Este foi, sem dúvida, um Natal atípico. Um Natal com cadeiras vazias e um enorme sofrimento. Algumas destas cadeiras estiveram vazias pela primeira vez e não apenas pelas questões do distanciamento e limitações à circulação. Várias cadeiras ficaram vazias porque a pandemia, a somar a outros episódios da vida, ceifou vidas. É certo que o sofrimento não é inferior para aqueles que já lidam com a ausência de pessoas importantes há alguns anos, na medida em que quanto mais anos passam, parece que mais saudades ficam.
Até ao dia 25 de dezembro de 2020, morreram 6 478 pessoas em Portugal. Tendo em consideração que por cada morte, cerca de seis pessoas se encontram em luto, então cerca de 38 mil portugueses passaram as festividades natalícias a gerir a dor de uma ou mais perdas.
A ciência psicológica tem vindo a reforçar que um dos fatores mais importantes a estar presente num momento de fragilidade emocional é, exatamente, o apoio da rede de amigos e familiares. Para a maioria dos lares portugueses, o Natal é uma festividade familiar. Porém, neste Natal, não foram permitidos os abraços de conforto, as palavras de afeto ao ouvido ou a satisfação de ver as crianças a brincar e a rasgar prendas, como momento de felicidade ou mera distração do sofrimento vivido.
A maioria destas pessoas também não sentiu que prestou homenagem à pessoa perdida como gostaria e o próprio funeral foi despovoado de pessoas e de afetos. Por estes fatores, as próprias pessoas que partilham a mesma casa podem estar demasiado envolvidas no seu próprio sofrimento e não ter disponibilidade emocional para apoiar o outro, reforçando os sentimentos de tristeza, solidão e vazio.
Contudo, todos os processos de luto são diferentes e devem ser respeitados. Algumas pessoas não estiveram disponíveis para desfrutar de qualquer tipo de ritual natalício, pois sentiram que estariam a trair a pessoa perdida ou a desvalorizar a sua morte. Outras pessoas, por oposição, sentiram-se felizes na quadra natalícia. Esta postura não significa, naturalmente, que estas pessoas gostassem menos da pessoa perdida, mas podem ter encontrado no Natal um mecanismo de distração e de algum conforto perante tamanha dor. Existe ainda a possibilidade de outras pessoas não terem sentido nada, como se estivessem vazias, em choque, sem disponibilidade para rir ou para chorar. Mais uma vez, isto não significa que a pessoa é insensível. A fase do choque após uma perda funciona como um mecanismo de proteção perante o sofrimento atroz que é despoletado na pessoa, a qual sente que não tem recursos para gerir a dor.
Todas estas reações são naturais, legítimas e devem ser respeitadas. A comunicação torna-se, nestas situações, fundamental. Tome-se como exemplo a importância de dizer ao outro que necessitou de determinados rituais de Natal para conseguir gerir a dor e que isso não invalida o sofrimento que estava a sentir no momento. Ou, em alternativa, a necessidade de outros membros respeitarem a tomada de decisão de um familiar que escolheu não participar nos rituais. Em qualquer uma destas situações, a comunicação é a chave para evitar conflitos que transcendem as épocas festivas e que se arrastam ao longo dos dias e semanas, dificultando cada vez mais o bem-estar individual e familiar.
É necessário estar em contacto com a dor, organizar os pensamentos acerca da perda e praticar rituais do luto, desde acender uma vela, plantar uma árvore no sítio preferido da pessoa perdida ou construir um livro de memórias, com fotografias e poemas. Porém, quando sentir que não tem recursos para gerir o que está a sentir, peça ajuda especializada. Não está sozinho.
As explicações são de Sofia Gabriel e de Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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