Ultimamente, parece haver o crescimento de um discurso que nos incentiva a valorizar a nossa própria companhia e a aprender a gostar de estar connosco próprios, quase como que a descartar a necessidade de estarmos em conexão com os outros para nos sentirmos bem, discurso este que alimenta a ideia de que só devemos precisar de nós próprios para sermos felizes, sem depender de ninguém para tal.

Estas preocupações surgem num contexto em que, com os avanços tecnológicos, estamos constantemente em ligação. Estamos à distância de uma chamada, de uma mensagem, de uma notificação.

Esta falsa sensação de proximidade pode incentivar ao estabelecimento de relações com características dependentes, em que não toleramos a quebra de contacto. Acresce que o uso crónico e excessivo de redes sociais está associado a problemas de saúde mental. Neste sentido, tem-se enfatizado a importância do “estar sozinho”, quase numa tentativa de descartar a necessidade de conexão social. Mas o que será isto de “estar sozinho” e até que ponto, ou de que forma, devemos procurá-lo?

É importante começarmos por distinguir dois conceitos: a solidão, que diz respeito a uma sensação de se estar só, que surge mais frequentemente na população idosa, podendo esta carecer de maior atenção e cuidado, e estando associada a sentimentos de tristeza e a problemas de saúde mental, como a depressão; e a solitude, que, por outro lado, é uma solidão escolhida ou desejada, ou seja, é a escolha de se estar sozinho por um período estabelecido pelo próprio.

A importância do “aprender a estar sozinho” foi explorada por Winnicott, um influente pediatra e psicanalista inglês, que defendia que a criança deve ser capaz de interiorizar o contexto de segurança e afeto que os cuidadores lhe fornecem e de compreender que, mesmo quando eles não estão imediatamente presentes, vão ser capazes de providenciar estes cuidados, se necessário. Para Winnicott, uma pessoa que tem a capacidade de estar sozinha, nunca está verdadeiramente sozinha.

A solitude pode trazer vários benefícios, entre os quais:

  • Ter liberdade para fazermos atividades que realmente queremos fazer;
  • Estimular a criatividade;
  • Promover a autodescoberta, autorreflexão, autocrescimento e autotransformação;
  • Aumentar a espiritualidade;
  • Desenvolver a resiliência emocional;
  • Incentivar a práticas de mindfulness.

Apesar da importância de termos tempo para nós próprios, não nos devemos deixar cair no extremo oposto da solidão. O perigo da hipervalorização do “estar sozinho” e do “não precisarmos de ninguém para sermos felizes” é cairmos no erro de acreditar que não precisamos dos outros para sermos saudáveis, tanto física como mentalmente.

O ser humano é um ser inerentemente relacional, que necessita da conexão com o outro para sobreviver. São diversos os estudos da Psicologia que demonstram os efeitos profundamente negativos que a privação precoce de afeto pode ter em nós (e em animais também), estando associados a maiores níveis de depressão, ansiedade, suicidalidade e mortalidade.

As interações sociais são fundamentais para a manutenção da saúde mental e não devem ser desvalorizadas. Não devemos olhar para a capacidade de estar sozinho como um critério para atingirmos a “independência emocional”, pois estaríamos a negar a nossa natureza. Antes, devemos encontrar o equilíbrio entre os momentos em que procuramos e estimulamos o contacto social e os momentos em que priorizamos o contacto interior, sem excluir um nem outro. Uma necessidade não deve ser superior à outra, devendo ser capazes de coexistir de forma balanceada.

A obtenção deste equilíbrio está alicerçada a um processo de constante autoconhecimento, em que deverá perceber as suas necessidades, se de procura de conexão social ou se de fomento da conexão consigo mesmo, bem como os seus limites. É importante ter iniciativa de programar encontros com amigos, colegas ou familiares, e de fazê-lo com intencionalidade e com foco no momento presente; mas também ser capaz de reconhecer os seus sinais de desgaste social e de necessidade de restabelecimento, procurando o planeamento de atividades a solo.

Não se sinta culpado por recusar convites de amigos, se entender que necessita de tempo para si. No entanto, comunique essa sua necessidade e mantenha-se aberto a novas oportunidades de encontro.

As nossas necessidades e limites relacionais poderão variar consoante diferentes fases, circunstâncias e exigências de vida, pelo que estar atento às mesmas é crucial. Se sente que tem dificuldade em balancear o tempo despendido com amigos e o tempo destinado a atividades sozinho, não hesite em procurar ajuda psicológica.

Um artigo dos psicólogos Margarida Santiago Santos e Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.