A pandemia com o SARS-CoV-2 trouxe vários tipos de alterações, algumas delas ainda estamos a descobrir, ou estão por desvendar.
Uma delas, para a qual já são evidentes os efeitos, e para os quais já há alguns estudos, é o impacto que a pandemia teve e está a ter na comunicação.
Esse impacto é mais relevante nas crianças, por várias razões, ainda que sejam obviamente necessárias:
- a comunicação deixou com frequência de ser presencial mas online, e nem sempre a qualidade visual ou sonora é boa o que compromete o descodificar das mensagens;
- o atenuar dos sons de fala, as máscaras produzem o efeito de atenuar pelo menos 3 a 12 decibéis o que é essencial para pessoas com alterações da audição não compreendam o que outro disse;
- o não visualizar dos gestos articulatórios, as máscaras impossibilitam o acesso a estes, os quais são relevantes para quem está a iniciar o processo de aquisição da linguagem – as crianças;
- o não visualizar das expressões faciais, o “torcer o nariz”, “o esgar de um sorriso”, entre muitas outras e o seu significado no processo comunicativo é perdido:
- o cumprimentar foi alterado, deixou de haver beijinhos e abraços, e até mesmo passou-bens e passou a ser um cumprimentar ao de longe, com distanciamento social;
- a sociabilização nos intervalos, nos recreios deixou de existir ou passou a ser muito diferente, o brincar com os pares da mesma idade e o conversar SÓ entre crianças deixou de existir.
Há quem acredite que falar implica apenas o funcionamento motor, e sim esse também é importante, mas mais importante é a linguagem e a criatividade linguística – a competência de criarmos discurso que nunca ouvimos antes, e sermos capaz de o descodificar. A capacidade de brincarmos com as palavras de modo a que surja humor, sarcasmo, ironia, afabilidade….
Para que isso suceda há necessidade de exposição a uma língua e uso da mesma com pessoas. É aqui, nos intervalos, nos recreios, no brincar que se desenvolvem as competências sociais. Pegar e dar a vez durante uma conversa, alcançar para além do significado literal da língua portuguesa – compreender que “bonito serviço!” é exatamente o oposto é facilitador quando acontece em contexto.
Mas, uma vez que continuamos em pandemia, para além de termos consciência do que mudou, e de identificarmos o seu impacto temos que fazer por mitigar as implicações que as mudanças no interagir estão a ter no desenvolvimento da linguagem das crianças, e não só.
“Uma língua não é apenas palavras. É uma cultura, uma tradição, o unificar de uma comunidade, toda uma história que cria o que uma comunidade é. Tudo isso está contido numa língua.” Noam Chomsky
Texto: Jaqueline Carmona, Terapeuta da Fala, Linguista
Comentários