra frito regado com mel de lavanda, bolinhos de trufa fumada que se desfaziam na boca. Sentadas num pequeno restaurante encantador com uma luz amarela ténue, as janelas da frente abertas para deixar entrar os sons da cidade, trepadeiras de pothos e fetos perenes pendurados nas arandelas por cima de nós e o ar condicionado a roçar-nos nos ombros. As paredes eram revestidas de mogno e as cabinas eram de um couro macio que, naquele calor de início de junho, me arrancaria a pele das coxas, se não tivesse cuidado. O lugar tinha um aspeto intimista, as mesas espaçadas apenas o suficiente para que não se conseguisse ouvir as conversas abafadas de mais ninguém no restaurante por causa do burburinho de fundo que vinha da cozinha.
Se fosse possível ser seduzida por um restaurante, eu estava completamente rendida.
Eu, a Fiona e a Drew sentámo-nos numa pequena mesa no Olive Branch, um restaurante com estrela Michelin no SoHo, ao qual a Drew estava a implorar para ir há uma semana. Por norma, não sou dada a grandes almoços, mas era uma sexta-feira de verão, e, para falar verdade, devia um favor à Fiona, a esposa da Drew, pois na semana anterior tivera de desmarcar uma peça que a Drew queria ver. A Drew Torres era editora e ansiava por encontrar autores únicos e talentosos, por isso, já me arrastara, a mim e à Fiona, para os espetáculos, peças de teatro e lugares mais estranhos em que alguma vez tinha estado. E olhem que conheci quarenta e três países com a minha tia, que era excelente a encontrar lugares estranhos.
Isto, contudo, era muito, muito agradável.
– Este é oficialmente o almoço mais chique em que já estive – anunciou a Fiona, enfiando na boca outra tâmara enrolada em bacon. Era a única coisa que tínhamos pedido até então e que ela podia comer, já que os raros pedaços de wagyu estavam fora de questão para uma grávida de sete meses. A Fiona era alta e esguia, com o cabelo pintado de roxo-pastel, pele branca e pálida, e sardas escuras nas bochechas. Usava sempre brincos de um gosto duvidoso que encontrava em feiras de velharias aos fins de semana. Os de hoje eram umas serpentes metálicas com uma placa na boca que dizia «vai-te f%der». Era a melhor designer da Strauss & Adder.
Ao lado dela, estava a Drew, a espetar o garfo em mais um pedaço de wagyu. Era a mais recente promoção a editora sénior da Strauss & Adder, com longos cabelos pretos e encaracolados, e uma pele escura com reflexos dourados. Vestia-se sempre como se estivesse prestes a ir numa escavação ao Egito em 1910 – e hoje não era diferente: calças beges e macias, camisa branca e suspensórios.
Sentada à beira delas, sentia-me malvestida, na minha T-shirt gratuita do Eggverything Café, o restaurante preferido dos meus pais, calças de ganga claras e sapatilhas vermelhas que usava desde a faculdade, com fita adesiva nas solas, porque não me conseguia desfazer delas. Estava há três dias sem lavar o cabelo e o champô seco não ajudou grande coisa, mas cheguei atrasada ao trabalho esta manhã, pelo que não tive tempo de pensar muito nisso. Eu era uma publicitária sénior na Strauss & Adder, uma perpétua organizadora que não tinha planeado esta saída. Para ser sincera, era uma sexta-feira de verão e eu não esperava que alguém estivesse pelo escritório hoje.
– Isto é mesmo chique – concordei. – Muito melhor do que aquela leitura de poesia no The Village.
A Fiona acenou, a concordar.
– Embora eu tenha gostado do pormenor de todas as bebidas terem nome de poetas mortos.
Fiz uma careta.
– A Emily Dickinson deu-me a pior ressaca de sempre.
A Drew parecia bastante orgulhosa de si mesma.
– Este sítio é mesmo porreiro, não é? Sabes aquele artigo que te mandei? O do Eater? O autor, o James Ashton, é o chefe de cozinha deste restaurante. O artigo já tem uns anos, mas ainda é uma ótima leitura.
– E tu queres que ele publique connosco? – perguntou a Fiona. – O quê… um livro de receitas?
A Drew parecia genuinamente magoada.
– Por quem me tomas? Achas que sou alguma plebeia? Não é nada disso. Seria um desperdício pô-lo a fazer um livro de receitas quando ele é tão bom com as palavras.
Eu e a Fiona cruzamos os olhares, cúmplices. A Drew havia dito o mesmo acerca da peça de teatro à qual me esquivei na semana passada, quando me mudei para o apartamento da minha falecida tia, no Upper East Side. A Fiona contou-me, no sábado, enquanto eu carregava um gira-discos para o elevador, que nunca mais se iria meter noutra.
No entanto, a Drew tinha um olho muito apurado para ver o potencial da escrita de uma pessoa, independentemente do que ela já tivesse escrito. E era bem-sucedida nas apostas que fazia.
Era isso que a tornava única. Acolhia sempre os desfavorecidos e ajudava-os a florescer.
– Que troca de olhares é essa? – perguntou a Drew, olhando alternadamente para mim e para a Fiona. – O meu instinto sobre aquele músico que vimos na Ilha do Governador no mês passado estava certo.
– Querida – respondeu a Fiona, com paciência –, ainda estou a recuperar da peça sobre um homem que teve um caso com um golfinho, que vi na semana passada.
A Drew estremeceu.
– Pronto, essa vez… não correu bem, mas com o músico foi diferente, tal como foi diferente com aquele TikToker que escreveu um thriller passado num parque de diversões. Vai ser um sucesso. E este chefe… eu seique é especial. Quero saber mais sobre o verão em que fez vinte e seis anos. Ele referiu isso no Eater, mas muito por alto.
– Achas que aí pode haver história? – duvidou a Fiona.
– Tenho a certeza de que sim, não achas, Clementine?
Depois, olharam ambas para mim, na expectativa.
– Eu… Na verdade, eu não o li – admiti, e a Fiona estalou a língua nos dentes com um «tch», daquela maneira que um dia iria fazer com que o filho de ambas se sentisse incrivelmente arrependido. Baixei a cabeça, envergonhada.
– Bem, devias! – replicou a Drew. – Ele já viajou pelo mundo, tal como tu. A forma como relaciona a comida, as amizades e as memórias… Quero-o! – Lançou um olhar faminto na direção da cozinha. – Quero-o mesmo. – E sempre que fazia este tipo de expressão, não havia forma de a parar.
Dei mais um gole do vinho extrasseco e peguei na ementa das sobremesas para a analisar. Embora costumássemos almoçar juntas – era a vantagem de trabalhar no mesmo edifício que as melhores amigas –, por norma, ficávamos em Midtown, e os restaurantes por lá eram…
Bem.
Andava a comer mais sanduíches e massa com queijo e lagosta de roulottes do que gostaria de admitir. O centro da cidade, no verão, ficava cheio de turistas, pelo que tentar encontrar um sítio para almoçar em qualquer lado que não uma roulotte que vende comida ou nos espaços verdes em Bryant Park era quase impossível sem reserva.
– Bem, quando o conseguires apanhar, tenho uma pergunta sobre as sobremesas – disse, apontando para a primeira da lista. – O que raio é uma tarte de limão desconstruída?
– Oh! Essa é a especialidade do chefe – informou-nos a Drew, enquanto a Fiona me arrancava a ementa das mãos para ler mais sobre esta sobremesa. – É mesmo essa que quero experimentar.
– Se for só uma rodela de limão polvilhada com açúcar granulado em cima de uma bolacha, a sério que me vou rir – avisou a Fiona.
Fui ao telemóvel para ver as horas.
– Seja o que for, devíamos fazer o pedido e abalar. Disse à Rhonda que estava de volta à uma.
– É sexta-feira! – argumentou a Fiona, a acenar-me com a ementa das sobremesas. – Ninguém trabalha às sextas no verão, especialmente a malta do marketing.
– Bem, eu trabalho. – A Rhonda Adder era minha chefe, diretora do departamento de marketing e publicidade, e coeditora. Era uma das mulheres mais bem-sucedidas do ramo. Se um livro tinha potencial de vir a ser um bestseller, ela sabia exatamente como o espremer, e esse era um talento por si só. Falando em talento, e para que a Drew e a Fiona ficassem a par da situação, acrescentei:
– Tenho três autores em digressão neste momento, e é certo que alguma coisa está destinada a correr mal.
A Drew aquiesceu, acenando com a cabeça.
– A Lei de Murphy no meio editorial.
– A Lei de Murphy – repeti. – E a Juliette chorou muito esta manhã por causa do namorado, por isso, hoje estou a tentar aliviar as coisas para o lado dela.
– O Romeu-Rob que se lixe – entoou a Drew.
– O Romeu-Rob que se lixe – concordei.
– Por falar em namorado… – A Fiona endireitou-se um pouco e apoiou os cotovelos na mesa. Ah, como eu conhecia aquele olhar! Dei por mim a reprimir um gemido. Ela inclinou-se na minha direção, de sobrancelhas arqueadas. – Como é que vão as coisas com o Nate?
De repente, o copo de vinho pareceu-me muito interessante, mas, quanto mais ela olhava para mim à espera de uma resposta, menos convicção eu tinha, até que, por fim, suspirei e respondi:
– Terminámos na semana passada.
A Fiona suspirou, como se tivesse recebido um insulto pessoal.
– Na semana passada? Antes ou depois de te mudares?
– Durante. Na noite em que foram todos ver a peça.
– E não nos contaste? – acrescentou a Drew, mais curiosa do que a sua angustiada mulher.
– Não nos contaste! – ecoou a Fiona, num grito. – Isto é importante.
– Não foi nada de mais. – Encolhi os ombros. – Foi por mensagem de texto. Acho que já está com outra pessoa que conheceu no Hinge. – As minhas amigas olharam-me com pena, mas eu ignorei-as. – A sério, está tudo bem. De qualquer forma, não éramos assim tão compatíveis.
O que era verdade; no entanto, não incluí a quezília que tivemos antes da troca de mensagens. Bem, quezíliaera uma palavra forte para descrever o que aconteceu. Foi mais um encolher de ombros e o lançar de uma bandeira branca num campo de batalha já abandonado.
“Outra vez? Tens de trabalhar até tarde outra vez?”, perguntou-me ele. “Sabes que esta noite é importante para mim. Quero-te aqui comigo.”
Para ser sincera, tinha-me esquecido de que era a noite de inauguração de uma galeria com o trabalho dele. Era um artista – um metalúrgico, na verdade – e isto era relevante para a carreira dele.
“Desculpa, Nate. Isto é importante.”
E era, tenho a certeza de que sim, embora não me conseguisse lembrar qual tinha sido a emergência que me fizera ficar a trabalhar até tarde.
Ele ficou quieto por longos momentos, e depois perguntou: “É assim que vai ser? Não quero ficar em segundo plano, atrás do teu trabalho, Clementine.”
"Não estás!"
Mas estava. Era óbvio. Mantive-o longe para que, dali, não conseguisse perceber quão destruída eu estava. Assim, podia ter continuado a mentir, continuado a fingir que estava bem – porque estava. Tinha de estar. Não gostava que as pessoas se preocupassem comigo quando tinham tantas outras coisas em que pensar. Era isso que cativava os outros, não era? Saberem que não tinham de se preocupar com a Clementine West. Ela dava sempre a volta por cima.
O Nate soltou aquele suspiro pesado e profundo.
"Clementine, creio que precisas de ser honesta." E foi isto, o golpe final, o último prego no caixão. "És muito fechada, usas o trabalho como escudo. Eu não sei sequer se te conheço verdadeiramente. Não te abres, não te mostras vulnerável. O que aconteceu àquela rapariga com aguarela debaixo das unhas, naquelas fotos?”
Desaparecera, mas isso ele já sabia. Conheceu-me depois de ela já ter desaparecido. Talvez tenha sido por isso que não me deixou da primeira vez que cancelei os nossos planos; talvez estivesse a tentar encontrar aquela rapariga com aguarelas debaixo das unhas, a que viu uma vez numa fotografia no meu antigo apartamento. A rapariga de antes.
“Ainda me amas, ao menos? Não me lembro de alguma vez o teres dito.”
“Só estamos juntos há três meses. É um pouco cedo, não achas?”
“Quando se sabe, sabe-se.”
Comprimi os lábios.
“Então, acho que não sei.”
E foi isto.
Aquela relação chegara ao fim. Antes que dissesse alguma coisa de que me arrependesse, desliguei o telemóvel e enviei-lhe uma mensagem a dizer que estava tudo terminado. E que lhe devolveria a escova de dentes pelo correio. Deus sabe que eu não iria a Williamsburg se não fosse mesmo necessário.
– Além disso – acrescentei, ao pegar na garrafa de vinho cara para encher o meu copo –, acho que não quero estar numa relação agora. Quero concentrar-me na minha carreira. Não tenho tempo para confusões com homens com quem posso acabar três meses depois por mensagem. O sexo nem era assim tão bom. – Dei um grande gole de vinho para engolir aquela verdade horrível.
A Drew observava-me com admiração, abanando a cabeça.
– Olha para isto, nem sequer derramaste uma lágrima.
– Nunca a vi chorar por causa de nenhum rapaz – disse a Fiona à mulher.
Tentei argumentar que não, que, na verdade, já tinha acontecido, mas fechei a boca mais uma vez, porque… ela tinha razão. Era raro chorar; ainda por cima, por causa de um homem? De forma alguma! A Fiona sempre achou que era porque em todas as minhas relações eu acabava a vê-los como um rapaz qualquer – alguém que nem sequer merecia que a minha memória registasse o seu nome.
“Porque nunca te apaixonaste”, observou ela uma vez, e talvez seja verdade.
“Quando se sabe, sabe-se”, disse-me o Nate daquela vez.
Eu nem sabia o que o amor deveria ser.
A Fiona acenou com a mão.
– Bem, que se lixe, então! Ele não merecia esta rapariga financeiramente estável que arrasa no trabalho eque tem um apartamento no Upper East Side – continuou, e isso fê-la recordar-se do outro assunto sobre o qual eu não queria mesmo falar. – Como é o apartamento?
O apartamento. Ela e a Drew deixaram de se referir a ele como o apartamento da minha tia, em janeiro, mas eu ainda não consegui deixar de o fazer. Encolhi os ombros.
Podia contar-lhes a verdade – que, de cada vez que passava a ombreira, esperava ver a minha tia ali, na sua poltrona cor de ovo de tordo. Porém, a poltrona já lá não está.
Assim como a dona dela também já cá não estava.
– É agradável – acabei por responder.
A Fiona e a Drew trocaram olhares entre si, como se não acreditassem em mim. O que é justo: não sou boa a mentir.
– É agradável – repeti. – E porque estamos a falar de mim? Vamos lá encontrar esse famoso chefe e seduzi-lo para o lado negro. – Estendi a mão pela mesa para alcançar a última tâmara e comi-a.
– Claro, claro, só precisamos de fazer sinal ao empregado… – A Drew olhou ao redor, para ver se conseguia chamar a atenção de alguém, mas era demasiado educada e acanhada para fazer mais do que lançar um olhar intencional. – Devo simplesmente levantar a mão? Como se faz nos restaurantes caros?
A Drew tem sido muito proativa nos últimos meses, na procura de autores para a sua lista, mas fico a pensar se algumas destas excursões – o concerto na Ilha do Governador, a peça a que, com muita pena minha, não pude ir, a ópera no mês passado, o influenciador do TikTok que conhecemos numa livraria em Washington Heights, a exposição numa galeria de ume artista que pintava com o seu corpo – não seriam uma forma de me distrair. Para me tirar da minha dor. Só que já tinham passado quase seis meses e eu agora estava bem.
Estava mesmo.
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.
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