Embora continue a ser um tema pouco investigado, estudos recentes indicam que a dor na relação sexual afeta um número elevado de mulheres. "É um problema muito mais prevalente do que se pensa. Num estudo que realizei, em 2013, no qual participaram 371 mulheres com esta queixa, mais de 85% nunca procuraram ajuda", lamentou, em declarações à revista Saber Viver, Cátia Oliveira, investigadora no Laboratório de Investigação em Sexualidade Humana, SexLab, uma unidade da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade do Porto.
"Muitas cessaram a sua atividade sexual ou mantiveram-na com níveis de dor extremos, o que traz consequências para a forma como se veem enquanto mulheres e para a sua relação amorosa", lamenta a especialista. Nesse mesmo ano, uma investigação publicada na Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar concluiu que "quase metade das mulheres com algum tipo de disfunção sexual não a considera um problema". Um dos aspetos que dificulta o conhecimento da prevalência total deste problema é precisamente o facto de o sexo continuar envolto em tabus.
O silêncio dos inocentes
Os tempos mudaram mas a sexualidade continua a ser tabu. "Há uma certa inibição, até da parte de profissionais de saúde, em fazer perguntas relacionadas com a sexualidade", constata a ginecologista e obstetra Lisa Ferreira Vicente. O que faz com que o sofrimento de muitas pessoas se prolongue no tempo, sem diagnóstico nem tratamento. Esta médica conta que acompanha "um casal que só ao fim de 13 anos procurou ajuda, quando precisou de engravidar".
Nas palavras da investigadora Cátia Oliveira, isso pode estar relacionado com "a presença de uma baixa conceção do eu como ser sexual". Lisa Ferreira Vicente acrescenta que, quando há obstáculos no funcionamento sexual, os casais tendem a adaptar-se. "Muitas vezes, têm uma sexualidade gratificante só a fazer sexo oral e masturbação mútua", garante a autora do livro explicativo "O atlas da V - Um guia claro, direto e ilustrado do mundo feminino e não só", publicado pela Arena Editora em setembro de 2019. A boa notícia é que nem tudo está, ainda, perdido. Muito pelo contrário!
A situação pode e deve ser ultrapassada, para que, individualmente e em casal, possa começar ou voltar a vivenciar todas as facetas do prazer sexual sem receios nem desconfortos. A primeira coisa a fazer é tentar perceber o porquê da dor ser pontual ou persistente. Antes de mais, deve consultar um médico ginecologista que avalie a origem da situação (se é fisiológica ou psicológica) e averigue a frequência com que ocorre (se é esporádica ou constante).
"Temos de nos certificar de que existe uma entrada vaginal adequada, porque muitas vezes está no imaginário da mulher a existência de uma malformação que impede as relações sexuais, mas os septos vaginais são raros", explica Lisa Ferreira Vicente. Caso o problema seja pontual, pode estar associado a uma mudança de parceiro, a uma fase da vida que ajude a justificar esse desconforto ou a uma infeção urinária ou a uma doença sexualmente transmissível.
A candidíase é outra possibilidade. Na eventualidade de ser persistente, o problema pode estar relacionado com uma disfunção sexual, geralmente, uma alteração das fases do desejo ou da excitação, que dificulta a lubrificação, e/ou com uma perturbação de dor genitopélvica, como a dispareunia (dor persistente e recorrente durante a cópula) e o vaginismo (contração involuntária da musculatura pélvica que impede a penetração vaginal), como por vezes se verifica.
As dificuldades de acesso
De acordo com a médica Lisa Ferreira Vicente, "o vaginismo é uma situação frequente". "Para essas mulheres chega a ser difícil a colocação do tampão e, na consulta, do espetro", alerta a especialista. Nestes casos, a mera antecipação de dor provoca "uma hipercontratibilidade da musculatura do pavimento pélvico", descreve a fisioterapeuta Soraia Coelho. Mas, quando as pessoas experienciam dor na penetração e durante o coito, desenvolvem-se outros receios.
O psicoterapeuta Gonçalo Neves nota que isso também "provoca medo, sendo natural que ocorra um evitamento do contacto e uma tentativa de espaçamento do mesmo o mais possível", sublinha. Interromper os pensamentos automáticos negativos associados ao ato sexual está longe de ser uma tarefa fácil. Na realidade, a única forma de tratar eficazmente qualquer uma destas situações é através de uma intervenção multidisciplinar, com o devido acompanhamento ginecológico, fisioterapêutico, psicoterapêutico e sexológico. Só assim se garante uma rápida recuperação, ainda que essa também não ocorra de um dia para o outro. Não há milagres!
Este processo pode levar alguns meses e o seu sucesso depende, em grande parte, do apoio do parceiro. "Se houver uma busca conjunta de soluções, o prognóstico tende a ser melhor. No entanto, o mais comum é que o problema seja visto como da mulher, que, para além de se sentir sozinha, sente-se como numa corrida contra o tempo, o que só aumenta a ansiedade e a tensão muscular que, de forma perversa, intensifica o problema", frisa Gonçalo Neves.
"A dor sentida durante a relação sexual provoca medo, sendo natural que ocorra um evitamento do contacto e uma tentativa de espaçamento do mesmo o mais possível", sublinha o psicólogo e psicoterapeuta. Já a especialista em reabilitação pélvica e uroginecológica termina dizendo que a rapidez da recuperação “vai depender muito da disponibilidade e da vontade que a mulher tiver para fazer os exercícios de relaxamento muscular que recomendamos".
"Nós sentimos o corpo através da mente. A dor pode ser desencadeada por uma questão física, mas é uma experiência psicológica", sublinha Lisa Ferreira Vicente, ginecologista. Para além das consequências do parto e da maternidade e da menopausa nalgumas mulheres, há fármacos que também podem interferir com o prazer feminino. "Alguns podem retirar a capacidade de lubrificar, como é o caso de alguns contracetivos orais", alerta Vânia Beliz.
O mesmo sucede com "alguns medicamentos antidepressivos e ansiolíticos", refere a sexóloga, que acrescenta ainda a medida da genitália. O volume do pénis do parceiro pode não ser o mais compatível com o tamanho da vagina e/ou do colo do útero. Então, Vânia Beliz aconselha "a evitar posições em que a penetração seja muito profunda, como aquela em que o homem fica por trás", propondo, antes, que "a mulher fique por cima, para controlar melhor", aconselha a especialista.
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