Não sabemos se nos vamos poder reunir com os nossos. Não sabemos se, mesmo que o possamos fazer, não estaremos a colocar em risco familiares e amigos de saúde mais frágil. Todas estas incertezas, para as quais nenhum profissional de saúde ou virologista tem resposta, contribuem para um clima de tensão nas famílias.
E as crianças sentem esta incerteza. Elas sabem que existe um vírus a circular que nos manteve fechados em casa durante largos períodos de tempo. Sabem que, de quando em vez, lá vem uma turma, um grupo ou um setor da escola para casa em quarentena. E de repente, eles próprios expressam uma certa ansiedade por estarem com os avós e bisavós, pessoas que nós lhes ensinámos a proteger!
Natal pode não ser uma altura feliz para todos
Todos os anos, a entidades promotoras de saúde mental emitem comunicados, artigos e opiniões que dizem respeito ao impacto das datas festivas na saúde mental: se para muitos, esta altura do ano significa alegria e renovação, há infelizmente um grupo considerável de famílias e indivíduos que sofrem consideravelmente nestas datas. A situações de pobreza ou carência, morte de familiares, separações e novas famílias, são fatores que em muito tingem a suposta alegria da época.
Conjugando estes fatores, bem que podemos esperar uma época profundamente difícil para muitos de nós. E apesar de todo o glamour dos brinquedos, também não deixa de ser difícil, claro está, para as crianças.
Assim, tendo em conta que todos precisamos de um reforço de resiliência para enfrentar as mudanças e exigências diárias que a pandemia nos impõe, nada como desenvolver estratégias que comprovadamente contribuem para o seu desenvolvimento.
Uma das abordagens mais consensuais é explorar o efeito da gratidão: está provado que o hábito diário de reconhecer os aspetos dos quais estamos gratos (grandes ou pequenos), funciona como um catalisador de bem-estar, reforça a auto-estima, contribui para comportamentos sociais positivos e melhora a qualidade do sono.
Mas como praticar a gratidão com as crianças, sobretudo naquelas idades em que a empatia não é o seu forte?
Não, não estou a falar de dizer “se faz favor” ou “obrigado”, estou a falar de mecanismos pequenos de nomeação e comunicação de gratidão.
Ora vejamos:
- Quando vêm da escola: perguntar-lhes um aspeto positivo do seu dia, algo que tenham gostado que acontecesse, uma gargalhada, uma brincadeira especial, uma resposta certa na aula. São coisas tão pequenas, mas que, devidamente valorizadas, podem ser elementos de gratidão.
- À hora de jantar: tenham o hábito familiar de agradecer sempre a quem preparou a refeição. As refeições não se preparam sozinhas e a mesa não se põe nem se levanta sozinha. Um pequeno reconhecimento à hora em que estão todos em torno da mesa acaba por ser uma forma simples e eficaz de agradecer algo que alguém fez por nós. Um esforço provavelmente diário que é frequentemente esquecido.
- Falar das pessoas cujo papel na vossa vida seja motivo de gratidão. Os nossos filhos captam perfeitamente a forma como falamos dos outros. Se nos habituarmos a sermos detratores e críticos ferozes, logicamente que assim serão os nossos filhos. Mas o mais engraçado é que, quando elogiamos alguém (ou quando elogiamos os nossos filhos) pelas suas ações e boas intenções, estamos francamente a dar o exemplo de como construir relações sociais saudáveis e significativas.
- Encontre forma de ajudar: há tantas maneiras de ajudarmos quem nos rodeia! Não necessariamente por fazermos voluntariado ou doarmos o dinheiro que nem sempre temos. Mas ensine os seus filhos a dar: incentive-os a escolher os brinquedos que já não gostam, nem usam, e entregue-os na escola, nas associações que recolhem e dão segunda vida aos brinquedos. Se estiver a triar a roupa lá de casa que já não serve a ninguém, mas que está em bom estado, deixe-os participar, para perceberem que o que não tem vida para uns, pode ser precioso para outros.
- Distribua as tarefas: isto pode parecer anedótico, mas numa reunião de concílio familiar, descrimine todas as tarefas que têm que ser feitas diariamente, desde ajudar a vestir, preparar as refeições, pôr a mesa, levar o lixo à rua, levar os filhos à escola, dar banhos, pendurar toalhas do banho, bem como as tarefas mais importantes como pagar a renda de casa, a eletricidade, a água, a internet... Nesse concílio, distribua as tarefas e diga, “pronto, eu fico com a renda de casa, o pai leva-vos à escola” e aí vai ver que, depois de perceberem que há quem faça quase tudo por eles, não se vão negar a por a mesa ou a estender as toalhas depois do banho.
- Por fim, seja o exemplo de gratidão: escreva motivos para se sentir grata todos os dias e coloque num frasco de vidro. Faça esse exercício com os seus filhos. Na noite de Natal, terão a oportunidade de revisitar todos estes motivos de gratidão, num exercício de paz e partilha em família.
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