Obesidade, diabetes, colesterol e hipertensão. Provavelmente não é a primeira vez que está a ver estas palavras juntas. Afinal, podem ser encontradas lado a lado em jornais, revistas, notícias, redes sociais, materiais educativos e discursos, já que pessoas obesas sofrem riscos aumentados de complicações médicas. O que talvez (ninguém) se lembre – ou valorize – é que estas mesmas pessoas sofrem também com a discriminação social.
Frequentemente percebidos como preguiçosos, gulosos e indisciplinados, pessoas acima do peso estão expostas à discriminação no trabalho, nas escolas, nos serviços de saúde e até mesmo nas próprias famílias.
E o problema não é de hoje: um estudo realizado em 2015 no Reino Unido pela Crossland Employment Solicitors com mil empregadores, constatou que quase metade dos empregadores britânicos estão menos inclinados a recrutar um candidato obeso e que 61% estavam preocupados com os custos que estes podem proporcionar ao negócio. Na mesma pesquisa, pessoas com responsabilidade de recrutamento disseram frases como: "Eles não seriam capazes de fazer o trabalho" ou “Sinto que pessoas obesas não se importam com elas mesmas, então por que se importariam com o meu negócio”.
O cenário repete-se aqui e nas escolas. Em Portugal, segundo a APCOI, 65% das crianças obesas sofrem bullying escolar. Além do assédio praticado pelos colegas, também sofrem preconceito pelos professores.
Apesar do aumento da prevalência de obesidade nas últimas décadas, o preconceito ainda existe e de forma resistente: em adultos obesos a prevalência de discriminação é de 19-42% e mulheres e pessoas com maior índice de massa corporal sofrem mais discriminação de acordo com a “Declaração Conjunta do Consenso Internacional para Acabar com o Estigma da Obesidade” publicado em 2020 pela revista científica Nature Medicine.
A crença profunda e difundida de que a obesidade é uma escolha e que pode ser facilmente revertida por decisões voluntárias, como comer menos e praticar mais exercício, dificulta a alteração do cenário e perpetua preconceitos antigos, além de ter graves efeitos individuais e sociais.
A obesidade é multifatorial e não deve ser encarada como uma escolha
Quais são as consequências?
Quem sofre com excesso de peso pode ter problemas de saúde, não ter acesso à alimentação de qualidade, ter limitações para a prática de atividade física, falta de orientação sobre alimentação adequada ou sobre como perder peso. A obesidade é multifatorial e não deve ser encarada como uma escolha.
O preconceito puro e duro causa danos consideráveis aos indivíduos afetados, tem efeitos físicos e psicológicos. Neste contexto, a saúde mental fragilizada está associada a depressão, ansiedade, baixa autoestima e compulsão alimentar. Estudos referem que adolescentes magros quando comparados aos acima do peso têm maior probabilidade de vivenciar isolamento social e maior risco de vitimização relacional, verbal, cibernética e física.
A ideia de que a obesidade depende somente da falha pessoal vai além de consequências individuais. Enquanto sociedade, isso compromete políticas de saúde, confunde as mensagens nos canais de comunicação e prejudica o acesso a tratamentos por quem sofre com esta condição.
Embora consciencializar a população sobre as sequelas associadas ao estigma do peso seja fundamental, é preciso que a sociedade reconheça o problema como multifatorial. Por não ter uma causa única, apenas esforços conjuntos das partes interessadas são capazes de tratar quem sofre com o problema e de alterar o atual consenso sobre o assunto e os preconceitos associados.
A importância da abordagem multidisciplinar
A abordagem multidisciplinar refere-se a envolver mais de uma vertente para tratar o mesmo problema. Na obesidade, envolve tratamento clínico, como é comunicada à população, a viabilização de pesquisas, além de leis sobre o tema.
No contexto individual, esta abordagem por profissionais de saúde vem sendo estudada como uma estratégia eficaz para promover a perda de peso saudável e duradoura, tratar comorbidades e a relação do indivíduo com a alimentação e com a atividade física.
No contexto coletivo, os mesmos profissionais devem estar sensibilizados e exercer influência para informar diferentes partes do grupo de interesse, como decisores, políticos, empresas e grande público, para modificar o cenário atual. Médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e fisioterapeutas são alguns exemplos de profissionais que podem e devem fazer a diferença na caminhada, quer coletiva, quer individual, para a mudança de mentalidade.
Um artigo da nutricionista Renata Migueis.
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