O tema da doença mental na gravidez e no pós-parto tem sido cada vez mais objeto de estudo por ser gerador de interesse, desafio e controvérsia, pois ao contrário do que se imagina muitas mulheres experienciam tristeza ou ansiedade nesta fase das suas vidas, de forma tão intensa e disfuncional, que torna a vivência da maternidade um verdadeiro sofrimento.
A literatura científica identifica o período da gestação e do puerpério como o período de maior vulnerabilidade para o início de uma perturbação mental, ou recaída de uma condição psiquiátrica pré-existente na mulher, principalmente no primeiro e no terceiro trimestre de gravidez e nos primeiros 30 dias de pós-parto.
A gravidez e o pós-parto são certamente períodos peculiares na vida da mulher que devem ser avaliados com especial atenção, pois envolvem múltiplas alterações físicas, hormonais, psicológicas e sociais, que vão refletir-se diretamente na sua saúde mental.
Depressão e Ansiedade na Gravidez
Vários são os fatores que se podem correlacionar com uma patologia depressiva ou ansiosa durante a gestação, nomeadamente dificuldades financeiras, gestação na adolescência, falta de suporte social e familiar, eventos de vida negativos/stressantes, relacionamento conjugal conflituoso, história familiar de doença psiquiátrica, características de personalidade da mulher, padrões de cognição negativos, baixa autoestima, porém, aquele que parece ter maior influência é a existência prévia de depressão ou ansiedade.
Atualmente já existem estudos que evidenciam a relação entre a depressão na gravidez e um risco aumentado de parto pré-termo, de baixo peso à nascença, ou mesmo de alteração dos padrões de desenvolvimento do cérebro do bebé, tendo assim, eles próprios, um risco acrescido para vir a sofrer de depressão. Por conseguinte, a existência de sintomas depressivos durante a gestação constitui também um fator de risco para depressão no pós-parto, comprometendo a relação de vinculação entre a mãe e o seu bebé. Mulheres com depressão pós-parto não tratadas adequadamente podem levar a prejuízos do desenvolvimento cognitivo e da linguagem do bebé.
Depressão e Ansiedade no Pós-Parto
No puerpério para além das bruscas mudanças nos níveis hormonais, a transição para a maternidade é marcada por mudanças psicológicas e sociais. Há a necessidade de reorganização social e adaptação a um novo papel, a mulher tem um súbito aumento de responsabilidade por se tornar a referência de um bebé, sofre privação de sono e isolamento social. Além disso, é importante não esquecer a reestruturação da vida do casal e da sexualidade, bem como da imagem corporal da mulher e da sua identidade feminina.
Por sua vez são considerados fatores de proteção o otimismo, a autoestima, a boa relação conjugal, o suporte social adequado e a preparação física e psicológica para as mudanças advindas com a maternidade.
Imediatamente após o parto existe uma fase denominada Blues pós-parto ou Baby Blues. Esta é uma fase de maior labilidade emocional, contudo se os sintomas não desaparecerem após algumas semanas ou inclusivamente se se intensificarem, poderemos estar presente uma depressão pós-parto. Este estado patológico pode interferir com a capacidade da mãe para cuidar do bebé, causando repercussões negativas na qualidade de vida, na dinâmica familiar e no estabelecimento de um vínculo mãe-bebé saudável. Não bastando a própria sintomatologia depressiva que condiciona a qualidade de vida, qualquer mãe sente-se desiludida, frustrada e profundamente culpabilizada por não estar a usufruir da felicidade de ter o seu bebé.
As mães deprimidas podem interromper a amamentação mais precocemente e lidar com os seus bebés de forma insegura, pouco afetuosa e confusa por lhes faltar as habilidades de resolução de problemas.
A partir do corte do cordão umbilical termina uma ligação física muito íntima à mãe e inicia-se uma ligação emocional e afetiva, cuja qualidade terá forte impacto na adaptação do bebé ao meio. A interação da díade mãe-bebé é a primeira forma de socialização, a mãe representa então o elemento central do universo afectivo e social da criança e aquele com o qual, habitualmente, estabelece uma vinculação forte, que lhe permitirá construir a base da confiança que o ser humano estabelece com o mundo.
Nos casos de depressão pós-parto, e outras perturbações emocionais comuns neste período, o vínculo nem sempre se desenvolve de forma satisfatória, pois mães deprimidas estão menos disponíveis para interagir e responder às solicitações dos seus bebés, ou seja, passam menos tempo a olhar, tocar, embalar e a falar com os seus bebés, são menos afetivas na interação e apresentam mais expressões negativas. As mães deprimidas podem interromper a amamentação mais precocemente e lidar com os seus bebés de forma insegura, pouco afetuosa e confusa por lhes faltar as habilidades de resolução de problemas.
Os bebés são muito sensíveis e vulneráveis ao impacto da depressão materna, porque dependem da qualidade dos cuidados e da responsividade emocional da mãe. Bebés de mães deprimidas exibem dificuldades no desenvolvimento da sua comunicação e interação com o mundo externo, verificando-se menos afeto positivo, menor desenvolvimento motor, menos vocalizações, menos expressões de interesse em explorar o meio, distanciam o olhar, mais expressões de tristeza, pouca reciprocidade com as suas mães, são mais irritáveis e choram mais, têm mais problemas de alimentação e de sono.
Avaliação e Tratamento
Sabe-se que é a avaliação criteriosa que permite detetar a existência de quadros psicopatológicos agudos, que, quando tratados atempadamente, poderão evitar ou mesmo diminuir o risco de consequências negativas tanto para a mãe, como para o bebé.
Neste sentido, é fundamental privilegiar o trabalho multidisciplinar e de articulação entre profissionais de saúde nesta fase tão sensível da vida da mulher. E tendo em conta a correlação existente entre a depressão materna e a predisposição genética do bebé para depressão, estaremos também a agir numa ótica de saúde pública e de promoção para a saúde mental.
O acompanhamento psiquiátrico nestas fases torna-se assim primordial, tanto na avaliação como na orientação e acompanhamento das mães, devolvendo-lhe a confiança no seu papel maternal.
Uma particularidade, que habitualmente suscita muitas dúvidas, diz respeito ao aleitamento materno e sua compatibilidade com o tratamento farmacológico.
A intervenção deverá ser integrada, através da associação entre a psicoterapia e a psicofarmacologia. O uso de medicação antidepressiva constitui a primeira linha no tratamento da depressão e da ansiedade, e visa reequilibrar as substâncias químicas no cérebro. A intervenção psicológica tem como objetivo prevenir o adoecer psíquico e restaurar um equilíbrio saudável. Dos vários modelos de intervenção psicoterapêutica, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem sido largamente estudada e apresenta evidência científica tanto na prevenção quanto no tratamento de estados ansiosos e depressivos.
Uma particularidade, que habitualmente suscita muitas dúvidas, diz respeito ao aleitamento materno e sua compatibilidade com o tratamento farmacológico. A maioria dos fármacos é excretada no leite materno e, por questões éticas, não existem muitos estudos controlados avaliando a exposição do recém-nascido. Todavia, os realizados e a clínica revelam poucos riscos ou efeitos colaterais nos lactentes expostos a antidepressivos da classe dos Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS), uma vez que a quantidade do fármaco e do seu metabolito no leite materno e no sangue do bebé são tão diminuídos. Uma avaliação cuidadosa permite frequentemente compatibilizar o tratamento medicamentoso com a amamentação.
Existe assim uma forte relação entre as nossas experiências enquanto bebés e a nossa saúde mental enquanto adultos, neste sentido é urgente tratar as mães para que possam viver a maternidade de forma plena e segura, acolhendo as necessidades dos seus bebés, sem angústia ou sofrimento patológico, para que estes se tornem crianças felizes, adultos saudáveis.
Texto: Carina Mendonça, Psiquiatra no Centro do Bebé
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