Penso que estarei certo em dizer que todos vocês conhecem o jogo das cadeiras, correto? Imaginem nove cadeiras colocadas numa disposição em circulo e dez pessoas que vão rodando em torno desse circulo enquanto a música durar. E quando esta parar as pessoas têm de se sentar o mais rapidamente possível e perde aquele que não se conseguir sentar. Está recordado?

Agora imagine que no jogo está alguma pessoa autista. Quem é que pensa que será o primeiro a perder? Quem é que pensa que nunca vai ganhar? E já agora, porquê? E por que é que me fui lembrar disto? Para poder falar da questão da empregabilidade no Espectro do Autismo. Parece-lhe uma ideia rebuscada? Vai ver que não é assim tão descabido!

Em Portugal não sabemos o número de pessoas adultas com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Além de não sabermos quais destas pessoas com esta condição é que, 1) estão empregadas, 2) com um contrato de trabalho, 3) têm remuneração adequada, 4) trabalham a tempo inteiro ou part-time, 5) em que áreas, 6) se estão a ter algum tipo de acompanhamento, 7) passaram por algum processo anterior de integração, ou 8) se estão a gostar do que estão a fazer.

Como podemos ver há muita coisa que não sabemos na vida das pessoas adultas autistas. E como não o sabemos procurarmos fazer o nosso trabalho com base em previsões.

Portanto, podemos dizer que devem existir em Portugal uma prevalência de 1 em cada 100 pessoas adultas que são autistas. Sendo que, 1) uma percentagem inferior a 40% estará empregada, 2) apenas 25% terá um contrato de trabalho, 3) terão uma remuneração inferior aos seus pares no desempenho das mesmas funções, 4) a grande maioria trabalha em part-time ou estágio não remunerado, 5) nas áreas do comércio de grande retalho, mas também como professores, informáticos, engenheiros, investigadores, economistas, etc., 6) a grande maioria não tem acompanhamento no local de trabalho, 7) além de não terem tido um processo de integração, ou 8) não me atrevo a adivinhar sobre a sua felicidade, mas presumo que a mesma possa estar afetada.

Apesar desta previsão fiquem cientes que se continua a não saber muito sobre os autistas adultos e, principalmente, nesta área da integração sócio-profissional.

Claro que há instituições que têm estado e vão continuar a fazer um excelente trabalho neste âmbito. Penso por exemplo, no trabalho da APSA (Associação Portuguesa da Síndrome de Asperger) ou na FPA (Federação Portuguesa de Autismo), entre outras.

Claro que há outras instituições nomeadamente o PIN - Em todas as fases da vida, que tem vindo a procurar caminhar neste mesmo sentido. E, principalmente, refletindo sobre aspetos importantes em relação a todo este processo.

Mas gostava de pensar de uma forma mais holística em relação a todo este processo. E digo-vos porquê. Quando se fala da empregabilidade, seja especificamente no Espectro do Autismo, ou de forma mais abrangente na deficiência, fico sempre a pensar no porquê de separar esta discussão das outras pessoas.

Aceito que existam cotas para a empregabilidade de pessoas com deficiência e neste caso especifico com incapacidade aferida igual ou superior a 60%, tal como descrito na lei 4/2019. Mas penso no que havemos de fazer às pessoas que, apresentando algum nível de incapacidade inferior a este valor, ou no caso das pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo (nível 1), que na maior parte das vezes não cumprem critérios para esse mesmo valor.

O que fazemos a estas pessoas? Vamos coloca-las a concorrer em pé de igualdade na entrada no mercado de trabalho? E já agora, estamos cientes de como o mercado não está preparado para muitas destas pessoas?

Por exemplo, começando no próprio processo de formação, seja a nível profissional ou superior. As pessoas têm a sua formação, mas depois não foi pensado em todo um conjunto de competências igualmente importante para serem competitivos. Isto do ponto de vista da pessoa. Mas também não foi ainda pensado nas adequações que o próprio mercado de trabalho precisa de fazer para integrar a neurodiversidade.

E olhe que com este conceito de neurodiversidade, não estamos a apenas a falar das pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo, Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção, Dificuldades Especificas da Aprendizagem ou outras perturbações.

Estamos a falar de todos nós, pessoas com um determinado perfil de funcionamento que está mais adaptado ao processamento de determinado tipo de informação e realização de tarefas.

Sejam as pessoas no Espectro do Autismo, mas não só, são muitos os candidatos ao mercado de trabalho que estão em deficit nas competências sociais e nas soft skills ou nas competências de resolução colaborativa de problemas.

Perguntem aos recrutadores, gestores de recursos humanos e responsáveis das empresas. Como tal, o próprio processo de recrutamento acaba por ser extremamente seletivo, mais do que aquilo que deveria ser. Ou seja, os candidatos, seja no envio do seu Curriculum vitae, carta de motivação, mas também na preparação para a entrevista de emprego.

São muitos aqueles que infelizmente ficam por terra. Infelizmente, porque são pessoas com grande competência, mas a este nível não estão suficientemente adaptados. Nem o mercado de trabalho o está no seu processo de recrutamento que se quer cada vez mais inclusivo. E aqui com o inclusivo chamo a atenção que não é apenas para as pessoas com algum tipo de deficiência, mas sim para todos.

Mas claro que este recrutamento enquanto não for inclusivo irá continuar a pontuar negativamente as pessoas que apresentem maior dificuldade na interacção e na comunicação social. O que nos leva a pensar rapidamente nas pessoas autistas.

Seja pela questão do contacto ocular, mas também ao nível da comunicação verbal e não verbal, com uma menor expressividade facial. Mas também com algumas questões na compreensão mais literal das questões e na compreensão das pistas sociais.

Situações que ocorrem em várias situações sociais e também aqui nas entrevistas de emprego. Ou seja, continuam a ser muitas as pessoas autistas, dentro daquelas que conseguem ir a uma entrevista de emprego que não conseguem passar essa barreira.