As mães estão cansadas do malabarismo que têm que fazer para manter todos os pratos no ar. As mães estão cansadas dos pequenos-almoços, almoços, lanches e jantares, das máquinas de roupa que não se fazem sozinhas, nem se estendem, nem se engomam. As mães estão cansadas da carga mental que as torna responsáveis únicas de coisas totalmente invisíveis, como comprar prendas de aniversário para toda a família, baixar as bainhas das calças dos miúdos, lembrar-se do calendário vacinal de todos, repor o sal e abrilhantador da máquina de lavar loiça... As mães estão cansadas de reuniões a começar às 18:00, de zooms infindáveis sem ordem de trabalhos, de frases que começam com “antes de teres sido mãe” e terminam em “a tua disponibilidade já não é a mesma”.

As mães estão cansadas de tudo, menos de ser mães. O que as mães precisam é de mais tempo para serem mães sem culpa. Mais tempo para serem profissionais excelentes sem culpa. Mais tempo para serem as mulheres que nunca deixaram de ser.

A narrativa dos super-poderes das mães não ajuda. Retratar as mulheres-mães como super-heroínas é oferecer um quadradinho de chocolate a quem vos fornece leite, açúcar e cacau. Serve para desviar o foco do ponto fulcral desta discussão: que homens e mulheres não contribuem de forma simétrica para o cuidado dos filhos. Claro que existem condições biológicas de base que contribuem para esta assimetria (os homens não são efetivamente capazes de gerar e alimentar um ser humano), como tal, torna-se imperativo, como sociedade, caminhar na direção de uma maior justiça para todos.

As mulheres-mães não deveriam ter super-poderes, nem ser retratadas como tal. Deveriam poder admitir que não conseguem fazer tudo e que precisam de ajuda. A ajuda de uma rede de apoio, mas sobretudo de uma “ajuda” caracterizada por rendimentos dignos e igualitários, habitação segura, divisão equitativa de tarefas domésticas, escolaridade e saúde gratuitas para os filhos. As mulheres-mães deveriam poder respirar em paz, em vez de ter a opinião dos outros a imiscuir-se em temas tão individuais como a amamentação, o sono dos bebés, o desfralde e a integração ou sucesso escolar dos filhos. As mulheres-mães e mulheres futuras-mães deveriam poder viver sem serem questionadas sobre as suas decisões reprodutivas.

Mas esta narrativa dos super-poderes maternos serve sobretudo para manter as mulheres exatamente no local onde estão: agrilhoadas a ideais inconcretizáveis de perfeição e condenadas a um sentimento de culpa permanente. Culpam-se porque no trabalho já não conseguem ter o rendimento que tiveram, culpam-se porque o tamanho e forma dos seus corpos não estão de acordo com os cânones de beleza atuais (que para além de irreais, são sobretudo pré-puberes), culpam-se porque se esqueceram da prenda de aniversário da tia-avó, do fato de judo do miúdo, do teste de inglês da miúda, culpam-se porque não conseguem priorizar os parceiros (como se estes fossem uma espécie de criança também a seu cargo). Culpam-se por tudo e por nada. Sentem-se aquém, sentem-se menos. Sentem-se cansadas.

Lembro-me de no início da minha carreira médica, ter ouvido um professor catedrático, cirurgião, diretor de serviço, a dizer que as mulheres não tinham capacidade para a medicina. E porquê? Porque ficavam sistematicamente aquém. Estas foram em rigor as suas palavras. Porque a partir de certa altura, se quisessem constituir família, deixariam de ter a mesma disponibilidade. Mas se decidissem não ter filhos, seriam olhadas de lado, com desconfiança.

Em nenhum momento, na cabeça daquele macho iluminado, que se achava incrivelmente original e politicamente incorreto, aflorou a simples ideia que ficar aquém é justamente a narrativa que esta sociedade construiu para as mulheres. Tão incorreto, tão injusto, mas tão preciso. Apelidando-nos convenientemente de super-heroínas, à hora de almoço do primeiro domingo do mês de maio. Almoço fora. E flores. Porque dias em que se celebram as mulheres são dias de festa.

Um artigo da médica pediatra Joana Martins.