Pensemos no organismo humano como se fosse um país. Formado por milhões de células, habitado por dezenas de órgãos, visitado diariamente por forasteiros de todo o tipo como o ar, o pó, os sons, os cheiros e os sabores. E protegido pelo sistema imunitário, um sistema de defesa sempre pronto a reagir a uma eventual ameaça.

Uma pessoa com alergia é um país cujo sistema de defesa tem problemas em distinguir os forasteiros amigos dos que são perigosos.

Como tal, ao ser visitado por algumas substâncias estranhas inofensivas, reage defensivamente, criando uma reação alérgica. Em Portugal, oito por cento das crianças sofrem de alergias alimentares. Para os sistemas imunitários destes organismos em início de desenvolvimento, alguns alimentos são inimigos a abater, apesar de fornecerem nutrientes indispensáveis ao seu crescimento equilibrado.

Quais os forasteiros a que deve estar mais atento? Como minimizar o risco de uma reação alérgica? O que fazer se ela chegar a acontecer? Se é pai ou familiar de uma destas crianças, saiba que, na maioria dos casos, as alergias alimentares desaparecem com o crescimento. Mas até lá, siga os nossos conselhos e aprenda a lidar com os problemas decorrentes dos erros de leitura do sistema imunitário.

Principais agressores

O leite e o ovo são os alimentos a que mais crianças são alérgicas em Portugal, de acordo com Filomena Falcão, alergologista e autora do livro «Não consigo parar de espirrar».

O peixe é o terceiro da lista, seguido de alergias mais comuns a partir da idade escolar, como marisco e frutos secos.

Embora a tendência seja a diminuição das alergias ao longo da vida, a incidência de alergias alimentares tem vindo a aumentar.

Este fenómeno é explicado, segundo a autora, pelas mudanças observadas nos hábitos alimentares. «Atualmente comemos mais alimentos processados, que nos chegam aos pratos excessivamente manipulados, com aditivos de toda a espécie», lê-se no seu livro. Corantes, conservantes, antioxidantes e intensificadores de sabor são algumas das substâncias sintéticas novas potencialmente inimigas do sistema imunitário.

Um problema social

A explicação de Filomena Falcão evidencia a relação entre as alergias alimentares e o contexto social e cultural. Por exemplo, nos Estados Unidos da América, uma em cada 17 crianças sofre de alguma alergia alimentar. De acordo com a associação sem fins lucrativos Kids With Food Allergies (KWFA), oito alimentos (leite de vaca, ovos, amendoins, trigo, soja, peixe, crustáceos e nozes) são responsáveis por 90 por cento dos casos de alergia infantil.

Entre nós, os casos das alergias à proteína do leite de vaca e ao amendoim ilustram bem esta questão. Muito frequente nos Estados Unidos da América e em França, a alergia ao amendoim está a tornar-se cada vez mais frequente no nosso país. Já a alergia à proteína do leite de vaca é a mais comum entre as crianças dos países desenvolvidos, alerta Filomena Falcão.

Os sintomas

As alergias alimentares manifestam-se de forma diferente dependendo da pessoa, mesmo em casos de alergia ao mesmo alimento.

Os sintomas, de acordo com a KWFA, podem ser cutâneos, respiratórios, gastrointestinais, entre outros. Consulte a lista dos principais sinais de alarme já a seguir para que possa estar devidamente preparado para identificar alguns dos sintomas mais comuns:


Cutâneos

- Rosácea
- Comichão
- Vermelhidão

- Inchaço

- Borbulhas

- Prurido labial, da língua ou do palato
- Inchaço dos lábios, língua e parte de trás da garganta (úvula)

- Prurido à volta dos olhos

- Vermelhidão e inchaço dos olhos

- Lacrimejo

Respiratórios

- Prurido e estreitamento da garganta
- Dificuldade em engolir
- Alteração da voz
- Rouquidão
- Tosse seca

- Respiração difícil e sonora
- Prurido nos canais exteriores do ouvido

- Respiração mais curta que o habitual

- Sensação de pressão ou aperto no peito
- Tosse e pieira
- Prurido no nariz
- Corrimento nasal
- Congestão nasal
- Espirros

Gastrointestinais

- Náusea
- Dor abdominal
- Vómitos
- Diarreia

O que acontece quando ocorre a alergia

Embora os sintomas possam diferir caso a caso, o processo biológico que os acciona é comum a todas as pessoas com alergia alimentar, como explica a KWFA.

A primeira vez que uma criança com alergia ingere um alimento com uma proteína considerada agressora, o seu sistema imunitário responde criando anticorpos de defesa contra o agressor, numa tentativa de o expulsar do organismo (uma substância chamada imunoglobina E, ou IgE).

A partir daí, de cada vez que o mesmo alimento voltar a ser ingerido, os anti-corpos irão reconhecê-lo e libertar na corrente sanguínea substâncias químicas como a histamina, produzindo uma reação alérgica.

Nos casos mais extremos, a alergia pode manifestar-se através de uma reação anafilática, isto é, envolver inúmeros órgãos do corpo e por em causa a vida da criança. Mais uma vez, os sintomas são variáveis, podendo ocorrer logo após a ingestão do alimento ou até várias horas depois.

O meu filho será alérgico?

Se suspeita que o seu filho é alérgico a algum alimento, o primeiro passo será afastar esse alimento da sua dieta.

O passo seguinte será dirigir-se ao pediatra e apresentar-lhe a situação ou ir diretamente a um alergologista.

Segundo Filomena Falcão, os meios de diagnóstico utilizados para detetar uma alergia alimentar vão desde análises ao sangue a baterias de testes cutâneos. No entanto, o processo não é linear.

As fontes possíveis de alergia são inúmeras e é comum os resultados dos testes cutâneos e análises ao sangue serem «falsos positivos». Estes fatores reforçam a importância da história da criança como elemento central do diagnóstico. Informações como a data de início da reação, as queixas e sintomas exatos, o que a criança tinha comido no dia ou dia(s) anterior(es) podem ajudar a determinar os alimentos considerados suspeitos.

Exercite a sua capacidade de observação e tome notas. Outro fator a ter em conta é a hereditariedade, já que quando os pais têm uma alergia, os filhos têm 60 a 80 por cento de probabilidade de também a terem. No entanto, nem todas as crianças com familiares alérgicos desenvolvem alergias e, por outro lado, 25 por cento das crianças alérgicas não têm antecedentes familiares.

Como posso tratar o meu filho?

Em caso de alergia alimentar, é imperativo que a criança elimine na totalidade o contacto com as substâncias alergéneas que o seu sistema imunitário não tolera. Isto implica deixar de consumir não apenas os alimentos a que é alérgica, como todos os outros que tenham na sua constituição alguma daquelas substâncias.

Aprender a ler rótulos é, como consequência, uma capacidade que terá que adquirir. Além da lista de ingredientes, deverá tomar atenção aos avisos pode conter e a outros ingredientes ocultos.

Estas medidas aplicam-se também a medicamentos e a produtos de higiene como sabonetes, champôs, loções, entre outros, que poderão conter os mesmos alergéneos. A reatividade cruzada entre alimentos da mesma família (por exemplo, camarão, lagosta e caranguejo) ou de famílias diferentes é, também, uma possibilidade em relação à qual se deve precaver, aconselhando-se junto do alergologista.

Kit de emergência

Uma outra competência que poderá ter que adquirir é a de injetar uma dose precisa de adrenalina na perna do seu filho, em caso de choque anafilático. Trata-se de um gesto que lhe poderá salvar a vida, já que o medicamento reverte o choque, acelerando o coração para que mais sangue entre na circulação.

Segundo o livro «Não consigo parar de espirrar», se houver risco de o seu filho vir a sofrer de uma crise deste género, o alergologista prescrever-lhe-á um kit de emergência composto por uma caneta-seringa, uma agulha e a dose precisa de adrenalina.

Texto: Rita Miguel