Charles Lutwidge Dodgon, assim dito o nome não soará familiar a muitos. Acrescentemos-lhe a formação: matemático. Ainda vago. Puxemos pela informação de alfarrábio para saber que o nosso ilustre Dodgon, britânico de nascimento, usou de um pseudónimo literário, Lewis Carol.

Por aproximação já navegamos à vista do destino final. Lewis Carol, “pai” de uma das mais ilustres criações da literatura infantil – e não só - do século XIX e dos que se lhe seguiram. Em 1865 dava o prelo ao mundo “Alice no País das Maravilhas” e o discreto senhor Lewis Carol, ganhava a imortalidade.

Com Carol voava para o futuro a jovem Alice, a eterna menina, deambulando num mundo caótico, feita gigante e criatura minúscula, lançada em diálogos improváveis com personagens excêntricos. E tudo isto porque, em certa tarde, aborrecida, lançou-se em perseguição do coelho branco. De resto todos sabemos, também o cinema, desde o início do século XX, enceta diálogo com Alice. Disney, nos anos de 1950, e mais tarde Tim Burton, nos anos 2000, apresentaram-nos as suas versões para a Sétima Arte. E o “País das Maravilhas” tornou-se global.

Setúbal: Visitámos a festa do Chapeleiro Louco e reencontrámos o cantinho da infância
Setúbal: Visitámos a festa do Chapeleiro Louco e reencontrámos o cantinho da infância créditos: Casinha das Maravilhas

Quando a realidade de equipara à ficção

É uso dizer-se que a realidade pode superar a ficção ou quase equipará-la. É o que sentimos quando falamos com a portuguesa Rita e o francês Mathieu. Sentamo-nos na Casinha das Maravilhas, casa de chá que é, a vários tempos, a reprodução da sala de estar de Rita e Mathieu e a recriação, na cidade de Setúbal, desde janeiro de 2018, do inesquecível capítulo VII de “Alice no País das Maravilhas”. A saber: “Um Chá de Loucos” (tradução livre para “A Mad Tea Party”).

Rita é filha de pai aveirense e  de mãe nascida em Oeiras. Mathieu é gaulês, proveniente de Haute-Savoie, Alpes Franceses, vila perto da fronteira com a Suíça. Ambos viveram em Paris, mas seria na britânica Manchester que se conhecem. Rita e Mathieu acabam por recriar na soalheira Setúbal, no seu centro histórico, uma casa de chá. “Cosy”, ou acolhedora se preferir, com mobília capaz de ombrear com o salão de visitas dos nossos avós – cadeirões, cristaleiras, robustos sofás, louceiros. Louças a fazerem justiça ao ambiente, música de toada vintage, entregue a Django Reinhardt, Fats Waller, Louis and The Big Band.

Não falta o natural e esperado destempero do Chapeleiro Louco, do Coelho Branco e do Rato do Campo. “Quisemos desconstruir a ideia de um salão de chá convencional, de grande formalismo”, conta Rita ao SAPO Lifestyle, enquanto nos sentamos à mesa, sob a omnipresença de um chapéu alto, roxo e mágico. Foi Mathieu quem concebeu a peça, assim como muitos dos artefactos que encontramos nesta Casinha das Maravilhas onde tudo rima com o tema, do desenho do menu, aos espelhos nas paredes, ao grande relógio e a todos os pormenores que tecem o ambiente.

Setúbal: Visitámos a festa do Chapeleiro Louco e reencontrámos o cantinho da infância
Setúbal: Visitámos a festa do Chapeleiro Louco e reencontrámos o cantinho da infância

Tudo isto a combinar com aquilo que esperamos de um salão de chá no que ao palato diz respeito, bolinhos, bolachinhas, chás – naturalmente – bolos à fatia e também inteiros por encomenda, chocolates quentes, cookies (há em versão XXL) de Três Chocolates, de Aveia e de Maçã; brownies e também escolhas mais encorpadas sob a forma de brunches, sanduíches e tostas. Tudo apresentado com carinho e esmero. Com a presença de Rita em sala e o olhar cúmplice de Mathieu a partir da cozinha. É ele o obreiro do que aqui provamos.

Uma viagem de dois mil quilómetros para sul

Voltemos um pouco atrás. Há sempre um porquê para algo nascer e aqui impõem-se algumas questões: Porquê Setúbal? Porquê o Chapeleiro Louco? Porquê uma casa de chá? A duas vozes temos as respostas.

“Sempre adorei o episódio do chá do Chapeleiro Louco. Acresce que já em Manchester e com o Mathieu, adorávamos frequentar salões de chá, em particular a Tea Hive e a Richmond Tea Rooms, esta última com a temática `Alice no País das Maravilhas`. Em 2016 visitei Setúbal e gostei da cidade. Tem uma dimensão humana e está próxima de Lisboa. Acresce que a proximidade ao mar e à montanha também pesou. Eu, portuguesa, precisava do mar. Mathieu, tendo vivido perto dos Alpes, da montanha”, conta-nos Rita.

Setúbal: Visitámos a festa do Chapeleiro Louco e reencontrámos o cantinho da infância
Setúbal: Visitámos a festa do Chapeleiro Louco e reencontrámos o cantinho da infância créditos: Casinha das Maravilhas

Conversamos num misto de luso português com o setentrional inglês. Mathieu, desde setembro de 2017 em Portugal, já esboça algumas frases, mas não arrisca um voo mais largo na conversa. Diz-nos que sempre gostou de cozinhar e, com Rita, ainda em Inglaterra, empreendeu a coleção de toda a mobília, louçaria e adereços que encontramos nesta “Casinha das Maravilhas” setubalense.

Não julgue o leitor que irá encontrar um serviço de louça a combinar a cor das meias com a do cinto e a da gravata. A regra é a partilha e a desconstrução e tal valida segurarmos no dedo uma chávena de fina porcelana do século XX, como um bule delicado com ares vitorianos, como espojarmo-nos no sofá para uma leitura pacata ou, à mesa, resgatarmos a tradição dos jogos de tabuleiro (há-os disponíveis no estabelecimento). Isto sob a presença de chávenas de café invertidas, vertendo luz, em jeito de candeeiro.

Setúbal: Visitámos a festa do Chapeleiro Louco e reencontrámos o cantinho da infância
Setúbal: Visitámos a festa do Chapeleiro Louco e reencontrámos o cantinho da infância créditos: Casinha das Maravilhas

Mathieu reforça: “queremos que olhem para este nosso espaço como a sala onde recebemos família e amigos. Uma sala, ou melhor dizendo o seu recheio, que no final de 2017 foi literalmente empacotada e transposta desde Manchester para um estabelecimento num edifício histórico na cidade sadina. “Numa semana encontrámos este espaço”, sublinha Rita. Tudo o resto viajou dois mil quilómetros para sul, “quase nada se partiu, mesmo as peças mais frágeis fizeram a viagem incólumes. Só se partiram alguns copos”, frisa a nossa interlocutora.

À mesa do Chapeleiro Louco

Não é só no ambiente que o jovem casal quer marcar a diferença com esta Casinha das Maravilhas. Naquilo que nos chega à mesa também existe uma assinatura muito vincada de ambos. Rita está “constantemente a pensar em novas possibilidades”. Mathieu é o homem do leme na copa. Confessa-nos que adora produzir bolos, seja o de Cenoura, o de Laranja, o de Maçã com especiarias, o Victoria Sponge, ou o Bolo de batata-doce com nozes, ou mesmo o Cheesecake de limão merengado.

Setúbal: Visitámos a festa do Chapeleiro Louco e reencontrámos o cantinho da infância
Setúbal: Visitámos a festa do Chapeleiro Louco e reencontrámos o cantinho da infância créditos: Casinha das Maravilhas

Na Casinha das Maravilhas não há complexos com a utilização de açúcar, “moderada, mas necessária em certas receitas”, como nos diz Mathieu. Isto não obstante a introdução de opções sem açúcar como o Bolo Moka (também sem farinha de trigo), ou o de Pera e farinha de espelta. Também os Cookies de mel e canela dispensam o açúcar, assim como o Bolo de Maçã.

Nesta visita provamos um dos trunfos da casa, o “Afternoon Tea” (encontra seis variações), neste caso a opção “Queen of Hearts’ Tea” que inclui um scone com compota e natas, mini sandes, seleção de bolos e pote de chá. Neste particular, o dos bebíveis, os menos `chaseiros` que não encontrem afinidade entre as perto de 30 variedades à prova, saibam que contam com chocolate quente “com misturas de cacaus personalizadas”, um interessante lote de cafés e suas variações (Macchiato, Americano, Cappuccino, Mocha).

Setúbal: Visitámos a festa do Chapeleiro Louco e reencontrámos o cantinho da infância
Setúbal: Visitámos a festa do Chapeleiro Louco e reencontrámos o cantinho da infância créditos: Casinha das Maravilhas

Outro trunfo que Rita e Matheu tiram da cartola do Chapeleiro nesta sua Casinha das Maravilhas é o hábito de fazermos do período do almoço, momento para também fruir a casa de chá. Há para isso alguns brunches que “incluem algumas opções clássicas que apreciávamos nas casas de chá no Reino Unido e também opções vegetarianas e uma vegan”, refere Rita que nos dá alguns exemplos: “O `Welsh Rarebit` com uma torrada rústica gratinada com molho de queijo, mostarda e Guinness servido com salada simples; o ´Ovos Florentine`, com dois ovos escalfados, espinafres salteados e molho hollandaise em bolo do caco; ou o `Ovos Benedict`, com dois ovos escalfados, bacon e molho hollandaise em bolo do caco; a `Maravilha de Abacate`, com esta fruta e pimenta preta em torrada rústica, servido com salada simples”. Há oito versões e em todas elas podemos adicionar ingredientes extras.

Não sabemos quantas Alices já visitaram a Casinha das Maravilhas. Muito menos saberemos quantas delas leram o clássico de Carol. Certo, porém, independentemente do nome por que chamem e da idade que tenham, é que na sala de Rita e Matheu estarão em casa e por alguns minutos podem dar-se ao gozo de redescobrir a infância e o Chapeleiro Louco que há dentro de cada um de nós.

Casinha das Maravilhas

Rua do Major Afonso Pala, 64, Setúbal

Página web

Horário: De terça a quinta-feira das 09h00 às 19h00. Sextas-feiras das 09h00 às 20h00, sábado das 10h00 às 20h00, domingo das 13h00 às 19h00. Encerra às segundas.

Contacto: Tel.: 265 428 419; E-mail: casinhadasmaravilhas@gmail.com