«O avô é simpático, bonito e amigo! A avó é muito linda e divertida. Gosto muito da avó!» É assim que João (5 anos) define os avós, com quem gosta de brincar especialmente aos fins-de-semana. «Gosto de subir às árvores, de andar de mota com o avô e de ouvir histórias».
Numa altura em que o conceito de família tem sofrido várias evoluções, será que o papel dos avós continua intacto?
«Desde que presentes na vida das crianças, o papel dos avós nas famílias não tem sofrido grandes modificações», refere a psicóloga Teresa Lobato de Faria. «O mesmo não se pode dizer em relação à relevância atribuída a alguns destes papéis que se tem modificado em função da evolução da sociedade».
Para a psicóloga, o papel mais relevante e nobre será sempre o de cuidar ou de substituir os pais quando estes não podem estar presentes, transmitindo segurança, valores, crenças, conhecimento e tradições. «Em todos os tempos sabemos da importância dos avós no encantar e ensinar através de histórias».
Tempo de ouro
Hoje valorizam-se papéis que antes ficavam para segundo plano, sobretudo relacionados com a capacidade de saber ter tempo: «Tempo para ouvir, para conversar, para observar, para brincar, para cozinhar, para pescar, para representar, para passear. Tempo para tudo e até para não fazer nada. Esta disponibilidade que, muitas vezes, só os avós possuem, transmite uma tranquilidade e segurança que será de extrema importância na formação das crianças e na sua capacidade de enfrentar esta sociedade dita “sem tempo”», frisa Teresa Lobato de Faria.
Novos desafios
Se antigamente era comum as famílias serem numerosas, os avós terem um lugar cativo no seio familiar e, logo, mais tempo para cuidar dos netos, hoje em dia as famílias são mais pequenas – muitas até monoparentais – e muitos avós mantêm até mais tarde uma vida activa. Será que ainda sobra tempo para cuidar dos netos?
Para a psicóloga Alcina Rosa, «cuidar de uma criança é uma tarefa complexa e desafiadora, que pode influenciar as relações entre as pessoas». Apesar do contacto com os avós ser bastante benéfico, esta é uma decisão que deverá ser bem ponderada.
Conta, peso e medida
Se inicialmente os avós até podem ter boas intenções ao se disponibilizarem para cuidar dos netos, mais cedo ou mais tarde, podem correr o risco de se cansarem, de ficarem presos a essa tarefa, o que se pode reflectir na própria vida do casal.
«É natural que os avós fiquem contentes no início, mas passado algum tempo podem começar a desejar ter mais descanso, fazer algo que não puderam enquanto jovens. Com os netos a vida de casal pode ficar comprometida», refere Alcina Rosa.
«É importante ter consciência deste factor e ficar sensível à situação», lembra a psicóloga que aconselha, nestas situações, os avós a «ter uma conversa franca com o filho(a) e explicar o que está a acontecer».
Esta informação deve ser dita com cuidado, para não ferir susceptibilidades. «O tema pode ser introduzido aos poucos. Podem sugerir que a criança comece a ir ao infantário só da parte da tarde», exemplifica.
Mil e um mimos
A falta de tempo para cuidar dos netos não é o único factor de tensões familiares. Os mimos que os avós tanto gostam de dar podem tirar os pais do sério e criar alguns problemas.
«A influência positiva dos avós pode ser traída por comportamentos de demasiada permissividade ou de desrespeito para com as regras impostas pelos pais», alerta Teresa Lobato de Faria.
«Os mimos são imprescindíveis no desenvolvimento saudável das crianças e passam por manifestações de afecto e respeito pela criança, transmitindo segurança e desenvolvendo a auto-estima. Não passam por fazer tudo o que a criança pede ou deseja, transmitindo assim a ideia que o amor e o bem-estar dependem da plena realização dos nossos desejos a qualquer preço», alerta a psicóloga.
Mais tarde, as crianças «não encontrarão o padrão de permissividade preconizada pelos avós e viverão em frustração e sofrimento até conseguirem aprender e aceitar as verdadeiras regras das relações sociais gratificantes», ilustra.
Regras do jogo
Os problemas frequentes com os avós podem surgir quando lhes é atribuído demasiado espaço na educação e existe a percepção de incompetência na forma como os netos são educados.
Teresa Lobato de Faria exemplifica: «a percepção de que os pais são demasiado jovens, a presença de discórdias nas formas de educar ou no facto dos avós passarem demasiado tempo com os netos e assumirem-se erradamente como pais».
Na opinião de Alcina Rosa, uma das soluções passa por estabelecer os limites. «É importante definir um esquema de regras que deve ser cumprido. Os avós são naturalmente mais permissivos, mas as crianças devem ter as mesmas regras nas duas casas», recorda.
A especialista deixa ainda uma regra essencial para o diálogo com os avós: «cabe ao pai/mãe falar com o respectivo pai/mãe. Posso zangar-me com a minha mãe e mais tarde acabamos por fazer as pazes. O mesmo já não se pode dizer da relação nora/sogra, o que pode até gerar tensões no casal».
Emoções na balança
O convívio com os avós é sempre desejado desde que, reforça Teresa Lobato de Faria, «a relação seja saudável e construtiva. O cuidado está na quantidade de tempo que passam com os avós».
Se os pais estão presentes e têm casa própria, é desejável que a criança passe com os estes, no mínimo, o mesmo tempo que passa com os avós. «Senão arriscamo nos a criar conflitos na educação, onde pais e avós se sentem com igual autoridade face às crianças, que por sua vez ficam confusas, sem saber a quem obedecer», alerta Teresa Lobato de Faria.
«A criança precisa de uma boa definição de papéis, para se sentir segura no seu dia-a-dia e na sua vida. A ideia de que a criança pequena dorme em casa dos avós durante a semana devido à proximidade da escola provoca dificuldades de adaptação social, emocional e académica na pré-adolescência, quando os pais resolvem que é tempo de viver com os filhos», diz a especialista, sublinhando que «o convívio permanente com os pais pode tornar-se artificial e difícil».
A separação dos netos também pode não ser fácil para os avós. «Ter de enfrentar a situação pode fazer com que vivam novamente a síndrome do “ninho vazio”, já experimentada quando os próprios filhos saíram de casa», adverte a psicóloga.
Papel central
Apesar das dificuldades que possam surgir, o contacto entre as gerações pode «desenvolver a união familiar, a transmissão de valores, crenças e tradições, assim como a aquisição de experiências e conhecimentos, imprescindíveis para um desenvolvimento seguro da criança do ponto de vista emocional e social», afirma Teresa Lobato de Faria.
Além disso, os avós são os verdadeiros guardiões das histórias de família e há características, segredos e histórias dos pais que só eles conhecem. Para Teresa Lobato de Faria, «quem tem a sorte de ter uma avó ou um avô contador de histórias, verdadeiras ou imaginadas, tem para sempre a riqueza de momentos mágicos onde a imaginação fértil dos tenros anos nos projecta imagens encantadas, para sempre gravadas na memória.»
Ser avô é...
Dar o exemplo Aproveite a sua experiência de vida para passar valores importantes aos mais novos.
Apoiá-los nos estudos Ajude os seus netos nos trabalhos de casa, mas estimule-os a descobrirem por si próprios as soluções para os problemas.
Participar na vida escolar Marque presença nas festas de final do ano ou nos eventos escolares ou desportivos abertos à família.
Despertar-lhes a curiosidade Leve os seus netos a eventos culturais ou a experimentar novas actividades.
Uma tarde num museu, seguida de uma sessão de pintura com aguarelas em casa, pode ser bem divertido.
Partilhar e brincar Proponha actividades que desenvolvam as capacidades dos mais novos, como jogos que envolvam letras ou números. Aproveite para dar a conhecer jogos tradicionais e mostrar-lhes que é possível divertir-se longe da consola ou da televisão.
Como fomentar os laços quando os avós vivem longe
1. Um telefonema esporádico nem sempre basta para cimentar laços afectivos. Tire partido das novas tecnologias e estimule a partilha de fotografias ou vídeos online.
2. Faça com que as crianças passem «tempo de qualidade» sempre que estão em casa dos avós.
3. Dê uso ao Skype, um software que permite chamadas telefónicas gratuitas, e leia uma história aos netos.
4. Semanalmente reúna uma fotografia, uma folha de árvore ou algo interessante. Junte uma história e envie aos netos para coleccionarem num diário. Faça o mesmo com as histórias enviadas por eles.
Texto: Sónia Ramalho com Alcina Rosa e Teresa Lobato de Faria (Psicólogas)
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