Os estudos e literatura acerca do luto na criança e a compreensão das suas fantasias e sentimentos perante a perda de alguém querido, ainda são escassos. A maior parte deles descreve as reações e sintomas, nas diferentes idades, mas o que será que realmente acontece no mundo interno das crianças, quando perdem alguém próximo? Para o entendermos, o primeiro passo deve passar por escutar a criança e aquilo que tem para nos dizer, acerca das suas fantasias e em relação à morte da pessoa amada.

Na infância, podem sofrer-se diversos tipos de perda. Naturalmente, o impacto da morte de um pai ou de uma mãe é muito diferente da morte de um outro familiar, como de um avô ou de uma avó, para os quais, a partir de uma certa altura, há uma expectativa natural de perda. Também a fase de desenvolvimento da criança vai ser determinante na experiência do luto.

A morte de um pai ou de uma mãe é uma perda como nenhuma outra, é uma das experiências mais impactantes que a criança pode vivenciar. O curso da sua vida é irrevogavelmente alterado, mudando-a para sempre. Perante a ausência irreversível de uma pessoa que a sustenta, e cuja relação é a base de todos os outros vínculos emocionais, a criança depara-se com profundos sentimentos de desamparo e impotência. Há uma ameaça no seu sentimento de si. É uma perda que a coloca num lugar de desconhecidos: onde vou encontrar amor agora que a pessoa que mais me amou já não está viva, aqui ao meu lado? Como é que posso amar alguém que já não está aqui? Quem sou eu, agora, sem o meu pai ou a minha mãe?

É um luto muito difícil que exige à criança um processo de reorganização, de reconstrução diante da morte, um grande desafio emocional e cognitivo com o qual tem de lidar.

Do ponto de vista do desenvolvimento, a criança só compreende a irreversibilidade da morte por volta dos 7 anos de idade. Mas isso não faz com que tenha menos dificuldade em elaborar a perda de uma pessoa amada, sobretudo se for um dos pais - o seu psiquismo ainda está em desenvolvimento e precisa das figuras parentais, que garantem a sua sobrevivência física e emocional.

À medida que se desenvolve, a criança tolera melhor a ideia de que a pessoa que morreu não vai voltar mais, embora, no seu imaginário, possa continuar a reunir-se com ela. Na infância, imagens férteis sobre a presença de uma pessoa querida podem representar uma estratégia de adaptação à sua ausência. A criança vai fantasiando, imaginando cenas visuais e sensoriais, e não desiste, necessariamente, da ligação à pessoa. Em vez disso, pode até usar imagens estáticas desta, para ajudar a direcionar a sua vida. Por exemplo, fantasiar as expressões de orgulho que a pessoa amada faria pelas suas realizações, o conforto que lhe daria na tristeza, ou até as palavras que lhe diria. Estas fantasias têm um significado importante e correspondem a um trabalho de elaboração da perda.

A criança que perdeu os pais continua a relação com eles, mesmo depois de reconhecer a irreversibilidade da morte. As pessoas queridas que morrem nunca estão perdidas na mente de quem a elas está emocionalmente ligado, seja na criança ou no adulto. No caso dos pais, mesmo na situação da morte ser muito precoce, e não haver memória consciente, há sempre uma memória implícita que permanece ao longo da vida. O processo de luto não implica o desligamento total da pessoa perdida, pelo contrário: a ligação interna permanece, mas assume um novo significado.

Além dos recursos internos dos quais a criança dispõe para lidar com a perda, há fatores que podem ter um papel fundamental no modo como dará um novo significado à relação com a pessoa que morreu: a sua fase de desenvolvimento; as circunstâncias em que a perda ocorreu; a informação recebida pela criança, como e por quem lhe foi comunicada a perda (a possibilidade de participar no luto familiar, fazer perguntas, evocar as suas memórias, e ter um espaço para vivenciar o luto); a dinâmica familiar antes e após a morte; os rituais, as mudanças no quotidiano da criança; o lugar determinado para a criança na família, antes e depois da morte; e a possibilidade de elaboração do luto na família - muitas vezes, a pessoa com quem a criança poderia contar também está enlutada e pouco disponível para criar um espaço na relação que permita à criança elaborar os seus sentimentos de desamparo, revolta, tristeza, abandono, culpa e as suas fantasias, fator essencial para ajudá-la a ressignificar a morte de uma pessoa amada e, então, fazer o seu luto.

Por exemplo, o sentimento de desamparo e de profunda ameaça à sua sobrevivência física e emocional, é, muitas vezes, agravado pela perda da dinâmica familiar habitual, o que representa uma dupla perda para a criança e uma sensação de maior desamparo. Outra fantasia que pode ser mobilizada no processo de luto é a de abandono, em que a criança se sente abandonada pela pessoa que morreu. O sentimento de culpa também é muito comum.

Quando as fantasias, no processo de luto, se tornam invasivas, aprisionando a criança e dificultando a vivência do luto, ou quando a criança tem pouco espaço para expressar o seu sofrimento, é crucial que alguém a ajude a lidar com a ambivalência emocional. Nesse momento, a psicoterapia pode ser imprescindível, para a criança e para a família.

A compreensão da dinâmica do caso e das fantasias da criança permite-nos compreender a forma como esta elabora a perda e os fatores que podem dificultar o luto, informações essenciais para uma intervenção apropriada, quando necessário. Com este levantamento, é possível entender e ajudar melhor a criança, que é o que se pretende na psicoterapia e, em simultâneo, ajudar os familiares, a escola e a comunidade a lidarem melhor com ela. Encontrando um ambiente mais preparado para a receber, a criança pode sentir-se acolhida, compreendida e mais segura, num momento de profunda insegurança e desamparo.

Um artigo de Sofia Figueiredo, psicóloga e psicoterapeuta nos hospitais CUF Tejo e CUF Sintra.