Que as redes sociais mudaram para sempre as nossas vidas, já poucos duvidamos. E a verdade é que este impacto é tanto mais marcante, quanto maior a disseminação das redes.
No anos 80, quando nasci, tiravam-se fotografias de rolo e era com enorme expectativa que esperávamos completar as 24 fotografias, para irmos fazer a revelação. Tudo levava o seu tempo e oferecer uma fotografia era importante, como atestam as datas e os locais que escrevinhávamos nas costas de cada fotografia que oferecíamos aos avós.
Como seres humanos, sempre partilhámos as histórias, os eventos, as graças que a nossa prole nos fornecia. Mas hoje em dia, a velocidade com que podemos partilhar é radicalmente diferente. Assim como o momento da partilha! Os nossos filhos começam a ser partilhados ainda antes de nascerem!
A sua existência digital começa com o anuncio da gravidez (frequentemente recorrendo a imagens de ecografia), as fotografias da mãe grávida, o babyshower, a mala de maternidade, o kit de conservação de células estaminais (que contra-indico), a escolha dos produtos de puericultura, a chegada à maternidade e o momento de nascimento. A verdade é que, previamente ao nascimento, existe toda uma narrativa que é livremente divulgada online.
Vejamos os motivos pelos quais partilhamos as fotos, as expressões e as conquistas dos nossos miúdos:
- Gostamos deles, são parte importante da nossa vida e como tal, queremos que a nossa presença digital reflicta isso naturalmente. Com as famílias cada vez mais fragmentadas, a verdade é que poder partilhar as novidades dos nossos filhos, é sem dúvida, uma mais-valia! Assim, amigos e familiares mais distantes podem acompanhar remotamente a evolução das crianças, podem rir-se dos disparates que fizeram e de certa forma, sentir que participam da sua história.
- Estamos sozinhos e a parentalidade não é fácil. O facto de partilharmos as nossas dificuldades parentais, os nossos desaires, os nossos triunfos, torna a experiência menos solitária. Sentimos que pertencemos a uma tribo que nos pode dar, embora virtualmente, algum suporte.
- Porque os miúdos são giros e iscos fáceis para a obtenção de validação. Quando colocamos a fotografia do nosso bebé e obtemos uma quantidade absurda de likes, então, de alguma forma, somos validades no nosso papel de mãe. Isto não é fácil de dizer, mas os nossos filhos, por muito conscienciosos que sejamos, são extensões do nosso ego e da nossa vaidade…
Mas quais são realmente os problemas da partilha de informação dos nossos filhos online?
Estima-se que até aos 5 anos de vida, os pais partilhem sensivelmente 1500 fotografias dos seus filhos online (dados de um estudo publicado aqui). São 1500 fotografias que podem ser usadas na criação de perfis falsos, utilizadas como motivo de gozo pelos colegas da escola e escrutinadas pela equipa de recursos humanos da empresa a que o seu filho se está a candidatar.
O facto de cada criança dispor desta quantidade de dados sobre si própria online sem ter dado o seu consentimento é um aspecto muito perturbador e significativo de como instrumentalizamos os nossos filhos, não lhes conferindo o direito à privacidade.
Sobretudo a partir dos 5 anos, é importante que as crianças sejam envolvidas na decisão sobre a sua exposição: o facto de passarem a compreender que têm uma existência pública nas redes sociais paralela à sua existência privada na vida real, é uma aprendizagem importante e saudável.
O que nos leva obviamente a reflectir sobre o reverso desta realidade: quando a criança sente a sua privacidade devassada pelas redes sociais dos seus progenitores. Tendo em conta que o Facebook surgiu em 2004, os primeiros bebés com presença digital terão agora 17 anos. Estarão satisfeitos com as fotografias que os seus pais partilharam ao longo dos anos? Já existem casos nos EUA e Reino Unido que nos parecem meramente caricatos, de filhos que processaram pais por invasão da privacidade.
Por outro lado, pensando agora especificamente sobre os adolescentes, sabemos que a adopção de uma persona online é frequentemente um mecanismo de expressão da sua individualidade. Como conciliar esse alter ego digital com as fotos do bebé sorridente a usar pela primeira vez o bacio previamente publicadas e identificadas?
Acredito que este venha a ser um tema de relevância crescente nos próximos anos, sobretudo nas figuras públicas que divulgam, exploram e vivem à custa da imagem dos seus filhos. É óbvio que, mesmo num país de brandos costumes, certamente existirão adolescentes e adultos jovens que se vão opor ao uso de imagens suas, por contratos publicitários assinados pelos seus pais.
No entanto, se apesar de todos este motivos, continua a querer partilhar informações, imagens e histórias dos seus filhos, então tenha em conta estas 4 medidas simples que podem ser extremamente protetoras:
- Não publique imagens dos seus filhos no banho ou despidos.
- Não identifique o local da fotografia, nem fotografe os seus filhos em frente da escola.
- Escolha publicar fotos de eventos, acontecimentos e/ou festas de aniversário em diferido.
- Não descreva rotinas e/ou hábitos dos seus filhos ou locais públicos que eles frequentem numa base regular.
Por fim, como última recomendação, viva a infância dos seus filhos sem ser filtrada através de um ecrã! Aproveite a oportunidade de efectivamente os ver crescer, ao invés de registar continuamente o seu crescimento através de fotos e vídeos.
Um artigo da pediatra Joana Martins.
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