Ninguém poderia prever o que rapidamente se transformou numa bola de neve: esta variante do vírus, mais infecciosa do que o vírus original, chegou a ser responsável por 49% a 70% das infecções sentidas em janeiro de 2021.
Mas porque é que acontecem variantes?
Simples. Alguns vírus dispõem da capacidade de introduzir pequenas mutações no seu material genético e com isso evoluir. É o caso do vírus da gripe convencional, que todos os anos nos brinda com uma variante nova, mas que aproximadamente de 60 em 60 anos, sofre uma modificação major, causando surtos absolutamente novos e potencialmente graves (caso da conhecida gripe espanhola em 1917-1918 e, mais recentemente, da gripe A em 2009).
Os coronavírus, sendo vírus de RNA, têm ainda maior predisposição a acumular mutações. Algumas não resultam em nenhum benefício, levando à sua extinção, outras, por azar, conferem alguma vantagem de sobrevivência ao vírus, expandindo-se! E uma coisa simples que temos que saber é que os vírus não existem sem hospedeiro. Ou seja, o SARS-CoV-2 não sobrevive, não se replica, se não estiver a infetar um ser humano. E então, que características terão que conferir estas mutações para corresponderem a algum nível de sucesso? Pois claro! Mutações que aumentam a transmissibilidade do vírus são absolutamente vitais!
E, realmente, das 3 variantes já identificadas (recentemente foi identificada uma 4ª variante no Japão), a do Reino Unido, a de África do Sul e a variante brasileira, todas são responsáveis por um aumento da transmissibilidade.
Uma das grandes preocupações prende-se com uma simples questão: serão estas variantes capazes de causar doença mais grave ou provocar mais doença grave em crianças?
Os dados relativos às variantes sul africana e brasileira são escassos, mas em relação à variante do Reino Unido já sabemos que não provoca doença mais grave. Infelizmente, ao causar maior número de infeções, provoca maior caos nos serviços de saúde (como nós, infelizmente, verificámos). Mas não se verificou uma maior incidência de casos graves, com necessidade de cuidados intensivos, quando comparada com o vírus original.
No que toca à população pediátrica, a variante inglesa não causa mais doença nas crianças: o número de internamentos pediátricos na região metropolitana de Londres não sofreu uma grande diferença em relação ao primeiro surto na primavera do ano passado.
No entanto, uma vez que o inverno também corresponde ao período de maior risco infeccioso por outros vírus respiratórios, circularam falsas notícias sobre enfermarias cheias de crianças com sintomas respiratórios causados por SARS-CoV-2.
Estas notícias foram prontamente desmentidas pelas autoridades de saúde no Reino Unido. Infelizmente, no decorrer desta pandemia, a desinformação foi algo constante. Mesmo em Portugal! Infelizmente não deixaram de se ouvir algumas vozes alarmistas a falar de um surto grave em idade pediátrica. Isto não é verdade!
Haverá sempre casos pediátricos positivos, haverá sempre casos raros de doença grave, pós-infecciosa, pós-COVID-19, no entanto, a esmagadora maioria dos casos pediátricos de COVID-19 são benignos. A realidade, na pediatria, está muito longe da gravidade do que foi observado nos adultos.
Agora, com a introdução da vacina, temos finalmente alguma proteção contra a transmissão e a ocorrência de doença grave. Isto é fundamental para os grupos de risco. No entanto, sabemos que não existem testes vacinais para crianças com menos de 5 anos. Logo, a vacinação infantil contra o SARS-CoV-2 está longe de ser uma possibilidade.
Com a emergência de novas variantes, a pergunta lógica parece ser: será que a vacina também confere proteção contra as novas variantes?
Felizmente já dispomos de alguns dados relativos à resposta vacinal à variante inglesa: aparentemente, as vacinas disponíveis parecem conferir um igual nível de proteção contra esta variante quando comparado com o vírus original. Este aspeto é tranquilizador, no entanto não parece ser extensível às variantes sul africana e brasileira, pelo que esperamos um maior conhecimento sobre este assunto.
Infelizmente esse maior conhecimento poderá chegar no decorrer de uma eventual nova vaga, já que estamos habituados a um certo atraso nas medidas de saúde pública face à real situação de transmissão. Ou como se diz em bom português, temo bem que saberemos mais sobre a transmissão destas novas variantes quando, depois da casa arrombada, corrermos a colocar trancas à porta.
Um artigo da médica pediatra Joana Martins.
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