É precisamente por isso que é tão difícil escrever este texto! Há tantas razões para que as crianças tenham maus resultados escolares. Querem ver? Vamos lá!
Os problemas começam em casa
Esta é provavelmente a situação à qual os pais são mais sensíveis: Situações de carência económica, o abandono, ou perdas inesperadas como a morte de um pai ou familiar próximo podem ser motivos mais do que suficientes para que um aluno regular começar a ter resultados inferiores. Que é compreensível? Claro que sim! É óbvio que uma criança que não comeu pequeno almoço e que não sabe se terá comida para jantar não vai ter um grande desempenho escolar. A sua atenção estará voltada para assuntos muito mais reais e importantes. O que podemos fazer nestes casos? Sinceramente nada como apoiar a criança ou adolescente e validar individualmente cada situação.
O facto de algumas escolas no Reino Unido providenciarem refeições familiares durante o fim-de-semana atesta bem a prevalência da pobreza num dos países mais ricos do mundo. Por outro lado, em caso de perda ou abandono, a criança terá que ser incentivada a viver o seu luto e, a seu tempo, recuperar os resultados escolares.
Logicamente que não há teste de português que possa ser tão ou mais importante do que perder a mãe. Por isso, estas situações terão que ser contempladas em reunião multidisciplinar, porque penalizar estes alunos é, no mínimo, cruel.
Alguns, continuam na escola
O problema de aceitação entre os pares é um problema real. Se a criança ou adolescente se sente sozinho, deslocado, é permanentemente ameaçado e gozado, logicamente que não vai ter concentração suficiente para apreender conceitos e tirar bons resultados. O bullying não é uma coisa de somenos ou de fracos de espírito que não conseguem enfrentar o agressor, visto que estão profundamente isolados e como tal numa posição de grande fragilidade.
Nos últimos anos, com a difusão das redes sociais, assistimos ao crescimento dos casos de cyberbulling: uma espécie particularmente cobarde de bullying, frequentemente anónima e gratuita. É muito mais fácil insultar alguém da segurança do nosso sofá da sala do que fazê-lo cara a cara com essa pessoa. Com o problema de uma palavra atirada ao vento, rapidamente desaparece, agora um comentário nas redes sociais pode perdurar! Este assunto é tão importante que o Ministério da Administração interna da Nova Zelândia criou um site exclusivamente dedicado a problemas como o cyberbullying, que naturalmente se refletem na escola, com recurso a vídeos humorísticos e extraordinários.
Outro assunto que preocupa sobretudo os pais dos adolescentes é a realidade da violência no namoro. Frequentemente ouvimos a mesma história da menina com bons resultados escolares que baixa as notas porque arranjou um namorado. Se os namorados estão bem, se a paixão é real e estão felizes, claro que estamos a falar de uma experiência única para os cérebros adolescentes. Mas sobretudo não é suposto ser conflituoso, turbulento, agitado e infeliz ao ponto de comprometer resultados escolares.
Por vezes, o problema não é realmente culpa de ninguém
Aqui temos aqueles que são provavelmente os problemas mais difíceis de compreender e contornar, frequentemente com necessidade de recurso a métodos de avaliação demorados e com necessidade de apoio multidisciplinar, contemplando pediatras do desenvolvimento, neuropediatras, pedopsiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala e fisioterapeutas.
Os distúrbios de aprendizagem podem classificar-se em patologias específicas, que afetam uma área determinada da aprendizagem, como a dificuldade na leitura (dislexia), na escrita (disgrafia), dificuldades do processamento auditivo ou no cálculo matemático (discalculia). São distúrbios que requerem uma avaliação cuidada e planos de intervenção muito específicos, mas com resultados muito promissores.
Depois existem perturbações com envolvimento mais generalizado, como a perturbação de hiperatividade e défice de atenção, cujo o diagnóstico pode ser difícil e frequentemente enfrenta uma certa incredulidade e preconceito da sociedade. De facto, quando cumpre os critérios de diagnóstico e com maus resultados escolares, há um enorme benefício em fornecer terapêutica a estes miúdos.
Adicionalmente, os muito falados e pouco compreendidos distúrbios do espectro do autismo, desde as apresentações mais funcionais como o Síndrome de Asperger (alguns com cognição normal ou acima da média), até às apresentações mais graves, frequentemente associadas a défice cognitivo significativo (em claro contraste com a representação romântica, cinematográfica que se faz desta patologia). Aqui a psicologia, a terapia ocupacional e a fisioterapia trazem benefícios claros. Frequentemente, os casos menos graves têm um diagnóstico suficientemente tardio para ser feito na idade adulta. Há algumas teorias que apontam que as perturbações do espectro do autismo sinalizam uma forma diferente de comunicação neuronal. Creio que muito será descoberto sobre autismo nos próximos anos.
Por fim, défices cognitivos graves e generalizados, cujo estabelecimento de diagnóstico exige a realização de testes de inteligência ou a limitação óbvia no desempenho em pelo menos duas áreas absolutamente necessárias à vida independente, como a comunicação ou o auto-cuidado.
Outras vezes, falamos de perfecionismo
Sim, parece ser um contra-senso, mas personalidades perfecionistas têm claramente o risco aumentado para ter maus resultados nos momentos de avaliação, precisamente por uma enorme ansiedade de desempenho: são as mentes em branco na hora do teste, são os testes escritos minuciosamente, mas que, por perderem tempo em detalhes desnecessários, não respondem nem a metade das perguntas.
Não é uma questão de falta de preparação ou dificuldades cognitivas. Estamos a falar de um tipo muito específico de maus resultados escolares que tem muito a beneficiar do recurso a psicoterapia e a estratégias de mindfullness.
Quando a falta de atenção é de facto falta de estímulo
É um problema clássico em turmas muito assimétricas, em que elementos que seriam até bons elementos, perdem completamente o estímulo porque não são aliciados com conteúdos interessantes.
O facto de se repetir incessantemente os mesmos conteúdos para o grupo com piores resultados na turma, apesar de totalmente lógico, tem este efeito paradoxal. Por isso é que faz tanta diferença o tipo de turma onde se insere uma criança.
Infelizmente, haverão sempre elementos disruptivos que prejudicam a aprendizagem dos outros e há sempre alunos com excelentes capacidades que desperdiçam talentos porque estão distraídos. Podia aqui salientar o papel dos professores na deteção e resolução destas situações, mas a verdade é que turmas sobredimensionadas, com alunos desmotivados, fazem desmotivar a maioria dos professores.
Por fim, que há quem não saiba/queira estudar, há!
Sim. Todos nós conhecemos aqueles elementos da turma que, apesar de uma inteligência aparentemente fulgurante, entregam de forma consistente, resultados medíocres. Esta é sinceramente a face mais temível do mau desempenho escolar: a criança ou adolescente que, por deliberação própria, por falta de atenção sem cair na patologia, por maus hábitos de estudo (estuda em cima do acontecimento) ou por maus hábitos organizacionais (esquecem-se do material, dos trabalhos de casa, de tudo) têm resultados muito abaixo do que seria expectável. E aqui sim, faz sentido falar de estudo acompanhado pelos pais, explicadores, centros de estudo e rigor. Muito rigor.
Um artigo da médica pediatra Joana Martins.
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