“No início do século XX, alguns cientistas acreditavam que substancias extraídas de glândulas animais seriam usadas no rejuvenescimento dos humanos. Um destes investigadores, o cirurgião Serge Voronoff, estava convicto de que não bastaria consumir essas substâncias ou fazer infusões com elas; não, seria necessário transplantar tecido diretamente para as pessoas de modo a obter o efeito desejado. Depois de estudar homens castrados no Egipto, Voronoff concluiu que os testículos eram a principal fonte de rejuvenescimento”. Nicklas Brendborg, biólogo molecular, povoa o seu livro de histórias com esta. Em As Medusas Envelhecem ao Contrário (edição Contraponto), o investigador detém-se na questão do envelhecimento ou, preferindo-se, do rejuvenescimento. A procura de vida eterna foi durante muito tempo terreno fértil para aventureiros e charlatães. “Hoje em dia, porém, a Ciência tomou o lugar da magia e da religião, e a humanidade está mais perto do que nunca de desvendar o segredo para uma vida prolongada e, sobretudo, saudável”, lemos na apresentação ao livro em jeito de resumo da tese que o autor desenvolve ao longo de 270 páginas.
No seu livro, Nicklas Brendborg revela ao leitor como a Ciência tem travado uma longa batalha para resolver um dos maiores enigmas da vida humana e o porquê de o envelhecimento continuar a ser um desafio complexo. O autor detalha o funcionamento do nosso corpo, como se processa o envelhecimento e o que podemos, de facto, fazer para o atrasar.
De As Medusas Envelhecem ao Contrário publicamos o excerto abaixo.
O livro de recordes da longevidade
Sob a superfície azul-gelo do mar da Gronelândia, desliza uma sombra imensa. O colosso de seis metros não tem pressa; a sua velocidade máxima é inferior a três quilómetros por hora.
Em latim, chama-se Somniosus microcephalus – «o sonâmbulo com o cérebro minúsculo». Na nossa língua, tem um nome um tudo-nada mais lisonjeiro: tubarão-da-gronelândia. Como sugere o seu nome latino, este tubarão não é rápido nem particularmente perspicaz ainda assim, porém, podemos encontrar no seu estômago vestígios de focas, renas e até mesmo ursos-polares.
O nosso misterioso companheiro faz as coisas ao seu ritmo, pois tempo é algo que tem de sobra. Quando os Estados Unidos foram fundados, já era mais velho do que algum ser humano alguma vez foi. Quando o Titanic naufragou, tinha 281 anos. E agora acabou de fazer 390. Ainda assim, os investigadores calculam que poderá ter muitos mais anos de vida.
Isto não significa que o tubarão-da-gronelândia não tenha problemas. Os seus olhos estão infetados por parasitas bioluminescentes que estão lentamente a cegá-lo. E, apesar do tamanho impressionante, o tubarão-da-gronelândia tem um inimigo comum a todos os outros peixes não comestíveis – os Islandeses.
Sucede que a carne de um tubarão-da-gronelândia contém uma tal quantidade de uma substância tóxica chamada N-óxido de trimetilamina que nos deixa tontos – com uma «bebedeira de tubarão» – quando a ingerimos. Todavia, como é óbvio, a corajosa população da Islândia descobriu uma forma de o fazer ainda assim.
O tubarão-da-gronelândia é precisamente o tipo de animal que ocupa o topo de algum tipo de lista. E é aí que o encontramos. Com a sua impressionante esperança de vida, o tubarão-da-gronelândia é o vertebrado com a vida mais longa alguma vez registada. Por ser um vertebrado – um animal com uma espinha dorsal –, trata -se na verdade de um nosso parente afastado. Podemos não ter muitas semelhanças, mas a anatomia básica é reconhecível: um coração, um fígado, um sistema intestinal, dois rins e um cérebro.
É evidente que continua a haver muita distância na árvore da evolução entre nós e um peixe gigante. Os humanos são mamíferos, o que significa que temos algumas características fundamentais que não partilhamos com o tubarão-da-gronelândia. A regra prática da Biologia consiste em: quão mais perto de nós estiver um animal em termos evolucionários, mais poderemos aprender sobre nós ao estudá-lo. Significa isto que podemos aprender mais a partir dos peixes do que dos insetos, mas também que podemos aprender menos a partir dos peixes do que, por exemplo, a partir das aves e dos répteis. Para não falar dos nossos parentes mais próximos – os restantes mamíferos.
Muito curiosamente, o tubarão-da-gronelândia partilha a sua casa com outro recordista da esperança de vida que é um parente nosso muito mais próximo. Nos mares em torno da Gronelândia, se tivermos sorte, podemos encontrar a baleia-da-gronelândia, com dezoito metros de comprimento. Embora as características exteriores de uma baleia-da-gronelândia também não se assemelhem às nossas, o seu interior está muito mais próximo do dos humanos do que o do tubarão-da-gronelândia. As baleias têm cérebros grandes, mesmo proporcionalmente ao seu tamanho, corações com quatro cavidades como nós, pulmões e muitas outras características comuns.
Costumávamos caçar estes animais magnificentes para usar a sua gordura em candeeiros a óleo, mas felizmente são agora uma espécie protegida. Apenas os povos nativos, como os Inupiates do Alasca, têm permissão para continuar a caçá-las – em níveis de subsistência, como sempre fizeram. Ocasionalmente, na sequência de uma caça bem-sucedida, os Inupiaques visitam as autoridades locais para entregarem antigas pontas de arpões recuperadas da gordura da baleia. Estas pontas têm origem em caças fracassadas de inícios do século XIX. Combinadas com métodos moleculares, foram usadas para determinar que as baleias-da-gronelândia podem viver mais de 200 anos. É a esperança de vida mais longa registada num mamífero.
Afastarmo-nos dos humanos na árvore da evolução pode revelar esperanças de vida ainda mais impressionantes. Os melhores exemplos vêm mesmo das árvores, para as quais o envelhecimento não existe propriamente – pelo menos, não na forma como tipicamente o concebemos. Enquanto o nosso risco de morte aumenta conforme envelhecemos, as árvores apenas ficam maiores, mais fortes e mais duras. Isto significa que têm um risco de morte menor a cada ano que vivem. Pelo menos até ao ponto em que se tornam tão altas que uma tempestade as derruba. E morrer num acidente não tem qualquer relação com o envelhecimento.
De modo que algumas árvores são muito velhas. Uma das árvores mais velhas, Matusalém, é uma espécie de pinheiro com 5000 anos, situada numa localização secreta nas Montanhas Brancas da Califórnia. Quando Matusalém brotou do solo, as pirâmides estavam ainda a ser construídas no Egipto e os últimos mamutes deambulavam pela ilha de Wrangel, na Sibéria.
No entanto, até Matusalém é um bebé quando comparada com o recordista florestal. Na Floresta Nacional de Fishlake, no Utah, cerca de 560 quilómetros a nordeste de Matusalém, existe um álamo chamado Pando. Pando (termo latino para «propago-me») não é uma árvore única, mas uma espécie de superorganismo – uma rede gigante de raízes que ocupa uma área de aproximadamente um oitavo do tamanho do Central Park de Nova Iorque.
Pando é o organismo mais pesado do planeta e é dele que germinam mais de 40 mil árvores individuais. A maioria destas árvores vive entre 100 e 130 anos, morrendo em tempestades, incêndios e circunstâncias do género. Porém, Pando dá continuamente origem a novas árvores, e o próprio superorganismo de raízes tem mais de 14 mil anos.
A Rainha de Tonga
Não posso, evidentemente, escrever um capítulo sobre organismos com vidas excecionalmente longas sem mencionar as tartarugas. Uma das tartarugas mais longevas de sempre foi a tartaruga-estrelada Tu’i Malila, que vivia com a família real da ilha tropical de Tonga. Tu’i Malila foi oferecida como presente ao rei de Tonga pelo explorador britânico James Cook em 1777. Quando morreu, em 1965, como uma senhora muito idosa, vivera cerca de 188 anos.
Trata -se do recorde de idade entre todas as tartarugas cuja idade conseguimos verificar com certeza. Todavia, Tu’i Malila está em vias de ser ultrapassada pela tartaruga-gigante-das-seicheles, Jonathan, que vive na minúscula ilha atlântica de Santa Helena. Jonathan eclodiu do ovo por volta de 1832 – antes da invenção do selo postal – e viveu durante os reinados de sete monarcas britânicos e dos mandatos de trinta e nove presidentes dos Estados Unidos. Quando o leitor ler isto, é possível que Jonathan seja o novo recordista.
Se alguns organismos podem ter uma vida significativamente mais longa do que a nossa, há outros que têm trajetórias de envelhecimento absolutamente diferentes. Ou seja, nalguns organismos, o envelhecimento dá-se de forma totalmente diversa do que sucede connosco.
Como humanos, envelhecemos exponencialmente; a partir da puberdade, o nosso risco de morte duplica aproximadamente a cada oito anos. Isto deve -se ao facto de a nossa fisiologia declinar gradualmente, debilitando-nos cada vez mais.
O nosso modo de envelhecimento é o mais comum e partilhamo-lo com a maioria dos animais com que temos contacto diário. No entanto, este não é de todo o único padrão de envelhecimento na Natureza.
Há um grupo de animais particularmente estranhos, que se reproduzem apenas uma vez, seguindo -se um envelhecimento imediato e rápido. Chama -se a isto semelparidade, e, se gostarmos de assistir a documentários da vida natural, podemos identificá-lo no ciclo de vida do salmão-do-pacífico.
O salmão-do-pacífico eclode em pequenos cursos de água, onde os minúsculos salmões se desenvolvem em relativa segurança. Mais tarde, dirigem -se para o mar, onde permanecem até adquirirem maturidade sexual. A dada altura, chegará o momento de originar a próxima geração de salmões-do-pacífico, mas, infelizmente, o salmão reproduz -se apenas no mesmo curso de água onde ele próprio nasceu. Isto significa que o pobre peixe tem de voltar a nadar para o interior – por vezes, a uma distância de centenas de quilómetros –, contra a corrente e para cima. Continuo perplexo por um peixe ser realmente capaz de abrir caminho subindo uma queda d’água. É uma aventura temerária.
Mais desafortunadamente ainda para o salmão dá-se o facto de nós não sermos os únicos animais que sabem o quão saborosos eles são. Quando o salmão inicia a sua migração, todos os predadores locais – ursos, lobos, águias, garças-reais e outros – aguardam pacientemente, prontos a banquetearem-se. Para se proteger, o salmão-do-pacífico enche completamente o seu corpo de hormonas do stresse e deixa absolutamente de comer. Os dias e as noites tornam -se uma batalha incansável contra a própria Mãe Natureza.
A maioria dos salmões não será bem-sucedida, mas os poucos que o conseguirem desovarão a geração seguinte nos mesmos cursos de água onde as suas próprias vidas começaram. Uma vez alcançado este feito, seria de pensar que o resistente salmão não teria dificuldades em regressar ao mar. Afinal, esta viagem seria a descer e ajudada pela corrente. Contudo, o salmão não mostra o mínimo interesse nem sequer em tentar. Depois de desovar, entra em declínio terminal, como plantas a definharem rapidamente. Poucos dias depois de ocultar os seus ovos fecundados no leito arenoso, toda a geração anterior está morta.
Na verdade, este tipo de história de vida bizarra e muito trágica está mais disseminada na Natureza do que se poderia pensar. Eis alguns dos meus outros exemplos preferidos:
- Depois de as fêmeas de polvo terem posto os ovos, as suas bocas selam-se, elas param de comer, e dedicam todo o seu ser à proteção dos ovos. Alguns dias depois de os ovos eclodirem, as mães morrem;
- Os machos do pequeno marsupial semelhante a um rato Antechinus stuartii ficam tão stressados, tão agressivos e tão sexualmente exaustos durante a época de acasalamento que morrem pouco depois;
- As cigarras passam a maior parte das suas vidas (até dezassete anos) no subsolo, vindo à superfície apenas para pôr ovos. Morrem pouco depois;
- Os efemerópteros (insetos aquáticos) não vivem mais do que um dia ou dois depois de terem eclodido. Na verdade, alguns não têm boca e vivem apenas aproximadamente cinco minutos. A sua única missão é reproduzir -se uma vez;
- Há mesmo algumas plantas que exibem este padrão de envelhecimento. A piteira-brava pode viver durante décadas, mas definha e morre pouco depois de desabrochar pela primeira e única vez.
Inversamente a isto, há também alguns animais que não envelhecem de todo – pelo menos, não da forma como tradicionalmente entendemos o envelhecimento. Um exemplo é a lagosta. Tal como as árvores, o rei dos crustáceos não enfraquece nem se torna menos fértil com a passagem do tempo. Na verdade, dá -se precisamente o contrário – as lagostas crescem continuamente ao longo da sua vida e tornam-se cada vez mais fortes com o avançar do tempo. Isto não significa, porém, que vivam para sempre. A Natureza é cruel, e os predadores, os competidores, as doenças ou os acidentes acabam por tratar do assunto. Se assim não fosse, as grandes lagostas acabariam por morrer de problemas físicos causados pelo seu tamanho. No entanto, para uma lagosta, a velhice não tem nada que ver com o declínio gradual que conhecemos.
A natureza alberga ainda organismos que desenvolveram alguns truques verdadeiramente peculiares para prolongarem a vida. Algumas bactérias, por exemplo, podem entrar num estado de dormência. Em situação de stresse, a bactéria transforma -se numa estrutura compacta semelhante a uma semente. Esta estrutura, designada por endósporo, é resiliente a tudo aquilo a que a Natureza a possa expor – até a calor extremo e radiação ultravioleta.
No interior do endósporo, todos os processos normalmente requeridos à manutenção da bactéria são interrompidos. É como se a bactéria já nem estivesse viva. No entanto, o endósporo continua a conseguir percecionar o seu meio envolvente. Quando as circunstâncias melhoram, ela revela-se e volta a tornar -se uma bactéria completamente ativa, como se nada tivesse acontecido.
É difícil dizer quando tempo podem as bactérias passar neste estado de dormência. Talvez nem exista um limite. É prática habitual entre os cientistas reanimarem endósporos que encontraram e que têm mais de dez mil anos. Na verdade, há relatos de endósporos despertados depois de milhões de anos de dormência.
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.
Comentários