Com o desenvolvimento das tecnologias, o acesso à Internet tornou-se mais fácil e mais rápido do que nunca e a maior parte dos websites e fóruns estão apenas a um clique de distância, acessíveis a todas as idades, em qualquer momento. A internet tornou-se parte integral do nosso dia-a-dia e servimo-nos dela para os mais variados fins.
O consumo de pornografia é um desses fins e o acesso ilimitado à Internet significa que, em média, cerca de 70% dos homens e 33% das mulheres consome pornografia online. Porém, o impacto psicológico que o consumo de material pornográfico tem na saúde mental dos seus visualizadores é pouco considerado.
Com efeito, os media sempre desempenharam e continuam a desempenhar um papel fulcral na disseminação de padrões de beleza irrealistas e inflexível, que dificilmente são evitáveis devido à sua presença constante nas nossas vidas.
Ainda que o ideal de beleza feminino seja baseado em corpos magros, atléticos e curvilíneos, o ideal de beleza masculino foca-se na imagem de mesomorfismo (isto é, corpos grandes, mas não muito grandes, musculados e com pouca gordura corporal). Na nossa sociedade, estes ideais de beleza estão intrinsecamente ligados a símbolos de felicidade, desejabilidade e sucesso e, se esses ideais não são atingidos, sentimos tristeza, frustração e insatisfação em relação a nós próprios.
Os media criam nos seus consumidores, direta ou indiretamente, a noção de uma certa aparência a ter e que devemos agir de determinada forma. Os homens devem ser fortes, controlados, respeitados e capazes de lidar com qualquer desafio. São dominantes, bem-sucedidos e predatórios.
A internalização destes papéis de género, no seu extremo, pode levar à chamada “Síndrome de Centerfold”. Esta síndrome, concetualizada pelo psicólogo Gary Brooks, em 1995, defende que a internalização de tais papéis leva a uma visão da sexualidade e das relações íntimas baseada no ideal de masculinidade e à construção de uma identidade sexual disfuncional. É tipicamente caracterizada por:
- Comportamentos de voyerismo (compulsão para olhar para mulheres e/ou imagens de mulheres);
- Objetificação da mulher e do corpo feminino;
- Necessidade de validação das suas qualidades e proezas sexuais;
- Visão da mulher enquanto prémio a exibir;
- Evitamento da intimidade.
Esta síndrome é fortemente reforçada na pornografia heterossexual. Com poucas exceções, a indústria pornográfica cria um mundo fantasioso, onde a masculinidade reina: os homens são máquinas eficazes, sem emoções, e as mulheres, submissas, desejam as relações sexuais acima de tudo.
Mas estas representações de masculinidade, feminilidade e interação social e sexual irrealistas em materiais pornográficos têm um impacto negativo em quem os consume. A investigação demonstra que consumidores frequentes de material pornográfico online reportam níveis inferiores de autoestima, insatisfação em relação ao próprio corpo e níveis superiores de afeto negativo que poderão levar ao desenvolvimento de sintomatologia depressiva e ansiógena, bem como dificuldades na construção de relacionamentos íntimos adequados e sentimentos de insatisfação relacional e sexual.
Neste sentido, o consumo excessivo de pornografia pode estar relacionado com:
- Evitamento relacional, legitimando e encorajando relações sexuais superficiais.
- Ansiedade nos relacionamentos amorosos. Ao demonstrar relacionamentos superficiais e sem compromisso, a pornografia pode validar medos de abandono, rejeição e traição nas relações íntimas e amorosas.
A pornografia surge, assim, como um agente de socialização através do qual os seus consumidores, muitas vezes, se guiam nas relações íntimas. Como tal, em contexto psicoterapêutico, é importante desenvolver programas que ilustrem estilos interpessoais saudáveis e que previnam o desenvolvimento dos padrões relacionais disfuncionais apresentados, não raras vezes, na pornografia, desconstruindo-os e, assim, trabalhando potenciais constrangimentos relacionados com a imagem corporal e com a capacidade relacional e afetiva, que se pode encontrar afetada.
Um artigo dos psicólogos clínicos Mariana Moniz e Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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