A distrofia muscular de Duchenne é uma doença muscular que se carateriza por uma diminuição progressiva da força muscular, iniciada na infância e que vai sempre agravando ao longo da vida. É causada por uma mutação genética no cromossoma X. Essa mutação impede a produção de uma proteína chamada distrofina, que normalmente serve para garantir a integridade do músculo. Como nestes casos deixa de haver essa proteína, os músculos entram num processo progressivo de degradação e vão perdendo a sua função e capacidades. Como o cromossoma afetado é o X, a doença apenas afeta pessoas de género masculino, e surge em cerca de 1 em cada 3500 nascimentos de rapazes.
Sintomas
Os primeiros sintomas da doença surgem na infância. Nalguns casos pode haver atraso no início da marcha, mas habitualmente é entre os 2 e os 4 anos que se notam as primeiras alterações: os meninos caminham, correm e sobem degraus de uma forma anormal, instável, andando mais em bicos de pés, e as quedas são muito frequentes. Outra alteração que chama muito a atenção é a grande dificuldade que têm para se levantarem quando estão deitados ou sentados no chão. Um aspeto bastante visível, e que se nota mais por volta dos 5-6 anos é um aumento muito acentuado de volume dos gémeos (músculos da barriga das pernas), que parecem demasiado desenvolvidos.
Todos os doentes acabam por perder completamente a marcha autónoma, em idades que podem variar desde os 9-10 anos até, mais raramente, perto dos 18. Mais tarde e de forma progressiva, a força muscular vai também diminuindo nos membros superiores e no tronco, incluindo os músculos usados para respirar. Esta evolução faz com que todos os doentes acabem por ter escoliose, mais ou menos acentuada, e insuficiência respiratória, por falta de força para respirar e tossir adequadamente. Muitos também têm dificuldades na alimentação, bem como dificuldades de aprendizagem e na fala. Em cerca de metade dos casos pode haver envolvimento direto do músculo cardíaco.
Quando se suspeita de um caso, a criança deve ser referenciada a uma consulta de Neuropediatria para observação especializada. Algumas alterações numa análise de sangue podem ser muito sugestivas do diagnóstico, que se confirma por estudo genético numa amostra de sangue, identificando a mutação que causa a doença. Em casos raros em que não se consegue o diagnóstico por este meio, pode ser necessário fazer biopsia do músculo.
Sem cura
Até à data não existe cura para a distrofia muscular de Duchenne. No entanto, alguns tratamentos com medicamentos (corticoides), iniciados logo que se faz o diagnóstico, podem atrasar a idade de perda da marcha e de algumas outras alterações, sendo estes efeitos sempre transitórios. Outros medicamentos, alguns ainda em investigação, podem ser usados num pequeno número de doentes que têm algumas mutações específicas, mas não alteram de forma muito significativa o curso da doença.
A fisioterapia e a reabilitação motora e respiratória são também tratamentos importantes. A assistência respiratória, com ventilação não invasiva no domicílio e a utilização de tecnologias para ajudar a tossir adequadamente são fundamentais quando essas funções começam a estar comprometidas. Estas tecnologias de apoio respiratório têm sido o principal fator responsável pela melhoria da qualidade de vida e aumento do tempo de vida nas últimas décadas. Se antes a maioria dos doentes não sobrevivia muito para lá dos 18 a 20 anos, hoje começa a ser frequente atingirem idades acima dos 30 anos de idade.
Para que estes apoios respiratórios possam ser decididos e usados da melhor forma, é muito importante que a avaliação da função respiratória seja realizada em todos os doentes de forma regular, de acordo com o que está indicado em recomendações internacionais. Esta avaliação faz-se essencialmente pela realização de espirometria (exame em que se pede ao paciente para fazer algumas inspirações e expirações forçadas num equipamento que permite avaliar a capacidade pulmonar) e outras técnicas semelhantes, que são simples e acessíveis. A maioria das crianças acima dos 5-6 anos já consegue colaborar adequadamente na realização destas provas. Outra avaliação importante, que pode ser feita em qualquer idade, é o estudo do sono, que permite detetar envolvimento respiratório muito precocemente durante o sono, que é quando se manifesta inicialmente.
Mais qualidade de vida
Para além do aumento da sobrevida, é fundamental que todos os cuidados tenham como objetivo a melhoria global da qualidade de vida dos pacientes com distrofia muscular de Duchenne. Para isso, é muito importante que as equipas que coordenam o seguimento destes pacientes, geralmente em centros hospitalares, sejam multidisciplinares, envolvendo profissionais de saúde de diversas áreas, como neuropediatria, pediatria, pneumologia, gastroenterologia e nutrição, ortopedia, medicina física e reabilitação, cardiologia, fisioterapia, enfermagem de reabilitação, psicologia serviço social, cuidados continuados e paliativos, entre outras.
É também muito importante que os cuidados não se limitem aos prestados em meios hospitalares, mas que sejam prestados em complementaridade com outros níveis de cuidados, como os cuidados de saúde primários e os cuidados continuados domiciliários e locais. Para além disso, é fundamental o envolvimento de outras estruturas da sociedade onde os doentes estão inseridos, como por exemplo as educativas.
Deve ser sempre assegurada de forma cuidadosa e bem planeada uma transição entre as diversas fases e realidades da vida destes pacientes. São exemplos a passagem dos serviços de pediatria para os serviços de adultos, quando os pacientes atingem a maioridade e a transição progressiva para cuidados paliativos e de fim de vida quando se atinge essa fase.
Finalmente, é de realçar a importância do papel de associações de doentes como a APN (Associação Portuguesa de Neuromusculares) que permitem que os pacientes e famílias possam comunicar e partilhar experiências e conhecimentos entre si, prestando informação útil, acompanhando, apoiando e, resumindo, melhorando a sua qualidade de vida.
Um artigo de opinião do médico Miguel Félix, especialista em Pediatria, coordenador da Unidade de Pneumologia Pediátrica do Hospital Pediátrico de Coimbra e Presidente da Direção da Sociedade Portuguesa de Pneumologia Pediátrica e Sono.
Comentários