Não existem mecanismos milagrosos, nem formulas infalíveis para garantir o bem-estar mental do seu filho, seja ele criança ou adolescente. Podem haver linhas gerais, ideias, pistas ou recomendações. Neste capítulo dificilmente trarei algo de novo. O bem-estar de uma criança e de um adolescente (bem como de um adulto) passa pela construção da autoestima, que assenta diretamente na sensação de aceitação e segurança, bem como pelo estabelecimento de relações fortes, com pessoas significativas, com quem se sintam verdadeiramente vistos e ouvidos.
A autoestima de uma criança é construída tendo por base o estabelecimento de objetivos realistas. Estilos parentais de extrema exigência, para algumas crianças, têm um efeito pernicioso, levando-as a desistir antes mesmo de tentarem.
Uma criança deve ser sistematicamente elogiada pelo esforço que faz, independentemente do resultado final. Sim, os prémios de participação são importantes. Mesmo em contextos mais competitivos, mesmo que o resultado não tenha sido bom, há sempre aspetos passíveis de elogiar, tal como podemos e devemos criticar uma criança vencedora que demonstra pouco fair-play ou que se orgulha de humilhar os outros pela sua vitória.
Por outro lado, elogiar a criança com base nas suas características físicas, como a beleza (muito comum nas meninas, por exemplo) é demasiado pobre, já que sabemos que a beleza em si não foi um atributo pelo qual a criança seja intrinsecamente responsável, nem é eterna, muito menos num corpo em constante mutação.
Em algumas disciplinas educativas, como a famosa educação montessoriana, o elogio é encarado com alguma desconfiança. A criança deve ter um desempenho independente do nosso juízo de valor. Elogiar as crianças tendo por base o resultado final que nós, adultos, achamos aceitável, é torná-las ainda mais dependentes de aprovação. O enfoque deverá ser dado na ação e não na adjetivação, por exemplo: “vejo que te estás a esforçar para concluir o puzzle” ao invés de “boa, és tão esperto porque resolveste este puzzle mesmo rápido”.
No fundo, ajudar a criar uma auto-estima equilibrada passa por um exercício de amor e aceitação dos nossos filhos. Amor incondicional, claro, mas não cego. Aceitação total, claro, mas não acéfala.
Uma criança consegue estabelecer relações fortes com as pessoas significativas através do tempo. É o tempo que despendemos com as pessoas que as torna especiais. Uma criança integrada num núcleo familiar coeso, com rotinas relativamente estáveis, em que a partilha é feita diariamente (às refeições, por exemplo) sente-se integrada e segura. Por isso mesmo, devemos sempre que possível evitar discutir finanças, problemas conjugais ou doenças na presença das crianças. São assuntos geradores de stress, que põem em causa a sensação de segurança familiar. Isto não quer dizer que não se diga “não” à criança, porque não há orçamento para comprar um brinquedo caro, ou que não se diga que a avó ou o avô está doente. Mas é completamente diferente partilhar estas informações de forma cuidada, calma e filtrada ao nível cognitivo de uma criança, do que tomar conhecimento das situações através de uma discussão.
Os nossos filhos inspiram-se em nós como modelos de resolução de problemas. Daí que possamos explicar-lhes os problemas que enfrentamos e as medidas que pensamos tomar para os resolver. Esta sim é uma modelação importante. Angustiar uma criança com os nossos problemas, sem lhe fornecer a chave da resolução, deixa-a insegura e preocupada. Uma criança preocupada é uma criança com menor rendimento, já que uma parte fulcral da sua energia estará dedicada ao motivo de preocupação. As crianças, para serem felizes, precisam de ser despreocupadas.
Mesmo assim, todas as famílias passam por momentos difíceis. Nestas situações, pode ser benéfico expor o problema e propor uma solução conjunta, sempre sob o prisma do optimismo: temos este problema e vamos investir nesta resolução. Dúvidas e angustias de adulto não são chamadas para o mundo infantil. Ainda assim, grande parte da nossa angustia propaga-se: ensinar como relaxar, fazerem em conjunto uma atividade calma, dar um passeio a pé (é conhecido o poder da marcha na regulação do pensamento), fazer desporto e escrever podem ser exercícios de mindfullness. Para os adolescentes, a escrita de um diário é muito catártica. E claro que há questões óbvias da privacidade de um adolescente que devem ser integralmente respeitadas, já que fazem parte da premissa de um ambiente familiar securizante.
No entanto, há sinais que devemos ter em atenção. Sinais simples que podem apontar para um desconforto ou sofrimento psíquico.
Crianças e adolescentes que sistematicamente dizem coisas negativas sobre si próprias, que se culpam de incidentes aos quais são alheios, com dificuldade de concentração e consequente alteração da performance escolar devem ser cuidadosamente vigiados e referenciados.
Também alterações do comportamento, como querer estar persistentemente sozinho, choro fácil, reações ou sentimentos exagerados (ou incompreensíveis) face à situação, diminuição do interesse por actividades que previamente lhes causavam grande ânimo ou alterações relacionais com o círculo de amigos mais próximos são sinais muito importantes que devem ser sinalizados.
Nestas situações, falem com o vosso médico assistente. Poderá não ser um profissional de saúde mental creditado, mas poderá sempre encaminhar-vos para o profissional certo, com uma referenciação atempada para quem de direito. A saúde mental é tão ou mais importante que a saúde orgânica. Tal como não lhe passaria pela cabeça ignorar uma perna partida, também não o faça face a estes sinais.
Um artigo da médica pediatra Joana Martins.
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