Há 12 anos, o magnata dos Casinos de Macau, Stanley Ho fez notícia mundo fora, não por ter inaugurado um novo projeto megalómano na Ásia, mas por ter arrebatado, em leilão, uma Trufa Branca d´Alba por 300 mil euros. Nesse 2017, Stanley Ho batia um recorde mundial, superando todos os valores até então envolvidos na transação de uma única trufa. O exemplar, com 1,5 kg, viajou para o Oriente deste o noroeste de Itália, a região de Piemont.
Viajando até este 2020, por estes dias, Tanka Sapkota, o chefe de cozinha nepalês desde 1996 radicado em Portugal, assume um estado de euforia anual, sempre que, chegada a época da Trufa Branca d´Alba, recebe de território transalpino sucessivos fornecimentos desta preciosidade, quase um mistério, nascida no solo de bosques de carvalhos, choupos e nogueiras.
Tanka não precisa de uma trufa de 300 mil euros para carregar de emoção os pratos que traz à mesa chegado o outono. O odor impositivo, embora subtil e elegante, de um quilo de trufas emana na sala do Come Prima, o restaurante que o chefe de cozinha gere em Lisboa, não muito longe da Avenida Infante Santo. Dentro de uma campânula de vidro repousa uma dúzia de belíssimas trufas. Quase três mil euros de matéria-prima rara, sazonal e efémera que o chefe de cozinha irá tratar com afeição nos dez dias de campanha culinária em torno da Trufa Branca.
“A Trufa não depende nada do homem. A natureza dá-a, não a conseguimos plantar e precisamos dos cães para a detetar. Nós, humanos, só a podemos tratar quando a levamos à mesa. E, aí chegados convém que a tratemos o mais simplesmente possível”, refere Tanka.
Já no decorrer do almoço (as refeições para o menu da Trufa Branca carecem de reserva) há de fazer prova disso mesmo laminando fatias finíssimas – embora generosamente servidas - de trufas em pratos como Ovos biológicos mexidos com manteiga e pão torrado e Trufa Branca de Alba (34,90 euros), Arroz italiano com parmesão DOP e Trufa Branca de Alba (34,90 euros), um Ravioli com recheio de ricotta e fontina com manteiga, parmesão e Trufa Branca de Alba (41,90 euros) ou uns escalopes de vitela muito jovem, fritos em manteiga, acompanhados de tajarin com manteiga e Trufa Branca (49,90 euros).
À boleia de todos os pratos, um fungo de crescimento caprichoso. “Se na primavera chover, se o verão for quente e com pouca chuva, as trufas crescem bem. Não pode haver muita neve, porque ficam ocultas sob esta e os cais não as vão detetar. Se a primavera for seca, a produção baixa”, conta-nos o chefe nepalês.
O respeito e apego que Tanka nutre pelas trufas valeu-lhe, inclusivamente, em 2018, o título de “Cavaleiro das Trufas Brancas e dos vinhos de Alba” pela Ordem dos Cavaleiros do Tartufo de Alba. Não é para todos. A confraria eno-gastronómica existente desde 1967 só galardoa os verdadeiros amigos desta delicatessen nascida nas sombras e humidade das florestas de Langhe e Monferrato, subprovíncias da região do Piemonte. Para os locais, os caçadores de trufas, ou se se preferir os trifolao, a época que medeia entre setembro e janeiro é de “febre”. Uma quase corrida ao ouro, envolta em secretismo. Cada caçador parte para o campo sozinho, mantém para si o território de caça e fá-lo na companhia de cães farejadores, de faro apurado e treinado, “capazes de detetar uma trufa a mais de um metro de profundidade”, sublinha Tanka na apresentação que nos faz do produto que lhe merece a atenção este novembro e dezembro.
O chefe nepalês viaja com frequência a Piemont para selecionar as trufas que trará para a capital portuguesa. “Já participei numa caça às trufas, embora seja um ritual mantido em segredo e, quando as encontramos, normalmente já foram antes sinalizadas”, refere Sapkota, acrescentando com uma alegria quase infantil que “só uma vez encontrou uma trufa”.
Em 2018, Tanka não terá encontrado a trufa Alba Madonna ou Trufa D´Alba que trouxe para Lisboa. Mas fez notícia ao apresentar também no seu Come Prima um exemplar com 1, 153 gramas, a maior da década na Europa, e uma das maiores já encontradas. O montante de aquisição da trufa nunca foi revelado - mas o valor de mercado deste ingrediente, no ano transato, colocou uma trufa de 880 g a um preço de 85 mil euros.
Um troféu efémero que deve de ser consumido em três dias se deixada ao ar e, no prazo máximo de 15 dias quanto envolta em papel poroso e mantida no frigorífico. “Já conservei em arroz seco, mas tira o aroma da trufa e, em si, o arroz também não vai ganhar com isso. Podemos conservar em ovo que vai ganhar o aroma. Um ovo estrelado assim é maravilhoso”.
Um fascínio à mesa - e não só – que faz da Trufa Branca uma campeã entre os pesos-pesados dos alimentos mais valorizados à escala global. A afeição vem de longe. Já o Império Romano se rendia às subtilezas da trufa. Não lhe regateavam, inclusivamente, qualidades afrodisíacas. As mesmas que não agradaram à Idade Média. Mais tarde, no século XX, a trufa é reabilitada para as mesas, ascendendo ao estatuto de prima dona dos alimentos sazonais. Entre os famosos que se renderam a um prato enriquecido com trufa estiveram Kennedy, Churchill e Pavarotti.
Desde 1996 a viver em Portugal, depois de ter trabalhado na Alemanha e em Itália, Tanka Sapkota apaixonou-se e especializou-se pela gastronomia italiana. Hoje, possui três restaurantes em Lisboa: O Come Prima, o Forno d’ Oro e o Il Mercato.
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