Corria o ano de 2012 quando a psicóloga e investigadora Marilyn Wedge publicou um artigo bombástico na revista Psychology Today: este artigo chamava a atenção para o facto de, nos Estados Unidos, 9% das crianças em idade escolar terem o diagnóstico de Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) e estarem a cumprir terapêutica específica, ao contrário da França, onde apenas 0,5% das crianças cumpririam terapêutica farmacológica pelos mesmos motivos.
A principal consequência deste artigo foi, a meu ver, gerar uma desconfiança face ao diagnóstico e tratamento desta patologia: se nos estados unidos 9% das crianças estavam medicadas e em França apenas 0,5%, então não estaríamos a medicar crianças perfeitamente normais? O que é que faria com que as crianças francesas se portassem tão bem?
Quando me foi proposto escrever este artigo, mais uma vez, a questão subliminar: a Hiperatividade e Défice de Atenção existem mesmo, ou é só fruto de indisciplina, de famílias destruturadas, de falta de investimento dos filhos?
Confesso que, nos primeiros anos de formação, me inclinava para achar o mesmo. Mas foi Sol de pouca dura. Foi só até conhecer crianças e famílias que lidam com este problema. A maneira como os miúdos com hiperatividade e défice de atenção (frequentemente com uma forma prevalente sobre a outra) se comportam, sofrem, são inutilmente castigados, ficam aquém do seu potencial de aprendizagem e sobretudo o sofrimento que estas famílias comportam, levou-me a mudar radicalmente de opinião.
PHDA é um problema sim
A PHDA é um problema sim. Não é fruto da má educação ou da falta de investimento dos pais (frequentemente é o oposto disto), tem critérios de diagnóstico estabelecidos e, sobretudo, tem terapêutica médica direcionada e eficaz.
Como devem imaginar, de 2012 até à data, foi levada a cabo muita investigação para perceber esta profunda diferença entre a realidade americana e francesa. E o que os estudos permitiram concluir foi que, não, as crianças francesas não são menos hiperativas do que as crianças americanas. Na verdade, a incidência do problema é globalmente a mesma (estimada entre 3,5 e 5,6% - a mesma estimativa para a população portuguesa), no entanto a forma de lidar com o problema, essa sim, é radicalmente diferente.
A escola americana inclina-se para considerar a PHDA uma alteração biológica no equilíbrio de neurotransmissores, de tal forma que tende a recomendar a utilização mais precoce e mais generalizada de terapêutica farmacológica. Por outro lado, a escola francesa, que dispõe de manuais de diagnóstico próprios, tende a colocar a ênfase no meio que rodeia a criança, privilegiando uma abordagem mais holística, com psicoterapia, desenvolvimento de estratégias parentais, mudança da dieta e dos ritmos de vida e, apenas em 0,5% dos casos, a utilização de fármacos.
Em Portugal, estima-se uma incidência de 5 a 8% da população pediátrica em idade escolar, com uma maior incidência no sexo masculino. Não esquecer que os sintomas de PHDA (a hiperatividade, a desorganização, o défice de atenção, a impulsividade) prevalecem em 3% da população adulta (sendo que apenas 53% terá tido o diagnóstico ainda durante a infância).
Nesse sentido, é muito importante percebermos e aceitarmos que estamos de facto, face a uma patologia clínica, com critérios diagnósticos e terapêuticos e uma necessidade de intervenção que vai muito para além dos comprimidos.
E é sobretudo sobre esses aspetos não farmacológicos que, enquanto sociedade, precisamos de refletir. O modelo escolar atual, com horas e horas de exposição de matéria, os longos horários de trabalho das famílias, a falta de resposta publica da psicologia, psicomotricidade e pediatria do desenvolvimento, a falta de comparticipação nas terapias complementares, as nossas escolhas alimentares e o sedentarismo, são fatores de risco inegáveis para termos uma maior expressão da doença.
Cabe-nos, enquanto sociedade, deixar definitivamente de conotar esta patologia como “doença da moda” ou “doença das crianças mal educadas”, e fazer mais e melhor por estas crianças e as suas famílias.
Um artigo da médica pediatra Joana Martins.
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