Nutre-nos nos momentos primeiros das nossas vidas e é elo entre o bebé e a mãe. Mais tarde, o leite há de seguir na lancheira da escola e acompanhará milhares de outros episódios das nossas vidas. Mas também o diabolizamos, procurando-lhe a inutilidade na dieta em idade adulta.
Não esquecemos outros "leites", os vegetais e aqueles que, sendo leite, um alimento não processado, escondem açúcar. Mais apetecíveis, mas menos interessantes no contexto de uma dieta equilibrada. Uma dieta que vale pela diversidade dos alimentos que ingerimos. O leite é mais um e rico em proteína, cálcio e fósforo.
O leite é um alimento interessante em termos nutricionais para o consumo na idade adulta?
Nenhum alimento deve ser analisado ou visto de forma isolada. A alimentação é um conjunto de alimentos ingeridos em quantidade e frequência diferente e é, nestes dois aspetos em conjunto, com o tipo de alimentos que ingerimos que está ou não o equilíbrio da alimentação que fazemos.
Dito isto, o leite, tal como os restantes alimentos, pode fazer parte de um plano alimentar equilibrado. É uma boa fonte de proteína, cálcio e fósforo.
A evidência científica mais recente sobre o leite diz-nos que este, consumido dentro das recomendações (ver tabela neste artigo), pode fazer parte de um plano alimentar equilibrado, referindo ainda que para indivíduos em que a qualidade da alimentação é pouco variada, em particular nas camadas sócio economicamente mais desfavorecidas, o leite representa um contributo nutricional importante, mas se a qualidade da dieta é boa, o leite pode não trazer nenhum benefício adicional.
Na realidade, será que por ser o primeiro alimento com o qual contactamos, nunca estamos “emocionalmente” preparados para deixar o leite?
Não consigo fundamentar se estamos preparados, ou não, para emocionalmente deixarmos o leite. Muitos indivíduos abandonam o consumo de leite porque não gostam deste ou passam a apreciar mais os seus derivados ou até por questões de intolerância à lactose que é normal que se desenvolva com a idade.
O leite representa um contributo importante em termos nutricionais, mas se a qualidade da dieta é boa, o leite pode não trazer nenhum benefício adicional.
Cada alimento vale por si mesmo e é diferente de todos os outros. Dizer que podemos substituir o leite por iogurtes ou outros lácteos equivale a dizer que é o mesmo que consumir leite?
Sim, os lacticínios são equivalentes entre si, enquanto fornecedores dos nutrientes antes referidos, embora os iogurtes e os queijos, por serem fermentados, apresentem algumas vantagens, como o facto de terem um conteúdo em lactose reduzido.
Em 2018, a revista científica The Lancet publicou um estudo que defendia que indivíduos que bebiam vários copos de leite por dia viam reduzir o risco de certas doenças. Até que ponto temos no leite este aliado contra a doença?
Podemos citar muitos estudos que procuram avaliar a interação entre o consumo de diferentes alimentos e a saúde. No entanto, há que recordar que esta associação nunca deve de ser feita de forma isolada, considerando um único alimento, pois como já referi a alimentação refere-se sempre a um conjunto de alimentos.
Acresce que estes efeitos do consumo de leite na saúde dependem muito dos alimentos com que são comparados, mostrando mais uma vez a evidência, que quando comparamos o consumo de leite com carnes vermelhas ou processadas e bebidas açúcares, os resultados são favoráveis, mas quando comparamos com alimentos de origem vegetal são menos favoráveis.
Leite gordo, meio gordo ou magro. Será que é no meio que está a virtude?
A evidência científica mais recente refere que, de facto, não parece existir benefício no consumo de lacticínios magros, porque tudo depende do que é o consumo alimentar geral do indivíduo. O leite gordo tem 3 g de gordura por 100 ml, contra quase 0 no leite magro. É uma diferença muito pequena. Não há vantagem em ingerirmos leite magro se de seguida consumimos um bife de vaca que pode ter 20 ou 30 g de gordura; ou se apesar do leite magro que bebo, de seguida ingerir um refrigerante. Fará pouco sentido cortar na gordura do leite se outros aspetos do meu padrão alimentar são desequilibrados.
A evidência científica mais recente refere que, de facto, não parece existir benefício no consumo de lacticínios magros, porque tudo depende do que é o consumo alimentar geral do indivíduo.
Não é um contrassenso termos leites sem lactose?
A intolerância à lactose, afeta uma percentagem significativa da população adulta. Esta é uma das vantagens da tecnologia, para quem gosta de leite e quer continuar a tê-lo na sua alimentação, poder usufruir dele sem as consequências da sua condição de intolerante.
Numa perspetiva do consumidor, o que devemos de considerar como importante quando lemos um rótulo numa embalagem de leite?
O leite tem sempre a mesma composição, variando apenas na quantidade de gordura. É um alimento com um grau mínimo de processamento que tem que ver apenas com a necessidade de nos garantir segurança do ponto de vista microbiológico. Não é um alimento processado ao qual são adicionados outros ingredientes, com exceção, nalguns tipos de leite o açúcar. Desta forma, esse será o único cuidado, o de confirmar que não estamos a adquirir leite com açúcar adicionado, o que só acontecerá para alguns produtos específicos. A grande maioria do leite que existe no mercado é leite. Nada mais. Comprar leite de origem nacional também será uma boa prática.
Se fizermos uma pesquisa em supermercados online vemos que há dezenas de tipos de leites. Um dos públicos visados é o infantil, por exemplo com leites de crescimento. Há razão para consumir estes leites, ou é uma forma de as marcas manterem a chama acesa para o consumo de leite em diferentes etapas do crescimento?
Os leites de crescimento não têm grandes vantagens. Normalmente são enriquecidos em ferro, o que faz pouco sentido num alimento como o leite. Se as crianças fizerem uma alimentação equilibrada, e este deveria de ser o princípio, não é necessário suplementação. É também comum a substituição de gordura animal [própria do leite] por gordura vegetal. Como referi há pouco, a quantidade de gordura (mesmo no gordo e ainda que saturada) é baixa, não faz sentido substituí-la, considerando naturalmente o leite no contexto de uma alimentação equilibrada.
A maior preocupação com estes tipos de leite é terem açúcares adicionados ou, na ausência destes, edulcorantes que promovem a apetência para o sabor doce que nos irá condicionar para o resto da vida em termos de hábitos alimentares.
Os leites de crescimento não têm grandes vantagens. Normalmente são enriquecidos em ferro, o que faz pouco sentido num alimento como o leite.
Por que chamamos leite a bebidas vegetais?
Chamamos leite porque procuram mimetizar o leite em termos de aparência, forma de consumo e valor nutricional. São, tal como o leite sem lactose, uma alternativa para quem tem problemas de intolerância. Também constituem uma alternativa para os indivíduos que optam por uma alimentação sem produtos de origem animal. A sua principal vantagem é o tipo de gorduras que têm, sendo que, volto a referir a alimentação como um todo deve ser equilibrada e não se resolve com apenas um alimento.
Em concreto, sobre estas bebidas, são verdadeiramente um bem alimentar essencial?
Não diria que são um bem essencial, assim como o leite também não o é.
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.
Cláudia Viegas é Professora Adjunta na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa. Os seus principais interesses de investigação estão relacionados com Alimentação em contexto de Hotelaria e Restauração na relação com a Saúde Pública, Promoção e Proteção da Saúde e Estilos de Vida.
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