São grandes as hipóteses de que, num futuro próximo, pacientes com diabetes possam contar com um teste indolor e menos invasivo para monitorar os seus níveis de glicose: investigadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveram um biossensor que consegue realizar a análise em amostras de urina. Os resultados do estudo foram publicados na revista ACS Sustainable Chemistry & Engineering.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 422 milhões de pessoas vivem com diabetes em todo o mundo. A doença está entre as dez principais causas de morte devido a complicações graves, como insuficiência cardíaca, hepática e renal, cegueira e neuropatia associada à dor nos membros. O controlo contínuo dos níveis de glicose é indispensável para esses pacientes controlarem a saúde.
Embora os glicosímetros, que analisam amostras de sangue obtidas por picada no dedo, sejam o método mais consolidado e aceite, avanços tecnológicos em biossensores podem abrir oportunidades para opções não invasivas e indolores, utilizando suor, saliva, lágrimas, ar exalado pela respiração ou urina. As versões já existentes, no entanto, ainda não apresentam tecnologia comprovadamente confiável, além de serem caras e montadas com polímeros plásticos flexíveis, que têm uma vida útil curta e não são biodegradáveis.
Motivados a criar uma versão que atendesse aos requisitos de estabilidade, especificidade e precisão e, além disso, fosse barata, simples, passível de miniaturização, conectável a dispositivos inteligentes, escalável e com baixo impacto ambiental, investigadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP), do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP) e da Embrapa Instrumentação desenvolveram pequenas tiras que detetam glicose na urina através de tensão elétrica a um custo de 0,25 dólares cada, menos de 0,20 euros.
“A escolha da urina para esse controlo justifica-se porque a recolha de amostra é muito mais simples e esse fluido contém uma biblioteca de marcadores de saúde que podem ser explorados em testes clínicos multiuso”, explica Paulo Augusto Raymundo Pereira, professor do IFSC-USP e coordenador da pesquisa. “Por outro lado, a sensibilidade procurou materiais especiais, já que os níveis de glicose na urina são menores que os do sangue.”
Feito de polímeros biodegradáveis (poliácido láctico e polietileno glicol), o sensor funciona da seguinte maneira: a enzima glicose oxidase, presente nas nanofibras dos polímeros, catalisa espontaneamente a glicose da urina produzindo peróxido de hidrogénio. Por meio da aplicação de uma tensão elétrica de 0 V [a tensão varia de valores negativos até valores positivos, passando pelo zero que, neste caso, é um valor “real”] durante 30 segundos na amostra, o peróxido de hidrogénio é reduzido sobre nanopartículas do pigmento azul da Prússia. Os sinais de corrente gerados são proporcionais aos níveis de glicose presentes na urina.
Para testar o funcionamento e os resultados do biossensor durante a pesquisa, financiada pela FAPESP através de nove projetos (13/07296-2, 20/09587-8, 17/18725-2, 18/10899-4, 16/10636-8, 22/02164-0, 19/01777-5, 18/22214-6 e 16/01919-6), foi feito uma experiência de prova de princípio com um voluntário e o resultado do nível de glicose na urina foi compatível com o método portátil padrão-ouro (feito com amostra de sangue).
Patente e futuro
A patente do sensor que deteta glicose na urina foi submetida recentemente através da Agência USP de Inovação. Porém, os pesquisadores acreditam que o seu uso e, consequentemente, os seus benefícios possam ir além.
Por ter um design genérico, a plataforma pode ser estendida a outros biossensores, bem como a dispositivos utilizados no corpo e para controlar recursos naturais variados, como, por exemplo, a água.
O artigo Flexible, Bifunctional Sensing Platform Made with Biodegradable Mats for Detecting Glucose in Urine pode ser lido aqui.
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