Nos últimos 18 meses, muitas das atenções da comunidade médica e científica internacional têm estado centradas no combate ao SARS-CoV-2, o coronavírus na origem da COVID-19, uma doença que já matou mais de cinco milhões de pessoas em todo o mundo desde o final de 2019. Essa patologia está, no entanto, longe de ser o único problema de saúde a merecer a preocupação dos cientistas globais, que continuam a ter no cancro um dos maiores desafios.
Um pouco por todo o planeta, multiplicam-se as descobertas e os avanços tecnológicos que prometem salvar a vida de milhões de pacientes. Alguns deles ainda estão numa fase de desenvolvimento embrionária mas, como vai poder comprovar de seguida, há outros que já começam a ser usados para salvar vidas, para prevenir doenças e/ou para aliviar sintomas de patologias. Em Portugal, também há inovações e técnicas que prometem surpreender.
1. Inteligência artificial que deteta o cancro do pulmão
Um grupo de cientistas do Johns Hopkins Kimmel Cancer Center, em Maryland, nos Estados Unidos da América, desenvolveu um promissor teste sanguíneo que, com recurso a tecnologia de inteligência artificial, consegue detetar com maior rapidez cancro do pulmão, o mais mortal em todo o mundo, com um nível de precisão acima dos 90%.
Anualmente, são diagnosticados no planeta cerca de 2,1 milhões de casos, muitos deles tardiamente. Este novo teste, batizado DELFI, divulgado pela publicação especializada Nature Communications, permite uma identificação mais precoce desta doença oncológica. Em fase de validação científica, ainda terá, todavia, de ser alvo de um ensaio clínico mais abrangente antes de poder vir a ser generalizado.
2. Substâncias senolíticas que travam o avanço da diabetes
À medida que os anos passam, aumenta o número de células senescentes, estruturas orgânicas que deixam de se dividir corretamente. Com o avanço do tempo, perdem a capacidade proliferativa, potenciando o desenvolvimento de doenças como a diabetes. Um grupo de investigadores da Universidade do Connecticut, nos Estados Unidos da América, descobriu, no entanto, que o recurso a substâncias senolíticas pode travá-las.
De acordo com o estudo que os cientistas levaram a cabo, divulgado pela publicação especializada Cell Metabolism, esses fármacos conseguem combater a resistência à insulina em pacientes com diabetes tipo 2. Os testes realizados em laboratório, feitos em ratos obesos, revelam-se promissores. O recurso a drogas experimentais reduziu o número de células senescentes presentes nos tecidos adiposos dos roedores. Nos humanos, pensa-se que não será diferente.
3. Carbamazepina com aplicações no tratamento da doença de Machado-Joseph
É uma descoberta portuguesa. A carbamazepina, um fármaco aprovado para outras indicações patológicas, incluindo a epilepsia, pode ser uma terapia promissora para os pacientes que sofrem da doença de Machado-Joseph. Também conhecida como ataxia espinocerebelosa do tipo 3, é uma patologia neurodegenerativa hereditária sem cura, causada por uma alteração num gene, uma mutação que leva à disfunção e à morte neuronal.
A doença provoca problemas na marcha, no equilíbrio, na fala, na deglutição, nos movimentos oculares e ainda no sono. Segundo um estudo desenvolvido no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC-UC), coordenado por Luís Pereira de Almeida, docente da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra (FFUC) e investigador principal do CNC-UC, em parceria com Ana Ferreira, investigadora do CNC-UC, a carbamazepina pode ser rapidamente reutilizada para tratar outras doenças, incluindo a de Machado-Joseph, o que acaba por ser vantajoso.
Divulgado pela revista científica Neuropathology and Applied Neurobiology, os investigadores decidiram testaram o potencial deste medicamento como promotor da autofagia, um mecanismo de eliminação de proteínas anormais, através de modelos in vitro e in vivo da doença, depois de terem percebido, numa investigação anterior, que essa autofagia está desregulada, o que faz com que a proteína mutante não seja eliminada eficazmente.
4. Terapêutica contra a diabetes pode travar alzheimer
Segundo um estudo científico divulgado pela publicação especializada Neurology, um tratamento atualmente usado para tratar a diabetes tipo 2 pode retardar o desenvolvimento de alzheimer. O recurso a inibidores da dipeptidil peptidase-4, conhecidos pela sigla DPP-4, reduziu os biomarcadores da doença. Os autores da investigação ainda não conseguiram perceber como é que esta terapêutica atua beneficamente sobre o sistema neurológico humano.
Muitos especialistas exigem, no entanto, a realização de ensaios clínicos de larga escala para explorar a utilização do medicamento em pacientes com esta patologia de origem desconhecida, muito comum em várias regiões do planeta, que se caracteriza por lapsos de memória, desorientação temporal e espacial e perda gradual e irreversível das capacidades intelectuais.
5. Nova esperança no combate à fibrose quística
É a doença hereditária autossómica recessiva mais frequente na população caucasiana. Em Portugal, segundo a Associação Portuguesa de Fibrose Quística, afeta, em média, um em cada 7.000 bebés. É caracterizada por um muco espesso e pegajoso que obstrui as vias aéreas e aprisiona germes, causando infeções, inflamações e, nalguns casos, outras complicações. Esta patologia é causada por uma proteína defeituosa.
Até 2020, os únicos fármacos disponíveis só foram eficazes num grupo (muito) restrito de doentes com um determinado tipo de mutações. Uma nova combinação de fármacos, aprovada pelo Food and Drug Administration, o regulador de saúde norte-americano, em outubro de 2019, alivia cerca de 90% dos pacientes com a mutação do gene da fibrose quística mais comum. Por causa da pandemia, só agora é que muitos doentes começam a ter acesso a esta terapêutica.
6. Medicamento promissor trava obesidade e diabetes
Uma equipa de investigadores do Harrington Discovery Institute, um organismo que integra o centro hospitalar universitário University Hospitals, em Cleveland, nos Estados Unidos da América, tem estudado, nos últimos anos, a ligação entre a síndrome metabólica e as hormonas do organismo em ratos.
Os resultados já conseguidos através dessa análise permitiram-lhes desenvolver um medicamento, ainda em fase de testes, que não só reduz o apetite e os níveis de glicose na corrente sanguínea como também previne a obesidade e a diabetes. O novo fármaco atua sobre a asprosina, uma hormona que regula o fígado e combate o excesso de açúcar no sangue, descoberta em 2016.
7. Fármaco inovador contra a esclerose múltipla
O sistema imunológico das pessoas que sofrem desta doença ataca naturalmente a estrutura gordurosa que reveste as fibras internas do sistema nervoso central, afetando a comunicação entre o cérebro e o resto do corpo. Com a evolução da patologia, alguns dos danos causados tornam-se permanentes. As situações mais graves podem conduzir à morte.
O Food and Drug Administration aprovou a utilização de um novo anticorpo monoclonal terapêutico, produzido artificialmente a partir de uma única célula e passível de ser reproduzido indefinidamente em laboratório. É o primeiro e (ainda) único tratamento disponível em todo o mundo para os doentes que sofrem de esclerose múltipla progressiva primária.
8. Tratamento revolucionário trava hepatite C
Insuficiência hepática, cirrose e cancro do fígado são alguns dos problemas de saúde graves e potencialmente fatais causados por esta doença. Como não existe vacina para o vírus que causa a hepatite C, os pacientes estão dependentes da medicação que lhes vai sendo receitada pelos médicos. Muitos dos tratamentos prescritos têm, contudo, efeitos secundários adversos.
Algumas das terapêuticas disponíveis também não são eficazes contra todos os genótipos da doença. Nos Estados Unidos da América, a utilização de um novo medicamento, com uma taxa de eficácia de 90% para os seis genótipos principais do vírus, tem vindo a melhorar a vida de muitos pacientes com hepatite C.
9. Fármacos inibidores contra o cancro da próstata
São a esperança de muitos homens. Foram aprovados pelo regulador de saúde norte-americano em maio de 2020, em plena pandemia. Segundo as estimativas globais, 10% da população masculina será, ao longo da vida, confrontada com um diagnóstico de cancro da próstata. A utilização de fármacos inibidores, até agora usados com êxito para combater cancros tradicionalmente femininos, permitiu retardar a progressão desta doença oncológica num grupo masculino significativo.
10. Identificado mecanismo crítico no desenvolvimento do cérebro
Um estudo científico publicado na prestigiada revista Science, que partilha os resultados de uma investigação que envolve duas dezenas de investigadores portugueses, espanhóis e franceses, desvenda um mecanismo essencial para a organização do cérebro nos primeiros anos de vida, fornecendo pistas para o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas para doenças como o autismo, a depressão, a esquizofrenia ou ainda a doença de Alzheimer.
A descoberta, comunicada nas primeiras semanas de novembro de 2021, é o resultado de mais de uma década de investigação, iniciada, em 2007, por Rodrigo Cunha, coautor do artigo científico e docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC). Compreender como se desenvolve o cérebro nos primeiros anos de vida, analisando a estabilidade das sinapses, tem sido uma das preocupações de milhares de cientistas em todo o mundo.
11. Desenvolvimento de organoides cerebrais para curar doenças
Uma equipa de investigadores do Hospital Universitário de Düsseldorf, na Alemanha, conseguiu desenvolver organoides cerebrais, também conhecidos como minicérebros, com recurso a células estaminais pluripotentes, para criar estruturas que identificam a luminosidade exterior e transmitem essa informação ao cérebro.
Como integram estruturas funcionais semelhantes às que existem na área onde o nervo ótico se une à retina, possibilitam a identificação de figuras, devolvendo a visão a quem a tinha perdido, noticiou recentemente a publicação científica especializada Cell Stem Cell. Em Portugal, Catarina Seabra, investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra também tem trabalhado com os organoides cerebrais que desenvolve a partir de células de dentes de leite de crianças com autismo na esperança de encontrar a cura para a doença.
No Rehen Lab, no Brasil, o reputado laboratório de investigação de biotecnologia celular que integra o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estas estruturas orgânicas têm sido produzidas a partir de células extraídas da pele ou de urina humana para investigar alterações celulares e moleculares do tecido cerebral. A ideia é perceber como é que o cérebro reage à presença de agentes causadores de doenças.
12. Terapia genética contra as hemoglobinopatias
Estas patologias genéticas afetam a estrutura e/ou a produção das moléculas de hemoglobina, a proteína que é responsável pelo transporte de oxigénio na corrente sanguínea. A doença falciforme e a talassemia, as mais comuns, afetam anualmente a vida de mais de 330.000 crianças.
O recurso à terapia genética tem permitido produzir moléculas de hemoglobina funcionais, reduzindo a presença de células falciformes e conseguindo prevenir muitas das complicações tradicionalmente associadas a estas patologias.
13. Anticorpo monoclonal evita COVID-19
AZD7442 é o nome de um novo tratamento injetável contra a doença causada pelo SARS-CoV-2. Desenvolvido por investigadores do Vanderbilt University Medical Center, em Nashville, no Tennessee, nos Estados Unidos da América, alia um poderoso anticorpo monoclonal desenvolvido por este reputado centro hospitalar universitário norte-americano, produzido artificialmente a partir de uma única célula e passível de ser reproduzido indefinidamente em laboratório, a uma mistura de fármacos.
A companhia farmacêutica AstraZeneca, responsável por uma das vacinas contra a COVID-19 administradas em território português, já adquiriu a licença de utilização deste anticorpo, atualmente na terceira fase de testes clínicos. Uma injeção intramuscular garante até 12 meses de proteção contra o vírus, sugerem os dados preliminares da investigação levada a cabo pelos cientistas da empresa.
14. Telemóveis que monitorizam pacemakers
Geram impulsos elétricos que obrigam os músculos cardíacos a contrair para continuarem a bombear o sangue para o organismo. Muito usados para prevenir ou corrigir arritmias, obrigam, todavia, a consultas médicas de rotina regulares para avaliar o grau de bateria e de autonomia destes dispositivos eletrónicos que se implantam na parede torácica.
Nos últimos anos, foram desenvolvidos aparelhos com tecnologia Bluetooth que, através da ligação a uma aplicação móvel, permitem monitorizar o funcionamento dos pacemakers, facilitando a vida dos médicos que acompanham esses doentes. Alguns até já recolhem dados e informações de saúde que, depois, transmitem diretamente aos profissionais de saúde.
15. Consumo de leite materno melhora saúde cardiovascular de bebés prematuros
A descoberta foi comprovada por Afif EL-Khuffash, professor clínico de pediatria no Royal College of Surgeons in Ireland (RCSI), em colaboração com investigadores da Universidade de Oxford em Inglaterra, do Mount Sinai Hospital em Toronto no Canadá, da Northwestern University Feinberg School of Medicine em Chicago, da Washington University School of Medicine e da Harvard Medical School, nos Estados Unidos da América.
O consultor neonatologista no Rotunda Hospital em Dublin, na Irlanda, que liderou a pesquisa, apurou que o consumo de leite materno tem um comprovado efeito benéfico na saúde e no desenvolvimento cardiovascular de bebés prematuros. Depois de monitorizarem 80, os especialistas concluíram que a ingestão desse leite melhorou a função cardíaca. Aos 12 meses, registavam valores semelhantes aos que nasceram em tempo normal.
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