A médica Cecília Hirata e o responsável de logística Luís Medina, que passaram três meses em missão para os Médicos sem Fronteiras na região de Ituri, nordeste, adiantam que a desconfiança das populações e a insegurança na região continuam a representar grandes desafios ao combate à doença no terreno.
“Neste momento, os números das últimas semanas mostram que a epidemia está em recessão. Os números de casos confirmados cada semana tendem a diminuir bastante”, disse à agência Lusa Luís Medina.
O responsável de logística manifestou-se, por isso, “bastante otimista” que, “num espaço bastante curto”, a epidemia possa ser dada como terminada.
Assinalou, por outro lado, a imprevisibilidade dos ciclos epidemiológicos de Ébola.
“Basta uma pessoa que esteja contaminada que se muda para o centro de uma grande cidade para recomeçar outro ciclo de transmissão. É fácil haver altos e baixos, ainda que, ao que tudo indique, a epidemia está a perder força e tende a desaparecer nos próximos meses”, disse.
No mesmo sentido, a médica Cecília Hirata adiantou que os casos estão a “reduzir-se bastante”, apesar de a epidemia “ter durando muito mais do que o esperado”.
“Enquanto estávamos lá a epidemia mostrou-se em recessão. Na zona onde estávamos houve um aumento, mas em geral, os casos estão a reduzir-se bastante. Estamos bastantes otimistas”, disse.
Cecília Hirata, que geriu as equipas de apoio médico em quatro centros de atendimento médico na região, sublinhou a importância do trabalho realizado com as comunidades para o sucesso da missão.
Os acessos difíceis, os conflitos armados e a desconfiança das populações em relação às equipas de saúde foram as principais dificuldades relatadas pelos profissionais dos MSF.
“Há uma situação de segurança bastante tensa. Não é todos os dias que podemos ir a todos os locais. Há uma gestão do dia-a-dia” por causa da segurança, disse Luís Medina.
Por outro lado, Luís Medina sustenta que as populações nas zonas afetadas pela epidemia têm maior conhecimento da doença e das formas de transmissão, mas assinala que se mantém uma “desconfiança muito grande” em relação aos serviços de saúde.
“Essa desconfiança leva a que muita gente ainda hoje não se dirija aos centros de saúde, se dirijam a centros privados, onde possam evitar ser considerados suspeitos, ou a praticantes de medicina tradicional, que não seguem os mesmos parâmetros dos hospitais”, disse.
Para o profissional dos MSF, essa desconfiança assenta em vários fatores, mas sobretudo “na estranheza” por se verem alvo de atenção das autoridades.
“É uma zona habituada a estar abandonada e a ter cuidados de saúde muito precários e as populações não entendem o súbito interesse governamental naquela região e, depois, porque a doença entra em contradição com muitas práticas locais”, disse.
Como exemplo, apontou o facto de, a partir do momento em que alguém é suspeito de estar doente, perder todo o contacto físico com familiares, pessoas próximas e comunidades, inclusivamente durante os funerais em caso de morte.
Os dois profissionais da MSF participam hoje, no Porto, numa conversa aberta sobre Ébola após a exibição do documentário “Affliction – O Ébola na África Ocidental”.
Filmado na Libéria, na Serra Leoa e na Guiné-Conacri, o filme pretende mostrar o impacto da epidemia de Ébola de 2014-2016 na África Ocidental através “do olhar e das palavras das populações locais, de sobreviventes e de trabalhadores humanitários”.
Para Cecília Hirata, é importante sublinhar as diferenças entre as duas epidemias.
“Foi uma epidemia bastante diferente da atual da RDC. Acometeu muitas grandes cidades e, quando o Ébola atinge grandes cidades, a destruição é muito grande. No final há uma quantidade muito grande de doentes com uma mortalidade muito alta. Portanto, muito mais assustadora”, disse.
Segundo os dados oficiais, a epidemia na África Ocidental matou, pelo menos, 11.300 pessoas.
“A epidemia deste ano na RDC acometeu vilas menores e não de forma tão importante as grandes cidades”, apontou.
A atual epidemia de Ébola no leste do Congo foi declarada em agosto de 2018 e está a afetar zonas remotas e com vários conflitos nas províncias do Kivu Norte, Kivu Sul e Ituri.
Até ao momento foram registadas 2.185 mortes em 3.274 casos identificados, de acordo com as autoridades congolesas.
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