Carolina apresenta manifestas dificuldades na expressão escrita (Disortografia) que a condicionam em quase todos os momentos do seu dia, dentro e fora da escola.
Vejamos como é que esta Perturbação da Expressão Escrita se manifesta durante o seu dia:
7h00
Hora de acordar. Carolina até dispensava o despertador. Antes mesmo de o ouvir, já mantinha os olhos bem abertos para mais um dia de mochila às costas, tal era a ansiedade. Só que desta vez, diz à mãe que não quer ir à escola. É dia de teste de português. Carolina queixa-se de dor no estômago, só de imaginar que vai ser avaliada por algo que a atormenta: a escrita. Ainda se fosse a matemática...
8h10
Começa o teste e, enquanto os seus colegas já escreveram os primeiros parágrafos, Carolina ainda procura os óculos e a caneta. Falta-lhe vontade de demonstrar as suas (in)capacidades ao nível da expressão escrita. Sente-se, porém, um pouco mais aliviada quando repara que parte da prova é composta por escolha múltipla e por exercícios de preenchimento de espaços em branco. O pior é a composição. Quando toca para o final do teste, só uma linha conseguiu escrever. Por norma os textos de Carolina são muito reduzidos, desorganizados, sem pontuação e com erros ortográficos.
9h40
Aula de matemática. Era a sua disciplina favorita - só há números. Era. Deixou de ser a partir do momento em que o novo professor passou a obrigar os alunos a justificarem por escrito, numa única frase, o sentido da respetiva resposta. Carolina demonstra ter o raciocínio lógico-matemático correto, mas sente notórias dificuldades em pô-lo por escrito. E assim, lá se perdeu a paixão pelas contas.
10h00
Aula de Ciências. Dia de trabalho de grupo. Um stress para Carolina. Coube-lhe a ela, desta vez, ficar com a responsabilidade de anotar todas as informações pedidas pela professora em relação aos ensaios no laboratório. Ela esforça-se muito ao contrário do que os colegas pensam - eles não compreendem tanta lentidão na escrita. "Carolina, despacha-te, ainda só escreveste duas coisas! Mais rápido!".
Ela sente que está a dar o seu melhor, tentando escrever o mais rápido possível, mas não é, todavia, suficiente para acompanhar o ritmo habitual dos colegas. Disfarça as lágrimas, não quer dar a parte fraca. A autoestima de Carolina ressente-se.
12h00
Ultrapassado o período de recreio, segue-se a educação física. A turma jogou voleibol e Carolina destacou-se como a melhor jogadora. O mais difícil veio depois: nos últimos 15 minutos da aula, o professor pediu aos alunos para escreverem nos seus cadernos as regras da modalidade. Carolina sabe-as, mas sente que o desafio de as escrever em poucos minutos é grande de mais. Fica apreensiva.
14h30
Carolina e os colegam criaram um grupo de conversação no WhatsApp, no qual costumam trocar informações pessoais e sobre a escola. E quando Carolina se prepara para responder a um determinado assunto lançado há vários minutos, os colegas avançam logo com outro, tornando o comentário de Carolina inútil e desnecessário naquele momento na medida em que já se encontra ultrapassado. E assim, já decidiu... não voltar a tentar.
17h30
Regressa a casa e tem trabalhos para fazer. A professa de inglês pediu-lhe para elaborar um texto sobre as atividades de tempos livres favoritas. A aluna de sétimo ano socorre-se de uma aplicação que tem no telemóvel e que coloca por escrito, de forma automática, todas as informações que lhe são transmitidas por voz. Carolina pensa que assim será mais fácil, mas rapidamente percebe que faltam várias palavras no texto e muitas das coisas não fazem sentido. E assim, lá terá a Carolina a ter de escrever por si própria as falhas que detetou. Mesmo no silêncio do seu quarto e sem qualquer pressão dos pais e professores, sente-se em stress, incapaz de executar o exercício com a rapidez e eficácia que vê, por exemplo, na sua irmã gémea. Fica mal-humorada e cada vez duvida mais das suas capacidades, agravando ainda mais a sua já fraca autoestima.
19h00
Antes do jantar, o pai corrige o trabalho de casa das filhas. O da Joana está imaculado, ao contrário do da Carolina. "Tantos erros gramaticais e falta de pontuação, filha! Tens de prestar mais atenção! Eu sei que tu sabes falar muito bem inglês, sem erros. Tens capacidade para fazer muito melhor" - diz-lhe o pai sorrindo. De seguida pede-lhe para ditar o que ela pretende dizer, propondo-se a escrever no computador. Ela respira fundo. Sente-se mais tranquila e confiante com a ajuda do pai.
Dificuldades na Expressão Escrita
Para que não restem dúvidas: Carolina é inteligente e dispõe de todas as capacidades motoras comuns numa criança da sua idade. Sempre foi esforçada na escola, ao contrário do que os colegas e professores pensam. Apresenta, todavia, uma dificuldade na expressão escrita que a impede de escrever corretamente, afetando em particular a precisão ortográfica, a organização, estruturação e composição de textos escritos e a construção frásica.
Carolina escreve com muitos erros ortográficos e não usa sequer a pontuação adequada nos textos. Costuma inverter e trocar as letras, omitindo algumas e acrescentando outras. Por exemplo, em vez de "banco" escreve "baco"; em vez de "dormir", escreve "dormire"; e no lugar de "barco" põe "braco".
Estas dificuldades de origem neurobiológica condicionam e muito o seu desempenho escolar e, em simultâneo, o seu comportamento e bem-estar em casa e na escola e podem ser ultrapassadas com o apoio de um especialista. Através de técnicas de intervenção que privilegiam a estimulação multissensorial, ao nível da reeducação e treino das competências fonológicas e visuo-espaciais, Carolina e outras crianças com as mesmas dificuldades (Disortografia) podem conseguir contornar as suas limitações, superar os próprios medos e melhorar a sua qualidade de vida.
Artigo publicado por SEI - CENTRO DE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM
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