Apesar de um pedido de desculpa genuíno poder ser um fator muito positivo, e até um ponto de partida para a reconciliação de relações sociais, existe uma grande pressão cultural e social para o perdão imediato. Crescemos a associar, quase que obrigatoriamente, o arrependimento ao perdão. De facto, as desculpas podem potenciar e levar ao perdão, mas esta expectativa de perdão pode, por vezes, gerar ansiedade e culpa, quando a pessoa ofendida sente que não está pronta para perdoar.
Quando uma pessoa, que foi lesada, ofendida e/ou magoada recebe um pedido de desculpas, pode sentir-se pressionada a desculpar, imediatamente, quem a ofendeu, mesmo que não se sinta pronta para o fazer. Por vezes, o próprio indivíduo que faz o pedido de desculpa parte do pressuposto, ou tem a expetativa de que será perdoado logo após o fazer, o que poderá contribuir para o mal-estar e sensação de culpa da pessoa lesada.
Por isso mesmo, é importante que um pedido de desculpas seja feito sem a expetativa de um perdão automático. Ou seja, um pedido de desculpa deve partir de um arrependimento e preocupação genuína, e não pelo perdão que poderá ser recebido (o que seria uma forma de manipulação). Por vezes, dependendo da gravidade da situação, podemos não chegar a receber o perdão do outro lado, e está tudo bem. Devemos respeitar e dar liberdade e espaço à outra pessoa.
Assim, torna-se igualmente importante que, ao receber um pedido de desculpa, dê espaço a si mesma para processar aquilo que aconteceu e curar, comunicando claramente aquilo que precisa para uma reconciliação (caso esta seja desejável). Isto porque, em situações mais sérias de quebras severas de confiança, um pedido de desculpa poderá não ser o suficiente. Poderá sim servir como um ponto de partida, que deve ser seguido por ações que comprovem esse compromisso numa mudança estável e continuada.
A comunicação e colaboração é relevante e necessária para um relacionamento saudável. Por isso mesmo, ao receber um pedido de desculpas sobre o qual não se sente preparado para perdoar, é importante que isso seja comunicado. Poderá dizer, por exemplo “Ainda não estou pronto para isso, preciso de mais tempo”, ou até “Agradeço o teu esfoço e pedido de desculpa. Sei que nem sempre é fácil pedir desculpa, mas esta situação magoou-me e, por isso, para que possamos seguir em frente na nossa relação, é importante para mim que (…). Posso nunca realmente chegar a conseguir seguir em frente, mas neste momento é isto que sinto que é importante para mim”.
Comunicar desta forma abre portas para um trabalho colaborativo, que pode ajudar a pessoa que a ofendeu a perceber aquilo pelo qual está a passar e o que precisa naquele momento. É também retirado o peso da responsabilidade de perdoar imediatamente e, simultaneamente, transmite alguma sensação de controlo sobre o próprio processo de perdão. É necessário ressalvar, no entanto, que em casos específicos, extremos e de elevada gravidade, o dano poderá ser de tal forma elevado que a vítima poderá não se sentir disposta, interessada ou até capaz em ingressar neste processo colaborativo.
A investigação feita nesta área salienta o facto de pessoas altamente autocríticas demonstrarem menor probabilidade tanto para pedir desculpa, como para perdoar os próprios erros. Em oposição, pessoas com uma maior autocompaixão têm uma menor tendência para a esconder os seus erros, encarando-os mais facilmente. Isto acontece porque estas pessoas demonstram uma maior facilidade em reconhecer as suas imperfeições, naturais da condição humana, e estarem dispostas a crescer com determinada situação.
É importante compreender e aceitar que, enquanto seres humanos, vamos errar e está tudo bem com isso. Só aceitando a condição inerentemente imperfeita que nos une, conseguiremos nos arrepender, perdoar e ser perdoados, dinâmicas tão relevantes dos relacionamentos interpessoais saudáveis. É necessário ainda registar, para dissipar quaisquer dúvidas, que o presente texto se debruça sobre circunstâncias não aplicáveis a relações abusivas, marcadas por violência.
Um artigo de Samuel Silva e Mauro Paulino, psicólogos clínicos e forenses da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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