Quando me pedem aconselhamento sobre a melhor altura para fazer o desfralde, a minha resposta é o invariável: “não o façam”. Emito esta opinião baseando-me largamente na evidência científica sobre o assunto e muito menos na minha experiência pessoal enquanto mãe. No entanto, é com agrado que digo que, neste tema específico, o que a ciência diz e o que os meus filhos sabem fazeré bastante coincidente.
Assim sendo, porque é que desaconselho vivamente treinos de fralda?
Pela simples razão que são desnecessários! O controlo dos esfíncteres é algo que é inato ao ser humano, tal como segurar a cabeça ou conseguir sentar-se sem apoio. Vai acontecer quando se verificar uma maturidade orgânica/ física, cognitiva e emocional. Ponto.
Por maturidade física, falamos obviamente de uma capacidade maior da bexiga e pela perceção primeiramente inconsciente e finalmente consciente da função esfincteriana. E reparem, para um esfíncter relaxar, há de facto uma componente reflexa muito importante, mas há sobretudo a capacidade de interpretar os sinais que precedem quer o esvaziamento da bexiga, quer da ampola rectal.
Tem que por isso haver a sensação de armazenamento (a sensação de preenchimento da bexiga e da ampola retal), a urgência (o estar aflito ou na eminência de relaxar o esfíncter) e o domínio da ordem motora que permita o relaxamento do esfíncter.
No entanto, estes factores de ordem orgânica vão ser amplamente influenciados pelos fatores cognitivos e emocionais.
Por fatores cognitivos temos a perceção do comportamento em si (urinar ou defecar), a convenção social da ida à casa de banho, o pedido para ir à casa de banho, o uso do bacio ou do redutor, o despir e vestir da roupa. Não esquecer que todo este processo tem lugar em torno dos 2 anos de idade, altura típica de confronto de vontades e guerra pelo direito à autonomia. Se a criança decidir fazer do treino do bacio uma guerra, então, é claro, que vamos ter um problema. Mas reparem, o problema não foi primeiramente da criança, foi de quem instituiu o treino.
Pela mesma ordem de ideias, emocionalmente, as crianças têm de se despedir da ideia de fazer as suas eliminações na fralda e ter quem cuide delas ou, por muito estranho que nos pareça a nós, adultos, conseguirem despedir-se de algo que vêm como sendo delas.
É justamente no equilíbrio destas três ordens de fatores que se dá o desfralde, nem um dia antes da criança estar efetivamente preparada, por muito empenho dos pais e cuidadores ou por muito intensivo que seja o treino.
Porque há um reverso do treino que não pode ser negligenciado: a verdade é que treinos precoces podem ter como consequência comportamentos anómalos de retenção. Retenção urinária e posteriormente incontinência urinária, bem como retenção fecal e a consequente obstipação.
E estas sim são as grandes complicações dos desfraldes intempestivamente precoces, às vezes antes dos 18 meses, só porque é verão ou porque a escola assim o diz.
Mais importante de tudo é não esquecer que os miúdos são efetivamente os grandes responsáveis pelo controlo dos esfíncteres e não os adultos que os “treinam”! Mudar a nossa visão e aceitar que o mérito é totalmente deles, ao invés de nosso, leva-nos a aceitar que toda e qualquer criança tem o seu tempo para adquirir uma nova capacidade. E que não, a culpa não é dos pais “não treinarem o suficiente” ou da criança “ser difícil de treinar”.
O que fazer, então?
O desfralde acontece mais rapida e eficazmente se as crianças desde sempre forem convidadas a participar nos cuidados de higiene. Ainda enquanto bebés! A forma como explicamos aos nossos filhos o que vamos fazer e como o vamos fazer é vital. É muito importante não veicular mensagens duras sobre partes do corpo ou mesmo sobre as eliminações. Dizer que “estás sujo” ou “cheiras mal” é diferente de dizer “tens a fralda a precisar de ser trocada”. Este nível de respeito é muito importante para que as crianças não sintam vergonha de si próprias enquanto não conseguem controlar os esfíncteres.
Nunca forçar uma criança a usar um bacio ou uma sanita. Neste capítulo é mesmo muito importante não tornar o uso do WC o terreno preferencial para as lutas de poder típicas destas idades.
Se a criança demonstra sinais de que quer usar o bacio, experimente perguntar se ela quererá fazê-lo e aceite o não como resposta. Pense pela positiva: se o seu filho já consegue dar sinais de que tem perceção/cognição da função dos seus esfíncteres, estamos no caminho certo!
Ofereça sempre a escolha de usar fraldas ou roupa interior, aceitando se a criança preferir manter o uso de fralda.
E por fim, confie. Confie que a sua criança irá ser capaz de aprender por si, a seu tempo, sem pressas, quando e como ela quiser.
Um artigo da médica pediatra Joana Martins.
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