A pandemia trocou-lhes as voltas mas Nelson Rosado e Sérgio Rosado, a dupla que o país há muito conhece como Anjos, preparam-se para lhe fazer frente, com o lançamento de um novo single, o primeiro com letra dos dois irmãos, uma estreia em quase 22 anos de carreira. Em conversa com o Modern Life/SAPO Lifestyle, à margem do lançamento do Pacheca Reserva Tinto 2019 UA, o vinho solidário da Quinta da Pacheca a que se associaram para apoiar a União Audiovisual, revelam planos, ambições e preferências.
Como é que é a vossa relação com o vinho?
Nelson Rosado: Como bons portugueses que somos, gostamos de comer bem e de bons petiscos e, naturalmente, não poderíamos não gostar de vinho. Somos de famílias alentejanas e algarvias e tanto uns como outros, num passado lá bem atrás, faziam o seu próprio vinho. No Algarve, a nossa família até produzia o seu próprio destilado, nomeadamente aguardente de medronho.
O Sérgio apanhou a ida e daí nasceu o nosso gin, o Angel. Ele é que é o nosso mestre destilador. Tem essa costela da paixão pelos destilados e pela destilação, que gosta de fazer e sabe... Portanto, esta nossa relação com os vinhos é perfeitamente natural e óbvia...
Na hora de beber, apreciam mais tinto, branco ou rosé?
Sérgio Rosado: Somos mais apreciadores de tinto.
Nelson Rosado: Começámos a beber branco há relativamente pouco tempo. Aí há coisa de quatro ou cinco anos… E há brancos excelentes!
Sérgio Rosado: Quando são bons, de boa qualidade, acho que valem a pena, sem dúvida...
Estamos aqui num evento solidário. Os lucros da venda deste vinho da Quinta da Pacheca revertem a favor da União Audiovisual, uma associação criada em plena pandemia para apoiar o setor audiovisual, muito afetado pela pandemia...
Nelson Rosado: É um vinho mas poderia ser um outro produto qualquer. Ao longo da nossa carreira, temos tido a possibilidade de conhecer pessoas extraordinárias, como foi o caso do Paulo Pereira, proprietário da Quinta da Pacheca, que tem um coração enorme. Houve aqui o casamento perfeito entre aquilo que representa o que os portugueses são. As histórias à mesa são sempre regadas com um bom vinho.
O que aqui pretendemos fazer é sensibilizar as pessoas para a situação difícil que muitos profissionais vivem. Sabemos que não vai resolver o problema que o setor está a atravessar mas que vai ajudar muito, até porque as vendas da garrafa que nós e outros artistas vamos assinar revertem na totalidade para a União Audiovisual. É uma ajuda muito importante e ficamos muito contentes por também fazermos parte deste projeto.
A vossa área também tem sido uma das mais afetadas. Nas últimas semanas, começámos a desconfinar. Em termos práticos, esta nova fase mudou alguma coisa para vocês?
Nelson Rosado: A nossa área é a mais afetada, não só em Portugal, mas em todo o mundo. Depois, existem diferenças de país para país. Há países onde existem plataformas que acodem de uma forma rápida e pronta às necessidades do setor por completo. O turismo também é uma das áreas mais afetadas, juntamente com a restauração...
Se pensarmos na reabertura que houve no ano passado, as coisas aconteciam. As estruturas foram redimensionadas e os negócios funcionavam. No caso da cultura e dos artistas, nos projetos mais pequenos e mais alternativos, para públicos menores, as coisas fluem, porque com 50% da lotação dos espaços dá para funcionarem. Agora, para os projetos grandes, para as grandes estruturas que empregam muita gente, só a nossa emprega 28 pessoas, não mudou nada ainda. Temos esperança que a coisa aconteça.
Aliás, já dá para perceber que é isso que se vai passar e espero que assim suceda. Um país sem cultura é um país sem identidade. Em plena II Guerra Mundial, era preciso dinheiro para financiar o conflito e houve quem então propusesse a Winston Churchill [ex-primeiro-ministro do Reino Unido] que se cortasse na cultura para conseguir essa verba. E ele respondeu que era precisamente pela cultura que se estava a travar aquela guerra...
Vocês são artistas. Precisam de atuar, precisam de criar. Com que ânimo é que se faz música numa altura de pandemia e confinamento quando não sabem quando é que poderão subir a um palco para a cantar e para a mostrar?
Sérgio Rosado: Isto tem sido uma das coisas que temos falado com outros artistas. Ainda no outro dia, em amena cavaqueira com o [cantor, compositor e produtor] Diogo Piçarra, falávamos nisso. Houve ali uma altura em que ele quis parar. Não estava a conseguir concentrar-se nem a inspirar-se durante as gravações. Nós não podemos parar! É nestes momentos que se vê que temos de ganhar a motivação onde ela não existe.
O que nos faz acreditar que conseguimos fazer mais e melhor é saber que isto vai passar. Não se sabe quando e está tudo com um ponto de interrogação enorme mas nós, por exemplo, estamos prestes a lançar um single novo. É um projeto que atrasámos um pouco mas percebemos que as pessoas que nos seguem estão ávidas de coisas diferentes. A música é um escape para muita gente. Independentemente do seu compromisso profissional, a música sempre teve uma importância extrema naquilo que é a nossa parte mais emocional e nós acreditamos que isso é para manter.
Por isso, é que nunca parámos durante a pandemia. Coincidência ou não, quatro dias antes de nos fecharmos todos em casa no ano passado, conseguimos gravar o videoclipe da música anterior ["Tempo"] e conseguimos lançá-lo em pleno confinamento, no dia 1 de maio de 2020. Fez toda a diferença!
Foi muito o feedback que recebemos através das redes sociais. Não é a mesma coisa. As pessoas querem muito ir a concertos. Nós, artistas, precisamos desse contacto direto do público e não o poder ter é algo que nos custa muito. Estamos ansiosos que isto passe para podermos voltar a fazer aquilo que tanto gostamos de fazer.
Quando é que sai esse novo single e como é que se chama?
Sérgio Rosado: Será no início do mês de junho, logo no dia 3. O nome ainda não o revelámos, chama-se "Voa", mas a mensagem tem tudo a ver com aquilo por que estamos a passar.
Nelson Rosado: Aliás, a letra foi feita pelos dois em plena quarentena. Curiosamente, foi a primeira vez que o fizemos. Já tínhamos sido coautores de músicas mas nunca de letras...
Como é o vosso processo criativo habitualmente?
Normalmente o Sérgio escreve as letras, ele ou outros amigos nossos que convidamos para escreverem. Eu, habitualmente, participava muito pouco em termos de composição musical e, quando o fiz, fi-los sempre ou com o Edu [Krithinas], o nosso produtor musical, ou com o Sérgio e com mais um ou outro amigo. Surgiu um poema forte. Espero que as pessoas gostem...
É só de vocês os dois ou tem outros compositores envolvidos?
Sérgio Rosado: Temos os No Maka, que são os produtores musicais. Na parte da música, foram coautores connosco mas aquilo que o Nelson acaba de revelar é realmente inédito. Nós fizemos uma letra que faz todo o sentido. Partilhamos a mesma dor... É uma letra com a qual as pessoas facilmente se identificam. Temos, mais uma vez, a responsabilidade de passar uma mensagem de resiliência e de otimismo em relação ao futuro. É mais uma batalha. Temos de erguer a cabeça...
Nelson Rosado: É a letra do copo meio cheio. É uma forma de olharmos para a frente, de nos reinventarmos, de acreditarmos que há uma luz ao fundo do túnel e de percebermos que temos de correr atrás da luz. Não vamos fugir dela nem vamos ficar parados...
Antes da pandemia tinham vários projetos em mãos. Tinham associado a vossa marca a uma marca de calçado desportivo, a joias, a óculos... Vão haver novidades ou também esses projetos estão suspensos?
Nelson Rosado: Nos ténis, vão haver novidades...
Sérgio Rosado: Nos ténis, vamos ter novidades com o lançameento de um novo modelo, o Angel. São aquelas submarcas que queremos manter. As coisas têm estado a correr bem e, entretanto, poderão chegar mais novidades de outros setores. Não conseguimos estar de outra forma no mercado. Somos proativos o suficiente para podermos estar constantemente a apresentar novidades.
Nelson Rosado: Há pouco tempo, um amigo nosso fez uma analogia excelente. Vinha ao telefone no carro e dizia-me que era natural que investíssemos na vossa marca porque é como um filho que nós temos. Ninguém abandona os filhos e, portanto, investimos no nosso negócio principal e também em tudo aquilo que gira à volta da marca Anjos.
Fomos, pé ante pé, lançando submarcas e as coisas foram correndo bem. Para nós, desde que esses negócios sejam autossuficientes, despertem interesse, façam falar de nós e nos tragam valor acrescentado, são, a todos os títulos, iniciativas de louvar e para continuar...
A comercialização do vosso gin tem corrido bem?
Sérgio Rosado: Esta pandemia veio passar-nos, um bocadinho, a perna em relação àquilo que tínhamos projetado em termos de vendas. Nós, normalmente, gostamos de acreditar que nada acontece por acaso mas, todas as pessoas que experimentam o gin, tanto as que sabem que está associado a nós como as que não o sabem, gostam da garrafa e gostam do produto. Nós somos suspeitos, fomos nós que o criámos…
Nelson Rosado: Nunca mais fui capaz de beber outro gin...
Sérgio Rosado: Tem sido realmente um exercício difícil lá em casa, mas tem corrido muito bem e criámos uma expetativa muito grande em relação àquilo que aí vem. Agora, começam lentamente a abrir os espaços e nós sabemos perfeitamente que o nosso gin vai ocupar um espaço importante no setor dentro daquilo que são as marcas portuguesas.
Nelson Rosado: Nós contamos ter uma segunda edição do nosso gin ainda este ano. Lançámos a primeira no final de outubro do ano passado e, até ao Natal, vendemos quase três mil garrafas. E não estivemos nos canais de maior distribuição. Estivemos no El Corte Inglés, na loja de comércio eletrónico da Garrafeira Nacional, estivemos nas boas garrafeiras da especialidade… É um produto de nicho? Se calhar é...
É um produto que não é acessível a todos, mas também não é totalmente inacessível, porque os gins que existem dentro daquele segmento costumam ser ligeiramente mais caros. Este gin é, claramente, um filhote, até mais do Sérgio. Ao desenvolver a fórmula e ao destilá-lo ele próprio, antes de ir para os alambiques industriais, ele acertou em cheio. Esse produto é um dos nossos grandes subprodutos. Mas vão vir mais!
Em 1999, quando estiveram na origem do projeto Anjos, eram essencialmente cantores. Com o passar dos anos, transformaram-se também em empresários…
Nelson Rosado: Fomos obrigados a isso. Portugal não tem escala para que nos possamos entregar aos devaneios de alguns autoproclamados produtores e agentes. O artista português, se quiser ter sucesso, tem que fazer um pouco de tudo ou tem, pelo menos, que conhecer um pouco de tudo. No nosso caso, naturalmente, o público só conhece as partes boas e é isso que nós queremos passar.
Mas, naturalmente, temos de o assumir, que houve aqui alguns erros. Ainda foram alguns tropeções que nós demos, algumas quedas. Mas nunca por culpa própria. Com o tempo, fomos aprendendo. Fomos criando as nossas estruturas, que nos apoiam nas mais diversas valências. Estamos preparados para o que aí vem. Estamos com muita vontade de criar coisas novas.
Para além deste single novo, que é lançado agora no início de junho, temos a intenção de lançar um CD e um DVD, que vai também sair num pack digital, para assinalar os 20 anos da banda, com o concerto que demos no Coliseu [dos Recreios, em Lisboa], em novembro de 2019. Esse foi o último grande concerto que nós fizemos. A partir daí, o céu é o limite. E é por aqui que é o caminho...
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