As doenças da tiróide são relativamente frequentes na população em geral e, em particular, nas mulheres em idade fértil. A gravidez pode alterar a evolução natural das doenças da tiróide e as doenças da tiróide podem afetar a evolução normal da gravidez, a mulher grávida e o feto.
Nas primeiras 12 semanas de gestação, o desenvolvimento fetal depende essencialmente das hormonas tiroideias produzidas pela mãe. Durante a gravidez, a mãe tem de produzir estas hormonas em quantidade suficiente para si e para o feto, cuja tiróide só começa a funcionar a partir das 20 semanas de gestação.
O hipotiroidismo caracteriza-se por uma diminuição da produção das hormonas da tiróide, podendo estar presente previamente à gravidez ou desenvolver-se no decorrer desta. Se não identificada e tratada, põe em causa a saúde materna e fetal.
A principal causa de hipotiroidismo na idade reprodutiva corresponde à tiroidite crónica auto-imune (ou linfocítica ou de Hashimoto), na qual anticorpos se desenvolvem contra o próprio tecido tiroideu e conduzem à sua destruição progressiva, limitando a produção das hormonas tiroideias. A mulher pode não ter hipotiroidismo antes da gestação, mas apresentá-lo durante a gravidez, pois a glândula pode não conseguir dar a resposta necessária ao aumento de produção hormonal que a gravidez exige.
O tratamento prévio do hipertiroidismo com iodo ou a cirurgia ablativa da tiróide podem também justificar esta situação clínica.
Os sinais e sintomas do hipotiroidismo são inespecíficos e facilmente confundíveis com queixas frequentes na gravidez: aumento de peso, falta de forças, cansaço e obstipação, o que, se atrasar o diagnóstico e o tratamento, pode condicionar potenciais complicações obstétricas, fetais e neonatais. Pode haver ainda um aumento do volume da glândula tiroideia, conhecido por bócio.
O hipotiroidismo não tratado durante a gravidez aumenta o risco de complicações obstétricas incluindo a hipertensão arterial e a placenta abrupta (deslocamento prematuro de placenta normal/inserida). A hipertensão arterial pode aumentar a incidência de recém-nascidos com baixo peso ao nascer e de parto prematuro. Em situações extremas, pode ocorrer morte fetal intra-uterina. Há descrição de maior incidência de malformações fetais, que embora raras podem acontecer, nomeadamente fissura anal, comunicação intra-auricular cardíaca, palato pequeno, polidactilia (dedos das mãos ou dos pés a mais) e atrésia biliar (falta de formação de canais biliares).
O défice de hormonas tiroideias in útero pode ter repercussões importantes no desenvolvimento neurológico fetal, com manifestações tardias. As repercussões a longo prazo para a criança incluem atraso cognitivo, dificuldades de aprendizagem e na fala.
O diagnóstico é simples e feito com o doseamento das hormonas tiroideias no sangue, seguindo-se, se necessário, a realização de uma ecografia que dada ser isenta de radiação, não tem qualquer malefício para o feto.
A elevação de TSH (hormona estimuladora da tiróide) sérico confirma o diagnóstico de hipotiroidismo primário.
O tratamento de escolha corresponde à levotiroxina, a hormona da tiroide T4, um fármaco que deve ser tomado em jejum, pelo menos 30 minutos antes do pequeno-almoço, de forma a que os alimentos não interfiram com a sua absorção.
Apesar de não existir, até ao momento, consenso para o rastreio universal da disfunção tiroideia na mulher grávida ou em mulheres em idade fértil, recomenda-se a sua realização, especialmente em mulheres de maior risco para desenvolver hipotiroidismo como por exemplo, mulheres com antecedentes de disfunção tiroideia, de irradiação cervical, com anticorpos tiroideus positivos, diabéticas tipo 1 ou com outra doença auto-imune.
As mulheres diagnosticadas com hipotiroidismo previamente à gestação, devem ser aconselhadas a optimizar o controlo da sua doença antes de qualquer tentativa de gravidez.
Durante a gravidez, o ajuste da dose de levotiroxina deverá ser o mais rápido e rigoroso possível obrigando a uma vigilância apertada da função tiroideia.
Um artigo da médica Sara Correia, especialista em Endocrinologia.
No âmbito da 12ª Semana Internacional de Conscientização da Tiroide, que se assinala entre 25 e 31 de maio de 2020 e do Dia Mundial da Tiroide (25 de maio) a Thyroid Federation International (TFI), que em Portugal é liderada pela Associação das Doenças da Tiroide (ADTI), escolheu como tema deste ano os distúrbios da tiroide na mãe e no bebé.
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