Sim, quem nunca o fez que atire a primeira pedra: nos dias de hoje quantas crianças comem em frente ao ecrã? Visto que não dispomos de uma informação fidedigna sobre esta realidade, basta dizer que o uso de ecrãs deveria estar limitado a uma hora por dia para crianças com mais de 2 anos. É isto que se passa? Nem por isso! Naturalmente que, se o uso de ecrãs se tornou algo perfeitamente endémico na nossa sociedade, as horas de refeição serão, como é obvio, perfeitamente afetadas pelo mesmo problema.
Quando eu era pequenina, nas lutas de poder em torno do prato da sopa, os meus pais, gravaram uma VHS com publicidade para me incentivar a comer. Como vêm o recurso aos ecrãs não é uma coisa propriamente moderna. Hoje em dia, são os vídeos no Youtube ou as aplicações para crianças que fazem as honras do entretenimento à hora da refeição.
Realmente, quando distraímos uma criança à hora da refeição, fazer com que ela ingira quantidades (aos nossos olhos) adequadas de comida, torna-se muito mais fácil. Especialmente naquele período entre o primeiro e o quarto ano de vida.
Porque é que não o devemos fazer? Porque pura e simplesmente estamos a tornar a alimentação um ato reflexo, irrefletido, sem a participação da criança e sobretudo estamos a dificultar o normal convívio das famílias à mesa.
Estamos a criar crianças entretidas com ecrãs e adultos que instintivamente vão verificando as notificações do telemóvel. E aos poucos temos uma mesa familiar bem silenciosa, muito bem-comportada, mas absolutamente vazia. As relações não se constroem desta forma. Mas a obesidade sim! Crianças e adultos que comem irrefletidamente em frente ao ecrã acabam por ingerir quantidades maiores de alimentos, contribuindo assim, para o acumular de erros alimentares, que, no limite, contribui para a obesidade.
Por outro lado, se o seu filho (a) é mau para comer, realmente não é o facto de o distrair que o vai tornar mais tolerante em relação aos alimentos. Está apenas e só a tapar o sol com a peneira!
Crianças com elevada seletividade alimentar são o alvo preferencial para o uso de ecrãs na hora das refeições. No entanto, nada está de facto a ser feito para endereçar a seletividade. A criança continua difícil para comer e, para além disso, depende do uso do telemóvel para comer as poucas coisas que conseguia comer sem grande dificuldade.
Assim, como eliminar de uma vez só os ecrãs na hora da refeição? Pois bem, aqui ficam 5 ideias base para tentar implementar mudanças na sua família.
Limitar o tempo das refeições
Sabem aquela ideia infernal de uma criança à mesa durante 1 hora, a passear meia dúzia de ervilhas de lá para cá no prato, só porque “não sais da mesa enquanto não comeres tudo”? Pois, não vale a pena. A verdade é que só se vão desgastar numa luta inglória que vai culminar com a criança a continuar a não comer ervilhas. E não, lá porque a forçaram a comer uma vez, não quer dizer que tenham ganho a guerra.
Assim, partindo do princípio lógico de que nenhuma criança morre à fome com comida disponível, vamos ser animais racionais e dar um tempo razoável para cada refeição (15 a 30 minutos), a partir do qual, a criança sai da mesa (com autorização dos pais), quer tenha comido, quer não. Mas atenção, na eventualidade de não ter comido, não serão propostos snacks maravilhosos em substituição da refeição. É oferecida sopa ou outra comida que a família assim decidir. Mas nunca papas, iogurtes, bolachinhas com leite ou sobremesas.
Oferecer comidas que efetivamente a criança goste
Já que estamos a decidir retirar as distrações na hora da refeição, para além de tempos de refeição mais curtos, vamos incentivar a criança a comer, recorrendo a ementas que lhe agradem. Nem que numa semana o jantar seja sempre almôndegas. Estou a exagerar, mas o princípio é mesmo esse. Se queremos que a criança foque a sua atenção na comida, ao menos que seja algo tentador.
Mudanças radicais
Para os mais afoitos, nada como banir os ecrãs na hora da refeição. Assim, de um momento para o outro. Estranha-se e depois entranha-se! Mas atenção, também não são aceites os telemóveis dos pais à mesa. Esta posição afeta todos por igual. A criança, não vendo ecrãs disponíveis, percebe que as regras mudaram. Claro que vai reclamar, claro que não vai correr bem nos primeiros dias, mas a verdade é que as crianças são muito mais flexíveis que os adultos. Rapidamente vão querer encontrar outros dispositivos para se entreterem. E já sabem, a ideia é comer com intenção, não é construir legos enquanto alguém lhes dá a sopinha à boca!
Pouco a pouco
Nesta versão, o recurso a ecrãs começa por ser racionado. A criança sabe que se se sentar à mesa e começar a comer, ao fim de 5 minutos de permanência, terá acesso a 5 minutos de ecrã. E assim, sucessivamente, apenas tendo em conta, que à medida que o tempo passa, o primeiro intervalo de tempo até ser ligado o ecrã vai expandindo, remetendo-o para os últimos 5 minutos da refeição. Daí em diante, é só uma questão de tempo até ser possível retirar por completo.
Não desistir, não recuar
Se há coisa que aprendemos com as crianças é que as lutas de poder são uma constante. Desistir das mudanças que queremos implementar significa que a certa altura voltamos a deixar o ecrã ligado como muleta para toda a refeição. O que é que isto faz? Pois bem, torna qualquer tentativa posterior de remoção ainda mais complicada. Cada vez que cedemos em assuntos que nos são relevantes, mais difícil se torna recuperar o terreno perdido. E as crianças podem querer ganhar todas as lutas, mas a educação é justamente escolher as batalhas que não estamos, como pais, dispostos a perder.
Um artigo da médica pediatra Joana Martins.
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