A par com a dor que sinto em não os ter presentes, em não poder estar nem falar com eles, e das saudades tremendas que tenho, custa-me a aceitar que os pilares do meu passado desapareceram.
Custa-me a aceitar que já não sou neta, agora só sou filha, irmã e mãe. Custa-me a aceitar que aqueles que se lembram de mim em pequena, a correr pelo jardim, aqueles que brincaram e deram festas de chá comigo, que me abraçaram e me beijaram, que se lembram das minhas franjas e dos totós que a minha mãe me fazia, dos sorrisos desdentados e das unhas roídas, já cá não estejam para (me) contar.
É como se uma parte da minha vida, da minha infância se estivesse gradualmente a distanciar de mim, empurrando-me para o presente e para o futuro, para as responsabilidades e compromissos da maturidade, para a ordem e a certeza, para as obrigações, para o mundo de regras, horários – o mundo dos adultos.
Os avós desempenham a tarefa de nos fazer sentir crianças outra vez, através de histórias e lembranças, dão significado às cartas escritas e guardadas, aos vídeos e cassetes, aos bonecos partidos, aos postais enviados, aos prémios guardados como se tesouros fossem, ensinaram-nos a ver filmes a prego e branco, a reconhecer musicas épicas, a ver os nossos pais por outro prisma. Ajudam-nos a recuar aos tempos da inocência, da brincadeira e da felicidade absoluta em ser se pequenino, na facilidade da vida, sem problemas nem receios.
Trazem consigo um cheirinho daqueles dias do sol quente e da praia infinita, das férias prolongadas e dos lanches deliciosos, da magia dos natais à lareira e dos presentes por desembrulhar, das noites que ficávamos lá com leitinho e chocolate para aconchegar melhor. Trazem consigo o perfume das árvores plantadas no jardim, e das flores por apanhar, a melodia da música do rádio no carro, e o aroma dos cozinhados especiais para cada um, das aventuras por detrás de cada fotografia antiga. Trazem consigo uma enorme vontade de viver o que vivíamos e saber o que sentíamos, de fazer parte da nossa vida.
Mesmo já sendo adultos, com filhos e famílias, os avós conseguem-nos fazer sentir o nosso passado, reviver momentos, relembrar com saudades. Mesmo sendo mulher, adulta, mãe e esposa, era sempre neta, pequenina, com mimos e beijos.
Marta Andrade Maia
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