Perder o controlo da bexiga
A incontinência urinária (I.U.) é uma situação patológica que resulta da incapacidade em armazenar e controlar a saída da urina. Em Portugal estima-se que 15 por cento da população masculina e 40 por cento da população feminina seja afetada por este problema.
A incontinência urinária acarreta custos e despesas enormes e é um aspeto económico que se vai agravar nos próximos anos, já que se assiste a uma tendência de maior longevidade populacional.
O tratamento da incontinência em geral é mais caro para a sociedade que por exemplo o tratamento de cancro da mama ou que o programa de transplantação renal.
A percentagem de doentes que recorrem ao médico por problemas de incontinência comparada com a percentagem dos que se automedicam ou autoprotegem é de apenas 10 por cento, o que é grave, visto que hoje dispomos de armas terapêuticas capazes de curar ou controlar a maior parte das situações.
Por este motivo os doentes devem procurar ajuda e perceber que a incontinência urinária corresponde a uma situação clínica com tratamento, sobretudo se abordada na fase inicial.
As mulheres em idade ativa são mais afetadas
A incontinência urinária pode ser descrita como uma condição patológica. No entanto, a International Continence Society (ICS) vai mais longe na sua definição, afirmando que, para além de ser um problema de saúde e de higiene, a perda de urina é uma situação com repercussões a nível social e pessoal.
Muito embora a incontinência urinária seja transversal a ambos os sexos e a todas as idades, o grupo de mulheres em fase ativa – entre os 45 e os 65 anos – é aquele onde o problema assume um caráter mais marcante. Em termos comparativos, nestas faixas etárias, por cada três mulheres existe um homem afetado pela doença.
E por que razão esta situação atinge mais predominantemente as mulheres nestas idades? A justificação reside na anatomia do períneo da mulher. Os partos podem constituir um traumatismo que debilita as estruturas musculares; a obesidade e a obstipação são igualmente fatores de risco.
Duas faces da mesma moeda
A incontinência urinária pode ser dividida em dois grupos: incontinência de esforço e incontinência de imperiosidade. O primeiro caso – mais prevalecente em mulheres entre os 45 e 65 anos – decorre da fragilidade dos músculos pélvicos que suportam a bexiga e a uretra.
Em circunstâncias de maior esforço, como tossir, saltar, correr, espirrar e levantar pesos, a pressão abdominal aumenta e o esfíncter (válvula responsável pela retenção da urina na bexiga) perde a força e deixa escapar a urina.
Nos homens este problema pode derivar da prostatectomia radical (utilizado para tratamento do cancro da próstata). Como a próstata se encontra numa situação anatómica crítica (entre a bexiga e o esfíncter), a cirurgia pode danificar o esfíncter, provocando uma situação de incontinência de esforço.
No segundo caso, incontinência por urgência ou imperiosidade, como o próprio nome indica, resulta da vontade súbita e incontrolável de urinar.
Este tipo de incontinência pode estar relacionado com o envelhecimento e o avanço da idade, mas também surge em idades mais jovens, associado a doenças neurológicas ou muitas vezes sem causas identificáveis.
O quadro de imperiosidade (urgência) da incontinência urinária é uma situação dramática, na medida em que condiciona o dia a dia das pessoas.
Há doentes que se mantêm sempre atentos ao local onde há uma casa de banho e outros que, devido à aflição, traçam um roteiro dos sanitários por onde vão passar.
Uma herança pesada
A incontinência urinária, sobretudo na mulher, é um grave problema cultural. Como a mãe e a avó também sofreram da mesma doença, assume-se a incontinência urinária como uma herança.
O fator familiar expõe a ideia de que é algo natural e, por isso, deve ser encarado como um fardo. Assim a mulher vai protelando a solução e tenta adaptar o seu dia a dia, até ao ponto em que começa a estar atada e condicionada por esta situação.
Como se trata de um assunto que toca a intimidade da pessoa, a incontinência urinária ainda é encarada como um tabu que condiciona a vida do doente a vários níveis: pessoal, familiar, social e laboral.
Este problema pode conduzir a uma fuga do contacto social e ao isolamento, porque está sempre presente o medo e a vergonha de que os outros sintam o cheiro. Pode afetar também a relação conjugal, uma vez que a intimidade do casal é prejudicada.
Conhecer o tipo de incontinência
O diagnóstico da incontinência urinária tem início no historial clínico do doente, que descreve em que condições sofre perdas de urina.
Para que se possa optar pelo tratamento mais adequado tem de se fazer um diagnóstico assertivo dos mecanismos e circunstâncias que promovem a incontinência urinária.
Após a caracterização dos sintomas, um exame físico dirigido com pequenas manobras que tentam mimetizar a perda de urina, dá uma orientação de diagnóstico já bastante preciso.
Os exames complementares passam por uma ecografia, análises gerais e uma citologia urinária. Estes atos estão perfeitamente ao alcance do Médico de Família que, como em todos os grandes problemas de Saúde Pública, tem aqui um papel primordial. Para desencadear o tratamento da esmagadora maioria dos doentes não são necessários outros exames.
O Médico de Família pode, nesta fase, orientar para terapêutica oral e fisioterapia as situações de incontinência urinária de imperiosidade. Na incontinência de esforço a orientação pode ser feita para fisioterapia ou, nos casos mais graves, cirurgia.
Cirurgia para a incontinência de esforço em dez minutos
O tratamento cirúrgico mais utilizado na incontinência de esforço consiste na colocação de pequenas redes, de material sintético, sob a uretra. Estas são colocadas por via vaginal, através de uma pequena incisão com cerca de um centímetro.
O TVT – o primeiro método utilizado – baseia-se na colocação de uma fita por dois orifícios na pele suprapúbica, com meio centímetro. A colocação das fitas confere algum risco de perfuração vesical e órgãos intrabdominais.
Numa outra técnica as ditas redes não se exteriorizam na zona suprapúbica, mas sim na raiz da coxa. Após a realização do trajeto, chamado transobturador, é possível diminuir ou anular a probabilidade de atingir inadvertidamente alguns órgãos.
A última geração destes dispositivos já não necessita de um orifício de saída, sendo colocados e fixados apenas com uma incisão vaginal, o que diminui a morbilidade da cirurgia e permite a sua execução em escassos minutos (cinco a dez).
Também os homens submetidos a prostatectomia radical que ficaram incontinentes podem ser tratados com redes suburetrais para a incontinência urinária de esforço.
Quando estas técnicas não permitem curar a incontinência urinária de esforço, é possível proceder a colocação de aparelhos mais complexos, designados por esfíncteres urinários artificiais. O emprego deste mecanismo representa um maior desafio técnico, dado o maior risco de morbilidade associado, sendo por isso reservado para casos particulares.
Cura possível em 90 por cento dos casos
O tratamento cirúrgico desempenha um papel preponderante na incontinência urinária de esforço, tanto na mulher, como no homem. Para a incontinência urinária de esforço a cura é possível em cerca de 90 por cento dos casos.
Na incontinência urinária por imperiosidade a taxa de sucesso dos antimuscarínicos (tratamento de primeira linha, cuja ação estabiliza o músculo vesical – o detrusor - inibindo a sua contração involuntária) situa-se nos 80 por cento.
As alterações comportamentais necessárias, principalmente na incontinência por imperiosidade, passam por um controlo da ingestão de líquidos, a exclusão de alimentos excitantes para a bexiga, como por exemplo a cafeína, a micção temporizada ou a micção diferida, consoante a gravidade da doença e a autonomia do doente.
Números da incontinência urinária
Mais de 60 milhões de pessoas, em todo o mundo, sofrem de incontinência urinária. Estudos realizados na população portuguesa apontam para a existência de 600 mil incontinentes nos diferentes segmentos etários.
Entre os 45 e os 65 anos a proporção de casos de incontinência urinária é de 3 mulheres para cada homem. 50 por cento das pessoas institucionalizadas sofrem de incontinência urinária.
Apenas 10 por cento da população faz tratamento medicamentoso. A taxa de cura da incontinência de esforço é de 90 por cento.
Março 2011
Professor Doutor Paulo Dinis
Serviço de Urologia do Hospital de São João
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