Ao longo dos séculos, a sociedade tem observado uma constante transformação dos ideais de beleza. A atual influência das redes sociais e da consequente propagação de fotografias de corpos irrealistas, modificados por cirurgia ou pela mera edição de imagem parece ter vindo a contribuir para um aumento consecutivo da insatisfação corporal.

Em Portugal, nos últimos quinze anos, foram registadas cerca de 4500 hospitalizações no Serviço Nacional de Saúde (SNS) devido a perturbações alimentares. Estas podem surgir em qualquer faixa etária ou género, mas tendem a prevalecer na adolescência e nas raparigas, dado ser o período em que o corpo se encontra em constante mudança e o aspeto físico é particularmente valorizado.

Como principais perturbações alimentares destaca-se a anorexia nervosa e a bulimia. Apesar de, por vezes, confundidas, estas assentam em fatores psicológicos diferentes.

A anorexia nervosa assenta na obsessão e no controlo. O medo de engordar é vivido como uma obsessão que limita a vida da pessoa e que provoca um enorme desgaste emocional. Por sua vez, para alcançar o controlo do peso, a pessoa recorre a estratégias como a restrição alimentar, o exercício físico exacerbado, o vómito autoinduzido e os comportamentos de verificação (por exemplo, medir, com recurso a uma fita métrica, partes do corpo após as refeições). 

Ainda assim, a pessoa é comummente incapaz de reconhecer a degradação da saúde física, bem como da saúde mental. Não raras vezes, esta perturbação é acompanhada pela vivencia de sintomatologia depressiva (por exemplo, tristeza, sensação de vazio, reduzido valor pessoal), ansiosa, (por exemplo, ataques de pânico aquando de situações sociais em que a pessoa se sente ridicularizada), ideação suicida, perturbações do sono (por exemplo, insónias originadas pelos pensamentos constantes acerca do peso e das calorias consumidas durante o dia) e o consequente recurso ao isolamento social (“não vou sair de casa, o meu corpo faz-me sentir humilhada”). Outro dos riscos desta perturbação é a constante sensação de insatisfação, ou seja, o peso perdido nunca é suficiente para a pessoa alcançar o bem-estar que procura.

Os riscos para a saúde física são também evidentes. A restrição alimentar envolve uma ingestão calórica bastante inferior às necessidades da pessoa e surgem problemas médicos como a anemia, insuficiência renal, diminuição da acuidade visual e/ou infertilidade.

Associada à anorexia nervosa existe, com frequência, a distorção da imagem corporal, ou seja, uma incongruência entre o corpo real da pessoa e a imagem mental que esta detém do seu corpo, o qual é visto como deformado e repugnante.

O desenvolvimento da anorexia nervosa pode associar-se a experiências, como experiências adversas na infância, como o bullying em relação à imagem corporal (“tu és gorda, ninguém gosta de ti”) ou um acontecimento de natureza sexual, como o abuso sexual na infância. A família pode também ter um papel facilitador, mesmo que não intencional, por exemplo aquando de elogios referentes à magreza (“assim é que tu estás bonita, magra”) e/ou à capacidade de autocontrolo destas pessoas (“uau! Não sei como consegues, que inveja”).

Por oposição à anterior, a bulimia assenta na perda do controlo. Esta expressa-se através de episódios de ingestão compulsiva de alimentos que originam sentimentos de culpa, arrependimento e desvalorização do próprio. Por sua vez, a pessoa recorre a estratégias compensatórias, como o vómito autoinduzido ou a estratégias de autopunição, como os comportamentos auto-lesivos (“mereces sofrer, és gorda, és feia”).

Existe um ciclo de sofrimento e cansaço emocional em que a pessoa recorre à ingestão de alimentos para alcançar algum conforto, mas rapidamente é invadida por uma sensação de culpa e humilhação que que intensifica a frustração, a impotência e a revolta (“nem te consegues controlar, não vales nada”). Este ciclo pode culminar com comportamentos de autoagressão (por exemplo, dar murros em sítios que a pessoa considera deter gordura acumulada), para expressar a raiva experienciada.  Para além disto, a bulimia encontra-se associada a outras problemáticas que fragilizam a autoestima, como a degradação dentária, a qual possui um enorme valor estético.

Para além da baixa autoestima ou da ansiedade social, existem outros fatores de risco para o desenvolvimento da bulimia na adolescência, designadamente a existência de expectativas paternais elevadas, a importância excessiva atribuída pela família ao “estar em forma” e a obesidade. Existem pessoas obesas que sofrem de bulimia, em que a ingestão compulsiva mantém a obesidade e o recurso à indução do vómito provoca outros problemas médicos como a dispepsia (dificuldades na digestão dos alimentos, associada a náuseas e dores) e, em casos mais extremos, cancro maligno no esófago.

Outro fator importante é o perfecionismo. Alguns estudos referem que este é um fator de risco pois, não raras vezes, as pessoas altamente perfecionistas tendem a vivenciar as interações sociais como negativas e, por sua vez, recorrem à compulsão alimentar para compensar a sensação de solidão e desvalorização pessoal.

Estas duas patologias não coexistem. Ainda assim, existe um tipo de anorexia nervosa, designada por “compulsiva-purgativa” que assenta em ingestões compulsivas e recurso a comportamentos como o vómito autoinduzido. Por oposição à bulimia, a pessoa apresenta um peso corporal abaixo do adequado para as suas características.

Contudo, estas podem coexistir com outras perturbações, como a depressão (fruto da tendência à desvalorização pessoal), a ansiedade social (medo da humilhação, vergonha do corpo), a perturbação obsessiva-compulsiva (resultado dos níveis elevados de perfecionismo, controlo e obsessão) ou a perturbação da personalidade borderline, ou estado limite, (impulsividade e tendência a colmatar o vazio com comportamentos de compensação, como o consumo excessivo e, por sua vez, a existir autopunição, como os comportamentos auto-lesivos).

Apesar da anorexia nervosa corresponder à patologia mais frequente (54%), é a bulimia (13%) que regista um número superior de suicídios (10%). Neste período de tempo, foram identificadas 229 tentativas de suicídio e mais de um terço dos internamentos aconteceu de forma repetida.

Desta forma, como o consumo de álcool e drogas. O apoio emocional, aquando da exploração do sofrimento subjacente a estes comportamentos, o colmatar de pensamentos irracionais referentes ao corpo e a promoção da autocrítica acerca do funcionamento vão, consecutivamente, permitir alcançar o bem-estar físico e psicológico. No caso de adolescentes, pode ser importante a intervenção com os pais, no sentido da adoção de estratégias de gestão das emoções dos próprios e dos descendentes, bem como explorar as dinâmicas familiares que podem estar, de alguma forma, a contribuir para a patologia.

Eis 10 importantes sinais de alerta:

  1. Isolamento após as refeições (particularmente na bulimia) e/ou evitar comer em público;
  2. Preocupação excessiva com a perda de peso e verbalização de “complexos” (“não gosto nada das minhas pernas”);
  3. Tendência a iniciar dietas e a cumpri-las com marcada obsessividade (por exemplo, pesar os alimentos para estimar as calorias, não abrir exceções para festas ou eventos, registo diário das calorias ingeridas);
  4. Isolamento social e sinais de tristeza;
  5. Perda de peso vista como inexplicável;
  6. Ausência ou redução da menstruação, nas mulheres;
  7. Maior sensação de frio em comparação às pessoas que se encontram próximas;
  8. Tendência a usar roupa larga;
  9. Interesse excessivo por sites de informação nutricional;
  10. Consumo excessivo de água (para gerar a sensação de saciedade) e do recurso a substâncias que promovem a perda de peso.

As explicações são de Mauro Paulino e Sofia Gabriel, da MIND – Psicologia Clínica e Forense.