Quando entrou no programa de televisão Peso Pesado, Susana Henriques era a concorrente mais obesa, com 170 Kg. Decidida a mudar de vida, em menos de um ano perdeu 100 Kg. Atualmente, Susana é personal trainer e descobriu o seu propósito na vida: ajudar o próximo. De permeio há uma história de resiliência, de superação de medos e de muitos obstáculos, no sentido literal do termo, mas também de muralhas emocionais.

Com base na sua história de vida, Susana Henriques deu aos escaparates o livro Tu és o teu único limite – 7 passos para transformares a tua vida (edição Manuscrito), pretexto para uma conversa com a mulher que, ainda adolescente, carecia de autoestima, amor pela vida e por si própria. Susana encontrou na comida conforto, embora também um círculo vicioso e a compulsão alimentar. Desse tempo nos dá conta nesta entrevista Susana, mas também de todo o seu processo de crescimento e superação, das pessoas de que se rodeou, das ferramentas que a ajudaram na mudança e de como, 11 anos após o início de um caminho, é uma pessoa diferente: “o único caminho é continuar a lutar numa busca constante pela melhor versão de mim”.

A Susana recorda cada grama de peso que tinha antes de entrar para o programa Peso Pesado. Exatamente 170 Kg e 900 g. Presumo que essa recordação não seja apenas física, mas também emocional. Que recordações lhe traz o momento em que decidiu participar no programa?

Aos 28 anos de idade, eu era uma obesa mórbida, triste, sem qualquer autoestima ou amor próprio. Eu já era fã da versão americana do programa e, por isso, quando surgiu o anúncio para o casting decidi arriscar. Tive a sorte de ser selecionada entre milhares de candidatos e por isso o único caminho a seguir foi agarrar a oportunidade com todas as minhas forças.

Uma frase muito em voga diz-nos que “somos aquilo que comemos”. Na realidade também comemos de acordo com aquilo que somos. Que Susana era a pessoa que chegou aos 170 Kg?

Durante muitos anos sofri de depressão e compulsão alimentar. Encontrei na comida uma forma de preencher uma certa necessidade de conforto.

Como já referi, era uma miúda triste, sem autoestima, sem amor pela vida e por mim própria. Durante muitos anos o prazer e o conforto que a comida me traziam eram superiores à dor de ter degradado a minha saúde e o meu corpo e por isso continuava no círculo vicioso que é a compulsão alimentar.

A decisão de uma mudança tão radical faz-se da soma de inúmeros passos. O que mudou na Susana para decidir o “é agora”?

Foi quando a dor de ter degradado a minha saúde e a minha autoestima se tornaram superiores ao prazer e ao conforto que a comida me trazia, que comecei a tentar mudar. Mas foi precisamente durante um dos primeiros desafios do programa Peso Pesado, quando tive que atravessar uma piscina de lama e fiquei enterrada, impotente, sem me conseguir mexer que percebi, que o momento era ali e agora, que tinha que lutar por mim, caso contrário, ficaria enterrada na lama, o resto da minha vida e jamais poderia permitir que isso acontecesse.

Durante muitos anos sofri de depressão e compulsão alimentar. Encontrei na comida uma forma de preencher uma certa necessidade de conforto.

No caso da Susana, conseguiu identificar as questões que a levaram à depressão e à compulsão por comida. Em muitas situações as pessoas sentem-se perdidas. Que palavras tem para essas pessoas?

Em primeiro lugar é fundamental reconhecer que temos um “problema”. É preciso largar a “negação” e não ter medo de pedir ajuda. É também importante questionar: a quem posso recorrer para ultrapassar isto que estou a viver? Quem é que eu conheço, que já passou pelo mesmo problema e que conseguiu dar a volta? De quem me posso rodear para ter a força necessária para ultrapassar este desafio?

Admitir que temos algo para resolver, pedir ajuda e rodear-nos das pessoas certas, são alguns dos passos que considero serem fundamentais quando enfrentamos um desafio do género.

Quais são as “ferramentas” que a ajudaram na mudança?

O foco no presente, no aqui e agora; fazer as pazes com o meu passado; enfrentar os meus medos olhos nos olhos; acreditar em mim, mesmo quando muita gente duvidou que eu seria capaz; substituir os maus hábitos que tinha e que em nada contribuíam para os meus objetivos por novos hábitos, mais saudáveis, congruentes com o que eu pretendia alcançar e deixando que esses hábitos se enraizassem de tal forma dentro de mim, que os velhos hábitos acabaram por morrer. A necessidade constante de superação diária, de tentar ser mais e melhor a cada dia também esteve sempre presente; a resiliência e o foco absoluto nas minhas intenções e no processo, mesmo quando surgiram obstáculos que pareciam intransponíveis. Rodear-me de pessoas que me ajudassem a superar-me e que acreditassem em mim, mesmo nos momentos em que eu duvidei.

No seu livro, a Susana fala-nos em encontrarmos o nosso propósito e elenca algumas perguntas que nos devemos colocar. Quer dar-nos alguns exemplos dessas perguntas?

“Há alimentos que enchem os nossos supermercados que são verdadeiras balas para as bactérias que nos curam” - Alexandra Vasconcelos
“Há alimentos que enchem os nossos supermercados que são verdadeiras balas para as bactérias que nos curam” - Alexandra Vasconcelos
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Claro. Existem tantas perguntas que nos podem ajudar a encontrar o nosso caminho. Entre as várias, presentes no livro, destaco as seguintes: O que te faz acordar e levantar da cama todas as manhãs?  Em que é que és realmente bom e fazes quase de forma natural?  O que é que as pessoas que te rodeiam dizem que tu fazes realmente bem? O que é que eu posso fazer e de que o mundo precise? O que farias mesmo sem receber qualquer valor monetário? Se não tivesses que te preocupar com o dinheiro, que profissão terias?

Presumo que as pessoas que estão ao nosso lado tenham um papel importante neste processo. De que pessoas nos devemos rodear?

Seja qual for o objetivo que tens na vida, é fundamental que te rodeies de pessoas que acreditem em ti; de pessoas que te incentivem a superar-te todos os dias e que te ajudem a manter o foco nos teus sonhos e planos; de pessoas que já atingiram o que tu queres atingir,

Na época em que participou no programa, a Susana não sentiu que a exposição perante o país e os comentários menos oportunos que possam ter surgido a fariam desanimar?

Claro. A exposição mediática que um programa desta dimensão traz fez-me inclusive questionar se a minha inscrição faria sentido ou não. Tinha plena convicção que por ter uma infância algo conturbada, que a minha história seria explorada pela imprensa e foi precisamente o que aconteceu.

Foram as pessoas mais próximas que me fizeram acreditar, que lutar pela minha saúde seria mais importante, que qualquer coisa que pudessem dizer a meu respeito e foi por isso mesmo, que decidi arriscar e inscrever-me.

Ouviu muitas palavras de encorajamento?

Ouvi muitas palavras de encorajamento, especialmente das pessoas mais próximas. Acreditaram, tal como eu, que aquela era a derradeira oportunidade para eu recuperar a minha saúde e para voltar a ser feliz e por isso deram-me todo o apoio e todo o carinho do mundo. E que grata sou a cada um deles.

No livro, a Susana afirma que durante 12 anos falharam as dietas restritivas. O problema estava nas dietas ou no comportamento da Susana perante as mesmas?

O problema estava no comportamento, no foco, na minha atitude perante as ditas dietas. Hoje em dia sou apologista de reeducação alimentar e mesmo com os meus alunos evito usar a palavra dieta. Aquilo que quero para eles é que aprendam a comer de forma saudável e equilibrada e que treinem bem. O objetivo é que esses novos hábitos sejam de tal forma treinados e estruturados, que vão acabar por se enraizar e deixa de ser um sacrifício para passar a ser um estilo de vida, pois só assim, conseguirão manter o peso durante longos períodos de tempo.

Seja qual for o objetivo que tens na vida, é fundamental que te rodeies de pessoas que acreditem em ti.

A perda de peso da Susana não se circunscreveu ao período em que participou no programa, manteve-se já em casa. Temeu o momento em que ficou sem rede? Como reagiu?

Quando fiquei sem rede ou, como costumo dizer, quando as luzes e as câmaras se desligaram eu estava absolutamente focada em continuar a cuidar de mim e talvez por isso tenha sido relativamente fácil resistir às tentações do “mundo real”.

No entanto, foram surgindo alguns desafios pelo caminho. Por exemplo, antes de abraçar a profissão de personal trainer, estive bastante tempo desempregada, passei fome, e vivi um início de bulimia nervosa. Não foi um caminho linear, foram surgindo várias pedras, que tive que aprender a usar como degraus, mantendo sempre o foco nas soluções, em mim e nos meus objetivos.

susana henriques
créditos: Manuscrito/André Cardoso

Nos anos que medeiam entre a sua entrada no programa e o momento atual, já como personal trainer, houve momentos em que sentiu fraquejar?

Tornar-me personal trainer veio aumentar ainda mais o meu foco e a vontade de continuar este caminho. Quero liderar pelo exemplo e continuar a ser uma inspiração para cada pessoa que me segue e passa no meu caminho principalmente, os meus alunos. É por eles, por todas as pessoas que se inspiram o meu caminho e pela minha mãe, que sei que continua algures lá no alto a olhar por mim que o único caminho é continuar a lutar numa busca constante pela melhor versão de mim.

Imagine que encontra um/uma leitora do seu livro e que essa pessoa lhe dirige algumas palavras sobre a obra. Que palavras a deixariam mais feliz?

Já aconteceu. Já comecei a receber feedback de pessoas que já leram o livro. Saber que o meu livro as inspirou, que as fez olhar para dentro e conhecerem-se melhor, que as fez partirem para ação e lutarem pelo que querem e acreditam enche-me o coração e faz toda a dedicação e todo o esforço valer a pena.

A minha principal intenção ao escrever este livro foi precisamente inspirar e mostrar que a partir do momento em que quebramos as amarras dos nossos limites, que somos gratos por tudo o que surge no nosso caminho e que lutamos pelo que queremos, sem medos e de coração aberto a vida torna-se mais leve e com outra luz.

Entrevista realizada por escrito em maio de 2022.