“As codornizes são mães e pais ferozes, que farão qualquer coisa para proteger os seus bebés. Mas não os conseguem proteger dos caçadores. Em muitas quintas, as codornizes são criadas apenas para a caça, o que significa que são caçadas por divertimento”.
Partindo da história das codornizes bebés, mas também de leitões, vitelas, tartaruguinhas, entre muitas outras crias, a norte-americana Ruby Roth, traz a crianças de tenra idade temas como a caça, a indústria alimentar e os testes em animais. Da mesma forma que amamos os nossos animais domésticos, relegamos tantos outros para quintas de produção animal com a finalidade de satisfazer a alimentação humana.
Escritora, ilustradora premiada e ativista pela causa animal, Ruby dedica-se desde 2009 à escrita infantil. Fá-lo partindo de um tema comum a todos os seus cinco livros, o estilo de vida vegano. Explica-o a crianças dos seis aos dez anos, embora incentive a partilha de leituras entre pais e filhos.
Dois livros de Ruby Roth contam com publicação em Portugal, ambos com a chancela da Edita X: “Veganismo é amor - ter coração e agir”, “É por isso que não comemos animais”.
À conversa com o SAPO Lifestyle, a autora que abraçou o veganismo em 2003, aborda temas como a sustentabilidade ambiental, a responsabilidade das crianças face ao planeta e aos que as rodeiam; mas também o amor e a forma como poderão os mais pequenos – e os adultos – ascenderem à “compaixão inata” que os anima.
No seu mundo, as crianças tomam decisões todos os dias. Daí, podermos ajudá-las a consciencializarem-se das consequências dos seus comportamentos.
Ruby, conte-nos brevemente a sua história e do que a levou a endereçar a sua mensagem escrita e ilustrada às crianças?
Seria sempre uma artista, mas queria fazer arte com um propósito maior do que uma simples expressão estética. Estudei arte, mas também política, história, sociologia, saúde e espiritualidade. Terminada a faculdade, ensinei arte a crianças em programas extraescolares. Na época, os alunos aperceberam-se dos meus hábitos alimentares veganos. Nesse sentido, procurei um livro que pudesse partilhar e que lhes explicasse o veganismo. No entanto, não encontrei quase nada e o que encontrei apresentava animais ou plantas falantes. Os meus alunos eram mais inteligentes do que isto. Decidi que criaria os livros que gostaria de ler. O projeto tornou-se a expressão perfeita de todas as minhas áreas de interesse.
Como se explica em poucas palavras o veganismo a uma criança de seis anos?
A forma mais fácil e rápida de explicar qualquer assunto difícil é simplesmente dizer a verdade. Qual é a sua resposta “adulta” para essa pergunta? Na minha opinião, pode dar a uma criança exatamente a mesma resposta ou explicação que daria a um adulto.
A Ruby apresenta o veganismo como um estilo de vida baseado na compaixão. Como podem as crianças expressar no dia a dia essa compaixão, tornando-a ação?
Antes de ensinarmos como expressar ativamente a nossa compaixão inata, podemos ajudar as crianças a compreenderem que fazem parte de uma comunidade e de um universo que lhes são superiores. O nosso comportamento individual afeta a nossa esfera de ação. Quando as crianças têm essa consciência, assumem mais responsabilidade sobre o seu comportamento: como tratam os amigos, como cuidam dos seus pertences e dos animais de estimação, como se relacionam com a natureza e a protegem, o que escolhem comer, o que escolhem vestir. No seu mundo, as crianças tomam decisões todos os dias. Daí, podermos ajudá-las a consciencializarem-se das consequências dos seus comportamentos. Isto, para que possam escolher viver com sabedoria à medida que crescem.
Porque vivemos numa sociedade que vê um gato como um amigo doméstico e olha para o leitão e borrego como produtos processados?
O nosso sistema agrícola foi-nos entregue. Comemos os poucos animais que foram escolhidos - por um pequeno número de humanos - para serem sistematicamente domesticados e criados para consumo em massa e lucro. O mesmo aconteceu com os animais de estimação. Várias espécies foram escolhidas para serem sistematicamente domesticadas e criadas, tornando-se propriedade dos humanos.
Se as nossas sociedades redesenhassem coletivamente os nossos sistemas alimentares a cada século, de acordo com as necessidades da época, atualmente estaríamos a comer de forma muito diferente. Se estivéssemos mais conscientes dos nossos sistemas doentes, veríamos que a reprodução animal cria sofrimento. Quando estudamos a vida emocional dos animais, deixamos de ver a diferença na natureza senciente de todas as espécies vivas.
No contexto atual, não é apenas adequado, mas crucial que as nossas sociedades adotem estilos de vida baseados nos alimentos vegetais.
A alimentação vegana adequa-se a todas as idades?
Para mim é claro o princípio de que neste nosso tempo, temos acesso a todos os especialistas, informação e a todos os nutrientes de que precisamos para construir e manter corpos e mentes que prosperam com dietas baseadas em plantas. No contexto atual, não é apenas adequado, mas crucial que as nossas sociedades adotem estilos de vida baseados nos alimentos vegetais.
Publicou um livro de receita para as crianças. O que o torna diferente de outros livros dentro do mesmo tema?
Cada página do livro “The help yourself cookbook for kids” [ainda não traduzido em Portugal] é totalmente ilustrada e fotografada a cores. Está, realmente, escrito numa linguagem que as crianças entendem e com a qual se podem relacionar. Grande número de livros de receitas infantis que consultei são "vestidos" como tal, mas na realidade estão escritos em linguagem formal e parecem exigir demasiada intervenção de um adulto.
No meu livro, as crianças amassam, agitam, frequentemente misturam, ao invés de assar e, não raro, adicionam pitadas ou punhados, em substituição de quantidades medidas. Isto torna as receitas acessíveis e divertidas. Com cinco ou menos ingredientes por receita, o livro ajuda as crianças a ganharem independência, pensamento crítico e competências motoras. Além disso, os mais pequenos aprendem como as nossas escolhas alimentares afetam os animais e o planeta.
Os livros que dedica ao público infantil também estão a ajudar pais e educadores a compreenderem melhor o veganismo?
Acredito que sim. Ao longo dos anos, ouvi muito adultos assumirem que, ao lerem os meus livros, abraçaram uma vida mais próxima do mundo vegetal. Tal como qualquer outro assunto, a leitura - em qualquer idade – ajuda-nos a formular opiniões e valores enquanto refletimos sobre ideias escritas por outros, estejamos de acordo ou em oposição. O nosso cérebro irá sempre fortalecer-se.
Enquanto algumas pessoas estão a despertar para as formas como podemos mudar e reparar o mundo, outras não se importam.
A Ruby Roth é também uma ativista pela causa animal. Sendo uma autora que escreve e ilustra para crianças, como lhes explicaria o mal que o ser humano causa aos animais?
Falo de uma forma muito direta e franca com as crianças. Os humanos causam muitos danos, poluição e sofrimento aos seres vivos deste planeta. E, enquanto algumas pessoas estão a despertar para as formas como podemos mudar e reparar o mundo, outras não se importam. Por isso, é ainda mais importante que pessoas de todas as idades se preocupem em agir.
Sobre o tema, que conselho daria a essas crianças para transmitirem aos pais?
Que é natural, maravilhoso e crucial aprender novos hábitos; para abrir os olhos o coração e a mente para as necessidades do mundo em que vivemos. Não um mundo antigo, não o mundo dos nossos avós, mas o nosso mundo atual e o estado em que nos encontramos hoje.
A Ruby está a par do movimento vegano em Portugal?
Ainda não visitei Portugal, mas fico esperançosa ao escutar que os motivos do movimento vegano estão a ser compreendidos por uma população crescente em todo o mundo. O número crescente de traduções dos meus livros, faz-me ter plena consciência de que o veganismo está internacionalmente a crescer.
Como descreve presentemente o movimento vegano e de defesa dos direitos dos animais nos Estados Unidos?
Diria que, face a 2003, ano em que comecei a trabalhar ativamente em prol do veganismo, este tornou-se, agora, um termo familiar. A maioria das pessoas conhece-o, mesmo que não dele não estivessem a par há cinco ou dez anos. Temos um longo caminho a percorrer, mas o veganismo já não está à margem, pois a população em geral começou a compreender os motivos por detrás do movimento. As pessoas adotam hábitos veganos, mesmo que não "se tornem veganas". Nunca será tão rápido quanto desejaríamos, mas testemunho muito progresso.
Entrevista concedida por escrito.
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