Foi no dia 13 de novembro de 2015 que Sofia Ribeiro foi confrontada com uma das notícias que as mulheres mais temem. 11 dias depois, a atriz, apresentadora e empresária, então com 31 anos, viu-se forçada a revelar publicamente que lhe tinha sido diagnosticado cancro de mama. Em entrevista exclusiva ao Modern Life/SAPO Lifestyle, a artista, que se associou à marca italiana Intimissimi e é o rosto de uma campanha que está a angariar fundos para a Liga Portuguesa Contra o Cancro, recorda esses momentos difíceis.

"Vi-me obrigada a partilhar essa informação, sem conhecer também muito bem aquilo por que estava a passar naquele momento e numa fase muito complicada", desabafa Sofia Ribeiro. Até ao final do mês, por cada sutiã vendido em qualquer loja do país ou na plataforma de comércio eletrónico da marca do grupo Calzedonia, a Intimissimi doará 2 € à instituição presidida por Vítor Rodrigues. Em 2020, durante a campanha, foram angariados 66.324 €. Até ao momento, no âmbito da iniciativa Outubro Rosa, soma 54.650 €.

Sofia Ribeiro recorda momentos difíceis em entrevista exclusiva.

Há quase seis anos recebeu uma das piores notícias da sua vida. De lá para cá, tornou-se na embaixadora desta causa essencialmente feminina, apesar do cancro da mama também afetar os homens. Como é que se sente nesse papel?

Sinto-me muito orgulhosa por, de alguma forma, contribuir para que, a passos mais largos, possamos chegar a um caminho de maior perceção, de maior clareza, de maior desmistificação e de quebra de tabus, ao trazermos este tema para cima da mesa.

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Eu acredito que muitos dos medos que as mulheres têm e até o pânico que é causado pelo próprio nome da doença, o cancro, vêm da falta de conhecimento e da falta de informação. Quanto mais se falar nestes temas, mais as pessoas procurarão saber sobre eles e, consequentemente, sobre a mensagem mais importante que devemos passar, que é a importância de fazer o diagnóstico precoce da doença para que se consiga chegar a um final feliz. Esse é o maior objetivo. É um orgulho para mim vestir esta camisola e assim será, quero acreditar, enquanto cá andar.

Eu acredito mesmo que isto [cancro] veio para mim como uma missão e, a partir do momento em que tenho pessoas que chegam até mim e que através do meu testemunho foram fazer os seus exames, perceberam que estavam doentes atempadamente e conseguiram ficar bem, é um sentimento de missão cumprida muito grande.

E a Intimissimi está de parabéns. É uma marca tão grande e com um posicionamento tão importante no mercado e associar-se a este tipo de causas e aliar-se à Liga Portuguesa Contra o Cancro é de louvar. Só posso estar muito orgulhosa...

No seu caso, quando foi confrontada com a doença, já estava sensibilizada para esta questão ou ainda não estava suficientemente desperta para este problema de saúde?

Eu sempre fui muito desperta para este tema. Se forem procurar, vão ver que, uns meses antes, eu tinha feito uma publicação a alertar precisamente para esta questão. Aliás, nem sequer foi uns meses antes. Foi exatamente em outubro. Lembro-me porque faço anos neste mês. E, pouco depois, fiquei doente...

Era recorrente eu chamar a atenção para este tema. Eu fazia já os meus exames regularmente. Fazia o autoexame da mama. Aliás, eu descobri que estava doente através de uma palpação. Sempre fui muito desperta para esta questão, sem necessariamente ter alguém muito próximo que tivesse passado por esta situação.

Sempre foi uma doença que me despertou preocupação e eu queria estar o mais atenta a ela possível. É esse que eu acho que deve ser o caminho. Não vivermos em pânico com a doença em si mas estarmos dispertos e atentos ao nosso corpo e aos sinais do nosso corpo.

Na altura, foram milhares as pessoas que acompanharam essa fase difícil da sua vida nas redes sociais. Acabou por torná-la muito pública com as publicações que foi fazendo. Fê-lo mais com a preocupação de auxiliar quem estivesse a passar pelo mesmo ou fê-lo sobretudo para se ajudar a si num momento de maior fragilidade emocional?

Inicialmente, fui meio forçada a partilhar que estava doente. Eu soube que um meio de comunicação social ia dar a notícia da minha condição no dia a seguir e, perante essa situação, decidi que não iria ser ninguém a falar primeiro da minha doença ou, naquele caso, da falta de saúde a não ser eu. Se alguém tinha de falar sobre aquilo naquele momento, era eu.

Vi-me obrigada a isso, sem conhecer também muito bem aquilo por que estava a passar naquele momento e numa fase muito complicada. Se me perguntar se eu, eventualmente, o iria partilhar mais tarde, eu não sei. Não faço ideia! Naquele momento, o que eu sei é que não o iria partilhar, porque o meu foco estava todo virado para a tentativa de perceber o que se passava comigo ao certo e o que é que poderia fazer para me curar.

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A partir do momento em que tomo essa decisão de partilhar aquilo que estava a viver, ainda que obrigada, a avalanche de carinho que chegou até mim, de informação e de partilha de experiências, foi de tal ordem que eu percebi que estava a ser muito ajudada com tudo o que me estava a acontecer. Tive muitas pessoas a escreverem-me e a enviarem-me e-mails. Chegaram-me muitas mensagens pelas redes sociais, sobretudo através do Facebook e do Instagram. Eu percebi que estava a ser ajudada mas, paralelamente, também sentia que estava a ajudar outras pessoas que estavam a passar pelo mesmo que eu naquela altura.

Também recebi mensagens de mulheres que não tinham a doença mas que, através das minhas publicações, foram ficando mais despertas para esta patologia. Recebi ainda mensagens de pessoas que tinham familiares com cancro e que me escreveram para dar uma palavra de apoio. Senti que houve ali uma roleta de ajuda, de mim para com as pessoas e das pessoas para comigo.

Numa situação como esta, todos procuramos referências e eu não sou diferente. Naquele momento, eu estava à procura de referências, de histórias, de testemunhos... De pessoas que me trouxessem alguma paz e alguma esperança. O contrário também aconteceu e isso sucede até aos dias de hoje. Eu continuo a receber mensagens e, sempre que posso, dou retorno. E acredito que assim continuará a ser...

A cantora, compositora, atriz e empresária australiana Kylie Minogue também teve a mesma doença em 2005 e diz que o cancro muda tudo. O que é que hoje é diferente em si?

Eu acho que as bases são as mesmas mas a forma como eu estou na vida hoje é diferente. É, a meu ver, muito mais presente, mais inteira... A gratidão que eu tenho hoje à vida não é a mesma que eu tinha antes ou, se calhar, até é mas eu não tinha noção disso.

Hoje valoriza as coisas de maneira diferente...

Sim, a forma como eu estou na vida, mais presente com os meus... Tudo o que faço. As coisas que quero viver. Os sonhos que quero concretizar... A vida passou a ter um sabor muito mais puro. E posso dar-lhe um exemplo. Na altura em que fiquei doente, eu trabalhava sem folgas. Estava há anos sem folgas! Tinha um ou outro dia de pausa mas estava a fazer teatro e a gravar uma telenovela ao mesmo tempo.

Eu dormia, em média, quatro a cinco horas por noite. Comia quando havia tempo. Não estava quase nada com a minha família nem com os meus amigos ou com as pessoas que eu amo. A concretização dos meus sonhos passava pelo meu trabalho. Era muito pouco o tempo que me sobrava para fazer outras coisas. Não é que, de repente, tenha deixado de trabalhar. Nada disso!

Sofia Ribeiro recorda momentos difíceis em entrevista exclusiva.

Eu continuo a amar aquilo que faço mas passei a conseguir encaixar o trabalho, que é sem dúvida uma parte fundamental da minha vida a todos os níveis, porque eu amo aquilo que faço e preciso de trabalhar para me sustentar, com o resto de uma forma mais saudável, arranjando disponibilidade para passar tempo de qualidade com os que eu amo, sem deixar de concretizar os meus sonhos.

O que isto me trouxe foi perceber que, de hoje para manhã, tudo muda. Quando eu fiquei doente e me disseram que, na pior das hipóteses, poderia morrer, eu comecei a olhar para trás e, falo nisto e arrepio-me toda, revi mentalmente o que tinha feito no ano anterior. E eu só tinha trabalhado!

Ser confrontado com essa realidade num contexto daqueles é ainda mais assustador...

Sim, é assustador! Eu não tinha dito às pessoas que eu amava tantas vezes quanto eu queria que as amava. Eu não tinha passado tempo de qualidade com elas. Eu não tinha ido fazer aquela viagem que queria muito... De repente, isto coloca-me num sítio que me obriga a rever a minha vida em perspetiva.

Eu hoje estou aqui consigo mas, se morrer amanhã, eu vou plena porque eu disse às pessoas que amo que as amava as vezes que quis, já concretizei uma série de sonhos que queria concretizar... Respondendo à sua pergunta anterior, foi isso que mudou, no fundo!

Muitas das mulheres que tiveram a doença e que se curaram vivem com o fantasma da recidiva. Também é o seu caso?

Sim. Não vamos ser hipócritas e começar a dizer, de repente, que está tudo bem e que nada aconteceu. Não posso dizer que não me lembro, porque não é verdade. Os doentes de cancro nunca deixam de o ser. Sê-lo-ão sempre. Para a vida... Temos que continuar a fazer exames de rotina. No meu caso, eu faço medicação. Há sempre coisas que nos recordam [o cancro] e, na minha vida, ainda bem que há coisas que mo recordam. Todas as vezes que isso acontece é para me trazer para o lugar que eu considero o certo.

Mas pensa muito nisso?

Se, às vezes, penso nisso? Penso! Penso quando há pessoas que vêm partilhar comigo o que aconteceu com elas... Quando vou fazer os exames, há sempre um nervoso que surge, uma ansiedade... Mas eu quero acreditar que não, que não vai acontecer. E nem quero pensar nisso! É óbvio que esse fantasminha anda por aí mas eu não lhe dou muita conversa... [risos]

Escreveu, em meados de 2018, numa fase de superação da doença, o livro "Confia". Continua a confiar...

Sempre! Não faz sentido viver a vida, a meu ver, sem confiar. Sem confiar em mim, acima de tudo. Sem confiar na vida, naqueles que eu amo e nas coisas em que eu acredito...

Depois de se curar do cancro, foi confrontada com uma pandemia viral. Como é que tem vivido este período?

[faz uma breve pausa] O termo curar é subjetivo. Os médicos não falam em cura para o cancro. Acabamos os tratamentos e ninguém nos diz que estamos curados. Dizem-nos que não há sinais da doença no nosso corpo mas, sim, eu considero que estou curada. Mesmo que eles não o digam! [risos]

Depois, veio uma pandemia... Eu já tinha vivido uma pandemia! Quando eu estive doente, tive de passar a maior parte do tempo em casa, porque era inverno e por causa de ter as minhas defesas mais baixas. Por causa do frio e da probabilidade de apanhar outra doença... Inicialmente, a pandemia, para mim, não me pesou, sinceramente. Eu sou uma pessoa que gosta de estar em casa.

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Para mim, foi ter um tempo para estar em casa que eu não costumava ter. Aproveitei para organizar uma série de coisas, para ler, para cozinhar mais, para arrumar a casa, para meditar, para fazer ioga. Depois, à medida que o tempo foi passando, é que fomos tomando uma maior noção da real proporção daquilo que se estava a passar, aqui e no mundo. É uma coisa assustadora, não é? Julgo que nenhum de nós alguma vez pensou que iríamos passar por uma coisa destas... Mas tentei viver este período da melhor forma possível. Sei de pessoas que passaram mal e que lhes foi muito difícil estarem em casa.

Acredito que, para quem tenha filhos, tenha sido bastante complicado gerir tudo. No meu caso, o que mais me preocupou foi a incerteza de não sabermos, com clareza, o que se estava a passar, o que é que se podia ou não fazer, os avanços e os recuos... Teve muito a ver com isso mas, felizmente, parece que, a pouco e pouco, estamos a começar a voltar a alguma normalidade.

O período conturbado que vivemos forçou-a a abdicar de um sonho, o restaurante que tinha aberto no centro de Lisboa no início de 2019...

Sim. Ainda lá está... [faz uma pausa]

É um sonho que acabou ali ou não exclui a hipótese de o reabrir?

Não é um sonho que morreu. Um sonho é um sonho e os sonhos não morrem. Pelo menos, para mim, não morreu... [sorri] Quanto muito, pode ficar ali um bocadinho adormecido... O Filosofia não nasce só de um sonho. Nasce como um sonho, efetivamente, mas a concretização do mesmo mostra-me, depois, que não era só um sonho, mostra-me que era um projeto com pernas para andar, felizmente.

No momento em que a pandemia se agravou, eu tive de tomar a decisão de fechar o Filosofia, porque não havia como mantê-lo, infelizmente. Mas ainda hoje muita gente me escreve a perguntar por ele. Muitos clientes também me questionam quando é que reabrimos. Eu estou a tentar perceber como é que o consigo fazer mas esse seria o meu maior desejo. Vamos ver se as condições para isso se reunem. Espero que sim...