No habitual balanço e ponderação que se faz a respeito do ano que está a terminar, penso sempre nos números trazidos a público a respeito das violações dos Direitos Humanos no nosso país e no mundo.

Neste balanço e ponderação penso também e cada vez mais que as pessoas em geral não têm consciência a respeito dos que são Direitos Humanos, quando os mesmos são negados e violados e no que isso representa para a sociedade.

Em particular, os Direitos Humanos das Mulheres e Crianças que publicamente todas as pessoas assumem ser defensáveis, na verdade, quando nos debruçamos sobre situações concretas de violência doméstica, violência sexual, entre outros crimes praticados contra mulheres e crianças, ninguém reconhece essas situações como violações de Direitos Humanos com base em estereótipos de género, reportando antes esta criminalidade como algo que não se pode aceitar, mas que não é reconhecida nem tratada como criminalidade violenta.

A violência doméstica é simplesmente o crime mais denunciado no nosso país, sabemos que este tipo de crime é preditor de um número inaceitável de femicídios numa sociedade que se diz livre e democrática, assente nos princípios da igualdade e não discriminação, respeitadora dos Direitos Humanos.

Recentemente um Estudo da Universidade do Minho deu a conhecer que num universo de 715 pessoas vítimas de violência interpessoal, 45% sofreram de violência sexual, percentagem esta que é absolutamente aberrante e inadmissível.

Esta realidade conduz-nos à questão de saber que sociedade é esta em que vivemos?!

Este ano foram aprovados alguns direitos para as vítimas de violência sexual, por forma a equipará-las mais às vítimas de violência doméstica, foi aprovado que as vítimas de violência doméstica passarão a ter direito a subsídio de desemprego na eventualidade de terem de abandonar os seus trabalhos por causa da violência, foi aprovada a 1ª Estratégia Nacional para os Direitos das Vítimas e muito recentemente foi anunciado a abertura de mais dois gabinetes de apoio à vítima no Departamento de Investigação e Ação Penal de Leiria e de Setúbal. Portanto, vamos caminhando, ainda que a conta gotas, no sentido de combater o problema.

Contudo, a questão de fundo subsiste! Não erradicámos o problema! E não o erradicámos porque persistimos sem compreender a sua génese.

Vejamos que este ano, quando se deu o protesto na Islândia contra desigualdades em que a Primeira Ministra se juntou à greve em que as mulheres se uniram pela igualdade salarial, este foi um movimento que quase passou despercebido em Portugal.

É que por cá, assume-se publicamente que este problema está praticamente ultrapassado só porque fica bem dizer-se que somos a favor da igualdade. Mas não se pratica a igualdade!

Em Portugal também não existe igualdade salarial entre mulheres e homens, aliás, as mulheres continuam sem ocupar os mesmos cargos profissionais que os homens.

Sendo que, os números de situações de violência doméstica, violência sexual e femicídios trazidos a público dizem-nos precisamente que vivemos numa sociedade violenta, profundamente discriminatória em que principalmente as mulheres e crianças não são respeitadas enquanto seres humanos, apesar de serem detentoras de direitos reconhecidos à escala nacional e internacional.

Combater a violação dos Direitos Humanos das Mulheres e Crianças pressupõe compreender a desigualdade e o que a mesma acarreta!

Um artigo de opinião da advogada Ana Leonor Marciano, especialista em Direitos Humanos, violência de género, violência doméstica, Direitos das crianças.