Cristianismo, islamismo, hinduísmo, budismo, num cardápio tão diversificado, existem pontos em comum. De qualquer forma a violência será sempre injustificável em prol de que Deus seja.

Acreditar, ter fé no Deus, nos Deuses, em alguma coisa. Quando era pequena ia muitas vezes à Nossa Senhora do Socorro, com a minha família, queimávamos velinhas com os nossos pensamentos em conjunto e na esperança de serem ouvidas as nossa preces, pelos nossos. Era também altura de convívio, fazíamos um piquenique, andávamos a pé, era um ponto de união entre miúdos e graúdos. E era genuíno e espontâneo e espiritual.

Lembro-me também de quando andava na Catequese, e quando o ir ou não à missa, era quase que uma obrigação, para os mais pequenos um “picar o ponto”, as euforias do Domingo, do traje domingueiro das beatas que comentavam tudo e olhavam escrutinosamente para as toiletes. Não tenho saudades disso, tenho saudades do sair de casa para ir refletir, estar em comunhão com Deus no verdadeiro sentido, eu e Ele, sem distrações ou pensamentos mais terrenos acerca do mundo ou dos outros.

O sentimento de culpa exacerbada, é susceptível de futuras neuroses e o medo é o travão da mudança e da transformação. Dessa ideia nunca fui adepta fervorosa, assim como numa educação carregada de ansiedades e medos, o medo de viver torna-se real e a culpa petrifica-nos. Não digo com isto que a existência de regras e leis seja negativa, pelo contrário, são cruciais na auto-regulação dos comportamentos, mas os extremismos acentuados toldam o raciocínio e os sentimentos daquilo que é humano, podendo tornar-nos benevolentes demais, ou cruéis demais.

Um QB em tudo é sempre a melhor opção, como se de uma receita se tratasse, e o ter discernimento para tal são outros quinhentos, é o conceito de crescimento pessoal e espiritual. Não podemos ser vítimas nem carrascos, se nos desresponsabilizarmos constantemente entramos numa mimalhice pegada em que as coisas devem ser sempre como queremos. As nossas atitudes são sempre justificáveis, o mundo deve girar à nossa volta e temos a falsa pretensão de que somos insubstituíveis, se formos demasiado estreitos e racionais, não haveria compaixão no mundo.

O Yoga teve esse poder na minha vida, de me tornar mais espiritual, mesmo não sendo em torno dos rituais ditos cristãos, mas na busca do equilíbrio. O Mindfulness preconiza também aspetos essenciais para a nossa limpeza de alma, e para a consciência do agora, do presente, sem uma ansiedade debilitante de antecipação do futuro e com a auto-aceitação da nossa imperfeição. Claro está, que nada é possível sem reflexão, meditação, e não, não perdemos tempo, ganhamos tempo, tempo e disponibilidade emocional, que não é contabilizada num relógio, mas é adaptativa das nossas emoções e sentimentos.

Lembro-me que quando estudava Filosofia, em que bebia cada texto, cada teoria, como uma verdadeira CSI em formação nas leis da vida, Descartes e o Discurso do Método, ecoavam na minha cabeça. Quando se questiona sobre a existência de Deus, e da ideia de perfeição, esta teria que ter surgido de algo também perfeito. Essa dicotomia existe em nós, a perfeição vs. imperfeição. A mesma perfeição que nos leva a compreender alguém, a perdoar, a ser empático, é a mesma imperfeição que por vezes nos leva a julgar e ter uma visão mais superficial do mundo e dos outros.

O limbo entre dois pólos e a frequência em que neles estamos ditará a nossa consciência do sermos ou não boas pessoas? Será um bocadinho por aqui, um meio termo, cinzento, sem ser o branco ou o preto, ou bem ou o mal. Com a idade descobrimos que ter personalidade e ser assertivo, não significa necessariamente ter uma posição vincada sobre tudo, aprendemos a ponderar, relativizar, filtrar. O nosso filtro será sempre a nossa bússola moral, se nos guiarmos demasiadamente pelos filtros alheios, a ansiedade tomará conta de nós. Por isso, que o leme da nossa consciência e experiência nos guie sempre pelos mares da coragem que precisamos de navegar, com ligeireza e serenidade.