A gravidez é um período de adaptações físicas e emocionais e, por isso, vivida intensamente pelos casais sendo que, quase todos, passam por mudanças no seu relacionamento sexual durante os nove meses de gestação. Vítor Cotovio, psiquiatra, sublinha que "é importante haver comunicação entre o casal" e que "nunca se deve confundir a parentalidade com a conjugalidade", realça ainda este especialista.

De acordo com o psiquiatra, há aspetos que devem ser trabalhados, nomeadamente o que relaciona o papel de mãe com o papel de amante. "Existem homens que projectam na mulher grávida uma pessoa igual à mãe deles e, por isso, então, não se faz sexo. Isto mobiliza determinados aspectos psicológicos", refere ainda. As alterações que se registam no corpo da gestante também podem passar a ser problema.

"A mulher, por um lado, sente-se menos feminina, ganhou peso, perdeu as formas e o homem, por outro lado, acha que aquela passou a ser a mãe dos seus filhos. Tudo isto exige que se faça um trabalho de flexibilidade para nunca desintegrar aquilo que é a mulher esposa, daquilo que é a mulher mãe", afirma Vítor Cotovio. Deste modo, por se tratar de um período de medos e inseguranças, é importante desvendar alguns mitos.

Muitos relativamente à sexualidade que vão passando de geração em geração, gerando confusões que se vão, erradamente, perpetuando no tempo. Pergunta a pergunta, elucidamos cada um dos seus receios.

1. É normal sentir menos desejo sexual?

A gestação é um período repleto de desafios. O enjoo, a fadiga, as responsabilidades, as mudanças de vida e os custos financeiros e emocionais de criar um bebé podem inibir a atividade sexual. Maria do Céu Santo, ginecologista, afirma que a diminuição do desejo sexual, uma queixa de muitos casais nesta fase, "depende muito da mulher, da fase da gravidez e da relação do próprio casal".

A ginecologista explica que, "na primeira metade do primeiro trimestre de gravidez, a mulher sente-se nauseada, com sensação de desmaio e má disposição e tudo isso diminui a libido. Geralmente, no segundo trimestre a mulher já se adaptou ao corpo e a sexualidade acontece de uma forma natural. No terceiro trimestre, normalmente, a mulher tem a libido aumentada", realça ainda Maria do Céu Santo.

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"Muitas vezes, são os maridos que têm dificuldade devido ao volume da barriga da parceira", constata a especialista, habituada a lidar com o problema. Deste modo, é importante que "o parceiro respeite os ritmos e as adaptações da grávida", afirma Vítor Cotovio, acrescentando que "o importante é a grávida não sentir o egoísmo do parceiro e assim ficar mais disponível para se entregar".

Contudo, não é apenas a mulher que sente mudanças a nível sexual. Também o homem poderá notar uma quebra no desejo. Muitos especialistas dizem que é frequente os homens sentirem menos libido, quando se preparam para a paternidade. Isto explica-se em parte porque o corpo da mulher se transforma, mas também porque o homem pode ficar apreensivo sobre as novas responsabilidades ou até o receio de magoar o feto durante as relações sexuais.

2. As relações sexuais podem magoar o bebé?

As relações sexuais não provocam aborto nem magoam o feto, pois o bebé encontra-se protegido pelo útero e pelo líquido amniótico da placenta. Na verdade, o sexo é benéfico não só para o casal, mas igualmente para o feto, proporcionando assim "momentos de relaxe, ajudando a preparar a musculatura pélvica da mãe para o parto", revela o livro "O que se espera quando se está à espera", publicado pela editora Gradiva.

Maria do Céu Santo conta que, "muitas vezes, os pais acham que os bebés sentem a penetração e eu questiono-os, perguntando-os se se lembram de alguma coisa quando os seus pais faziam amor", revela a ginecologista. Muitos ficam surpreendidos com a resposta. Contudo, muitos médicos dizem que, embora não seja possível magoar o bebé, a penetração profunda deve ser evitada na última fase da gravidez.

A ginecologista sublinha ainda que "não há nenhuma razão para alterar a vida sexual durante a gravidez desde que não haja contraindicações". De acordo com o site Webmd.com, deve abster-se da atividade sexual sempre que surgirem fatores de risco como possíveis histórias de abortos anteriores, o risco de parto prematuro (contrações antes das 37 semanas de gestação), sangramento vaginal, corrimento ou cólicas.

A lista de fatores de risco inclui ainda o rompimento da bolsa de água e/ou a perda de líquido amniótico, situações de placenta prévia em que esta se implanta no colo do útero, dores durante as relações sexuais e possíveis casos de infeção, também habituais durante a gestação. No caso de se tratar de uma gravidez de gémeos, "os cuidados devem ser redobrados", acrescenta a ginecologista.

Sabe-se inclusivamente que as relações sexuais, no fim da gravidez, estimulam as células do colo do útero a segregarem determinadas hormonas que ajudam a desencadear o trabalho de parto. Alguns médicos acreditam que o próprio esperma contém "prostaglandinas que incentivam o útero a contrair-se", revela o site Webmd.com, enaltecendo os benefícios da atividade sexual nesta fase.

3. O sexo oral na gravidez é perigoso?

Esta é outra das dúvidas mais comuns. Para poupar a região genital da mulher, muitos homens sugerem esta prática. De acordo com o site Webmd.com, esta prática é segura, desde que o parceiro tenha o cuidado de "não soprar na vagina", caso contrário existe a possibilidade de "impelir o ar para dentro da corrente sanguínea e causar embolia", o que pode revelar-se letal para a mãe e para o bebé.

4. O pénis pode transmitir uma infeção?

Desde que o homem não seja portador de uma doença sexualmente transmissível, não existe o risco de a introdução do pénis na vagina poder causar alguma infeção que afecte a mãe ou o bebé. Este, que se encontra protegido no interior do saco amniótico, "não pode ser penetrado, quer por sémen quer por microorganismos infecciosos", explica "O que se espera quando se está à espera", livro publicado pela editora Gradiva.

No entanto, como a bolsa de águas pode romper-se a qualquer momento, alguns obstetras recomendam o uso do preservativo nos últimos dois meses de gestação. Maria do Céu Santo relembra que no período logo após o parto, "durante três a quatro semanas", não deve haver penetração porque "o colo do útero fica aberto, pode favorecer as infeções, assim como os banhos de imersão pela mesma razão".

5. O orgasmo pode provocar um aborto?

Durante o orgasmo, é normal que o útero se contraia, o que, no caso de uma gravidez normal, de acordo com a ginecologista Maria do Céu Santo, "não representa perigo, desde que não haja contraindicações". A contração do útero, as reações do feto (pontapés e contorções) e o aumento do ritmo cardíaco após o orgasmo tratam-se apenas de "um reflexo da atividade hormonal e uterina", explica o livro "O que se espera quando se está à espera".

As cólicas que também poderão surgir podem ser atenuadas com uma massagem suave na parte de baixo das costas, um gesto que muitos casais desconhecem e que se pode vir a revelar muito útil nesta fase. No entanto, "o orgasmo, particularmente o de tipo mais intenso, desencadeado pela masturbação, poderá ser proibido em gestações de alto risco", pode ainda ler-se nesta obra.

6. Terei maiores dificuldades em atingir o orgasmo?

Esta é uma fase em que o casal pode fazer amor apenas pelo prazer, "livre de calendários, tabelas e ansiedade", como sublinham os autores do livro "O que se espera quando se está à espera", que afirmam que "as mulheres que nunca se interessaram muito pela actividade sexual e que nunca tinham atingido um orgasmo, passam a apresentar tal comportamento à primeira gestação".

No entanto, nem todas reagem da mesma forma. Outras, acostumadas ao orgasmo fácil e com maior apetite sexual, "veem-se repentinamente carentes de qualquer desejo e sentem dificuldades para se excitarem". Por outro lado, o sexo pode tornar-se menos gratificante, especialmente no final da gravidez, se persistir uma sensação incómoda, "de plenitude não atingida", após o orgasmo.

No caso dos homens, as consequências também podem ser imprevisíveis. O aumento do volume do órgão genital feminino pode aumentar o prazer ou diminuí-lo. Para facilitar o processo de penetração e de cópula nesta fase, Maria do Céu Santo aconselha a grávida a usar um "lubrificante normal, sem cor, cheiros ou sabores porque podem causar alergias ou, então, saliva".

7. Quando já não pudermos ter relações sexuais, por alguma razão, quais as alternativas?

Esta é outra das dúvidas de muitos casais. "A sexualidade não se pode resumir à genitalidade ou penetração", afirma Vítor Cotovio, salientando ser a gravidez uma boa altura para os casais explorarem práticas que nunca tiveram, "como a masturbação e o sexo oral que se exploradas podem abrir o leque da sexualidade do casal". Deverá então, procurar rotas alternativas para a intimidade.

"Não existem posições proibidas desde que a mulher se sinta confortável", garante Maria do Céu Santo. Quando a barriga cresce e atinge um grande volume, "a posição clássica muitas vezes torna-se incómoda, porque faz pressão, mas a pessoa tem que puxar pela imaginação porque a sexualidade é fantasia e criatividade", acrescenta. Quando o médico proíbe o orgasmo, a mulher sai beneficiada.

Vitor Cotovio diz que "a mulher tem a vantagem e a possibilidade de conseguir obter prazer e satisfação sexual mesmo sem chegar ao orgasmo". O psiquiatra acrescenta ainda que "existem várias práticas altamente excitantes sem penetração para que haja satisfação sexual, como o pénis entre as coxas ou entre os seios". Maria do Céu Santo também costuma ser confrontada com este tipo de situações.

A ginecologista revela que, "muitas vezes, aconselho os meus pacientes a fazerem massagens com creme, principalmente nos membros inferiores até à nádega e cerca de 90 % dos casais acaba por fazer amor". Vítor Cotovio considera que a massagem "pode ter uma componente de relaxamento mas também de erotização, pois o foco passa por encontrar a melhor forma de obter prazer através do contacto".

8. Como é que eu sei quais são as posições que oferecem maior conforto e prazer?

Os especialistas são unânimes. É importante é descobrir as posições que oferecem maior conforto e prazer. Geralmente, a postura em que o homem fica por trás é uma boa opção, assim como aquela em que a mulher se coloca por cima é particularmente indicada na fase final da gestação. Não só é confortável como a mulher consegue controlar o ritmo mais facilmente.

No caso das mulheres, estas podem também experimentar ficar deitadas na cama, em paralelo com a zona da cabeceira, com os pé assentes no chão, enquanto o seu companheiro fica de pé ou de joelhos. Consegue visualizar? Para muitos especialistas, nacionais e internacionais, esta é uma das posições que os casais que procuram o prazer garantindo o conforto para a mulher devem adotar.

Texto: Claúdia Vale da Silva e Luis Batista Gonçalves (edição digital) com Maria do Céu Santo (ginecologista) e Vítor Cotovio (psiquiatra)